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Professora da Unioeste: Pesquisa analisa não adesão a tratamentos de doenças crônicas não transmissíveis

Estudo inédito de doutorado da professora do Curso de Farmácia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Poliana Vieira da Silva Menolli, demonstrou que pacientes com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como diabetes, hipertensão e dislipidemias, apresentam dificuldades para usar os medicamentos como recomendado, por fatores psicossociais, desconfiança e crenças sobre os medicamentos e insatisfação com os serviços de saúde. A pesquisa, que avaliou a adesão ao uso de medicamentos no Brasil, foi realizada dentro do Programa do Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com base nos dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Nacional de Medicamentos (PNAUM).

O estudo demonstra que existe um grande hiato no cuidado de pacientes de DCNT em uso de medicamentos na saúde pública do país, e deveria funcionar como um sinal de alerta, pois essas doenças silenciosas são responsáveis por cerca de 75% das mortes no Brasil, segundo relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no final do ano passado e os medicamentos uma estratégia importante de enfrentamento.

Para o orientador da pesquisa, Edmarlon Girotto, do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UEL, a dificuldade dos pacientes DCNT em aderir aos medicamentos está ligada ao fato de que muitos desses males não apresentam sintomas.

“Este é um grande desafio para a saúde pública, promover a adesão aos medicamentos em conjunto com mudanças de hábitos para uma dieta saudável e a prática rotineira de exercícios físicos”, comenta o professor. O PNAUM avaliou o uso dos medicamentos de pacientes em cerca de 600 municípios brasileiros. Diante destes dados, pesquisadora constatou que, quanto menor o tempo de uso, a percepção de que o medicamento não funciona bem ou causa desconforto, menor é a adesão ao tratamento.

Outra revelação do estudo é a percepção dos pacientes em relação aos serviços de saúde, com destaque para os farmacêuticos. Pessoas insatisfeitas tendem a ter menor adesão ao tratamento contínuo. Ou seja, não basta oferecer o remédio gratuito via SUS, é necessária uma infraestrutura de profissionais, ambientes adequados e serviços que ajudem o paciente a lidar com as dificuldades de usar muitos medicamentos.

Confira a seguir a entrevista da professora Poliana concedida à Agência UEL, sobre as características deste estudo, consequências e sugestões para atenuar o problema da não adesão aos medicamentos contra DCNT.

Agência UEL – Podemos considerar que se trata de uma cultura enraizada?

Professora Poliana – A não adesão ao uso de medicamentos, ou seja, não usar os medicamentos conforme acordado com um profissional de saúde, é um comportamento comum entre pacientes de DCNT e um problema de saúde pública bastante documentado e conhecido, principalmente porque os medicamentos estão entre as principais estratégias para o enfrentamento dessas doenças. Passar a usar um ou mais medicamentos continuamente não é tarefa simples e envolve uma mudança na rotina do paciente, diminuição de sua autonomia e a aceitação de um diagnóstico, com um tratamento diário, na maioria das vezes de longo prazo.

O paciente precisa lidar com muitos fatores relacionados à sua saúde que fazem pressão no momento de decidir tomar (o remédio) ou não. Por exemplo, ele precisa tomar o medicamento sabendo que pode ter que suportar um desconforto, que o efeito do tratamento não é tão bom quanto ele gostaria, que pode durar anos, que se acabarem os comprimidos precisa ir buscar em determinado lugar e data, que talvez tenha que faltar ao trabalho para ir buscar, que se estiver faltando

medicamento no SUS precisa comprar. Que deve se alimentar corretamente para não atrapalhar o tratamento, que precisa diminuir o estresse para pressão arterial não subir, que precisa diminuir o peso. Esses são alguns dos muitos fatores que os pacientes precisam lidar e não deveria ser um trabalho que eles tenham que fazer sozinhos.

Agência UEL – Quais as principais causas para pacientes acometidos com hipertensão, diabetes e dislipidemia não utilizarem os medicamentos adequados?

