MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO *Educação Inclusiva* Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental. Brasília – 2006 MEC/SEESP FICHA TÉCNICA: Secretária de Educação Especial Claudia Pereira Dutra Departamento de Políticas de Educação Especial Claudia Maffini Griboski Coordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão Denise de Oliveira Alves Autoras Cristina Abranches Mota Batista Maria Teresa Egler Mantoan Colaboração Jânia Almeida Silva Telma Izabel Martins de Rezende Vilma de Souza Lopes Organização do texto Raphael Silva das Neves Participação Equipe APAE/Contagem Aline Camargo Flávia Nunes Andrade Franciole Nunes Andrade Gleide Alves de Oliveira Lucynéia Xavier Dias Lusimeire Fernandes da Silva Márcia Cristina Cunha Oliveira Solange Oliveira de São José Maria Flora de Fátima Lopes Marilene Soares da Costa Mônica Maria Fernandes de Mello Odália Margarida Braga Brandão Rosemeire Francia Maia Leite Silveira Simone Guimarães Silveira Taísa Vieira Martins Ramos Revisão P.S LOZAR Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Batista, Cristina Abranches Mota Educação inclusiva : atendimento educacional especializado para a deficiência mental. [2. ed.] / Cristina Abranches Mota Batista, Maria Teresa Egler Mantoan. – Brasília : MEC, SEESP, 2006. 68 p. : il. 1. Educação inclusiva. 2. Educação dos deficientes mentais. 3. Atendimento especializado. 4. Associação de Pais e Amigos dos excepcionais. I. Mantoan, Maria Teresa Egler. II. Brasil. Secretaria de Educação Especial. III. Título. CDU 376.4 *Apresentação* O Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Especial apresenta o documento Educação Inclusiva -Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental, com o objetivo de oportunizar aos sistemas de ensino orientações e informações para a organização do atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência mental. A edição deste documento traz contribuições valiosas para nortear a reflexão sobre a necessária transformação conceitual e prática da escola para a atenção à diversidade. Nesta perspectiva, abrange princípios que fundamentam o direito de todos a educação à luz do enfoque da educação inclusiva; e apresenta uma experiência que reflete o processo de transformação da escola organizada de forma segregada para uma nova organização do atendimento educacional especializado. Acreditamos que esse documento irá contribuir efetivamente como orientação para tomada de decisão e organização do sistema educacional para atender as necessidades e interesses de todos os alunos, garantindo que tenham acesso a espaços comuns e processos educacionais inclusivos. Claudia Pereira Dutra Secretária de Educação Especial *Sumário* Capítulo 1 - 7 A escola comum – seu compromisso educacional - 7 A escola especial: seu compromisso educacional - 8 O atendimento educacional especializado - 8 A deficiência mental - 10 A escola comum diante da deficiência mental - 12 O atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiência mental - 15 Atendimento educacional especializado e o atendimento clínico - 24 A formação de professores para o ensino regular e para o atendimento educacional especializado - 25 Capítulo 2 - 29 Experiência da APAE-Contagem - 29 1. O percurso - 29 1.1 AAPAE-Contagem vai às escolas – 1994/1997 - 29 1.2 As escolas vêm até a APAE-Contagem 1997/2001 - 31 1.3 O diálogo entre a APAE - Contagem e as escolas comuns 2003 - 34 2. Salas ambientes temáticas - SAT’s - 35 2.1 - Programando o ano - 36 2.2- Programando o dia letivo - 37 3- SAT: livros e filmes - 41 3.1- Objetivos: - 41 3.2- Relato de uma experiência - 42 4 - SAT: dança e música - 54 4.1- Objetivos: - 54 4.2- Relato de experiência 1 - 55 4.3- Relato de experiência 2 - 60 5 - SAT: arte - 61 5.1- Objetivos: - 61 5.2- Relato de uma experiência 1 - 62 5.3- Relato de uma experiência 2 - 64 6 - Trajetória e avaliação - 65 *Capítulo 1* *A escola comum – seu compromisso educacional* A ciência é a base de toda construção do conhecimento acadêmico e a escola comum opera com esse saber universal, produzido e reproduzido, em detrimento do saber particular. Ela amplia todo e qualquer conhecimento que o aluno traz da sua experiência pessoal, social e cultural e procura meios de fazer com que o aluno supere o senso comum. A escola tem o dever de não se contentar apenas com o que o aluno já sabe, estimulando-o a prosseguir no entendimento de um fenômeno, ou de um objeto e de torná-lo capaz de distinguir o que estuda do que já sabe em uma ou várias áreas do conhecimento. Na escola a construção do conhecimento é predefinida, intencional e deliberada. Tanto o aluno quanto