Professora Poliana – Fatores psicossociais como crenças sobre doença e tratamento, insatisfação com os profissionais e os serviços de saúde e estados emocionais, desempenham um papel importante.

A tese buscou entender se a percepção dos pacientes do SUS sobre os medicamentos e serviços de assistência farmacêutica recebidos (localização das farmácias, horário de funcionamento, disponibilidade de produtos, dispensação de medicamentos, orientação de uso, presença de farmacêuticos) influenciam na não-adesão ao uso de medicamentos para hipertensão, diabetes e dislipidemia.

Usamos dados da Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do uso Racional de Medicamentos no Brasil, a PNAUM, maior Inquérito populacional sobre o uso de medicamentos feito no Brasil até o momento, promovido pelo Ministério da Saúde.

Agência UEL – Quantos pacientes foram ouvidos e onde? O atendimento farmacêutico na rede pública está dentro do esperado?

Professora Poliana – Na tese, foram avaliados 16.491 medicamentos e 2.448 entrevistados de 600 municípios de todas as regiões do Brasil. Descobrimos que quando o paciente tem a percepção de que o medicamento não funciona bem (ou não funciona como o esperado),

que causa desconforto e quando é utilizado há menos de seis meses. Tudo isso favorece a não adesão aos medicamentos DCNT.

Também chegamos à conclusão de que a maioria dos pacientes está satisfeita com os serviços de assistência farmacêutica do SUS, porém os insatisfeitos não aderiram ao uso de medicamentos, demonstrando que a insatisfação com os serviços recebidos contribui para a não-adesão desses pacientes.

Descobrimos também que a falta de acesso aos medicamentos pelo SUS contribui para a não-adesão por duas vias diferentes: pela falta do medicamento em si, que impede o uso e também porque não conseguir o medicamento sempre que precisa ou ter dificuldades para conseguir, é uma das principais causas de insatisfação com os serviços de assistência farmacêutica. Pacientes insatisfeitos são menos aderentes.

Agência UEL – Diante destes dados, o que a senhora defende para enfrentar o problema, ou seja, para ter maior adesão por parte dos pacientes?

Professora Poliana – Os resultados demonstraram que para enfrentar o problema da não adesão no Brasil é preciso garantir acesso a medicamentos gratuitos, seguros, eficazes e de qualidade pelo SUS e a organização de serviços farmacêuticos centrados nas necessidades dos pacientes. Ações que busquem diminuir crenças relacionadas aos tratamentos, estratégias para ajudar o paciente no uso domiciliar e acompanhamento do uso para dar satisfação aos usuários pelos cuidados farmacêuticos recebidos. Cuidados esses que diminuem as dificuldades enfrentadas pelos pacientes durante o uso de medicamentos contínuos.

A assistência farmacêutica brasileira apresenta um quadro de grandes diferenças regionais e atividades voltadas principalmente para logística do produto e deixa o uso do medicamento sob total responsabilidade

dos pacientes. Esse tipo de organização não oferece condições para enfrentar os desafios e diminuir a não-adesão em pacientes DCNT.

Agência UEL – Nas considerações finais do trabalho, a senhora afirma que existem problemas de más experiências e frustrações dos pacientes com os serviços? Como isto pode ser revertido?

Professora Poliana – É preciso que o Governo Federal, estados e municípios invistam na capacitação de recursos humanos, criação de estrutura e equipe apropriada para o atendimento em dispensação de qualidade, com a presença de farmacêuticos, com a realização de acompanhamento farmacoterapêutico quando necessário e de educação em saúde relacionada aos tratamentos.

Hoje, no Brasil, esses serviços de acompanhamento são ainda iniciativas individuais de profissionais e de gestores locais. Precisamos avançar para serviços mais estruturados, em uma rede nacional que busque a qualidade no cuidado do paciente. Os medicamentos custam caro ao sistema de saúde e aos pacientes. Por isso, é importante que sejam usados corretamente, para que possamos alcançar resultados clínicos positivos como diminuição de complicações e mortalidade.

 

 

Com informações de: Pedro Livoratti/Agência UEL

Foto: Rafael Menolli

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