o professor têm objetivos escolares explícitos que precisam ser alcançados. Eles perseguem metas e ações, num dado período de tempo – o ano letivo, o espaço de um planejamento, de uma aula, enfim, um período que será preenchido de ações propositalmente sistematizadas para o fim a que se propõem. Há que se levar em conta as escolhas do professor para ensinar e as do aluno para aprender. Essas escolhas não são espontâneas, aleatórias, mas demandam decisão, seleção de um caminho de aprendizagem, de uma metodologia de ensino, do uso de recursos didático-pedagógicos. Da parte do aluno, essa escolha é mais limitada, pois o professor, por mais que seja aberto e acessível ao modo de aprender do aluno, não está ensinando individualmente, mas desenvolvendo um trabalho pedagógico coletivamente organizado, que tem limites para essas diferenças. A escola é a instituição responsável pela passagem da vida particular e familiar para o domínio público, tendo assim uma função social reguladora e formativa para os alunos. O conhecimento nela produzido é revestido de valores éticos, estéticos e políticos, aos quais os alunos têm de estar identificados e por mais que a escola seja “liberal” e descarte modelos totalizadores e coercitivos de ensino e de gestão, sua função social jamais será descartada. Ela precisa assumir um compromisso com as mudanças sociais, com o aprimoramento das relações entre os concidadãos, com o cuidado e respeito em relação ao mundo físico e aos bens culturais que nos circundam. Mas acima de tudo, a escola tem a tarefa de ensinar os alunos a compartilharem o saber, os sentidos diferentes das coisas, as emoções, a discutir, atrocar pontos de vista. É na escola que desenvolvemos o espírito crítico, a observação e o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões. Em suma, a escola comum tem um compromisso primordial e insubstituível: introduzir o aluno no mundo social, cultural e científico; e todo o ser humano, incondicionalmente tem direito a essa introdução. *A escola especial: seu compromisso educacional* A escola especial foi criada para substituir a escola comum no atendimento a alunos com deficiência, assumindo o compromisso da escola comum, sem umadefinição clara do seu. É importante esclarecer, que houve um tempo em que se entendia que esses alunos não eram capazes de arcar com o compromisso primordial da escola comum de serem introduzidos no mundo social, cultural e científico, a não ser em condições muito específicas e fora dessa escola. Entendia-se que esses alunos necessitavam de condições escolares especiais o que incluía currículos e ensino adaptados, número menor de alunos por turma, professores especializados e outras condições particulares de organização pedagógica do processo educacional. Assim sendo, dada a essa composição específica, a escola especial sempre enfrentou o impossível: substituir adequadamente o compromisso da escola comum. Por sua vez, a insistência em buscar uma substituição impossível, foi descaracterizando-a e impedindo-a de construir uma identidade própria, no correr dos tempos. O advento da inclusão escolar denunciou nitidamente essa impossibilidade, provocando muitas dúvidas sobre o papel da escola especial e até mesmo sobre a sua continuidade. Já com o movimento da integração escolar isso não aconteceu de forma tão categórica. De fato, a inserção parcial e condicional dos alunos com deficiência nas escolas comuns manteve as escolas e classes especiais na mesma posição. Cabialhes ainda substituir a escola comum, embora com caráter transitório, acreditava-se que a passagem desses alunos por seus cursos fosse necessária, para que conseguissem se integrar no ensino regular. Pode-se dizer que, com esse movimento, as escolas especiais não foram completamente questionadas em suas funções e organização pedagógica, embora já tivessem seu compromisso primordial abalado. Diante da inclusão, o desafio das escolas comum e especial é o de tornar claro o papel de cada uma, pois uma educação para todos, não nega nenhuma delas. Se os compromissos educacionais dessas não são sobrepostos, nem substituíveis, cabe a escola especial complementar a escola comum, atuando sobre o saber particular que invariavelmente vai determinar e possibilitar a construção do saber universal. *O atendimento educacional especializado* Ora, se a escola comum tem como compromisso difundir o saber universal, certamente terá de saber lidar com o que há de particular na construção desse conhecimento para alcançar o seu objetivo. Mas ainda assim, terá limitações naturais para tratar com o que há de subjetivo nessa construção com alunos com deficiência, principalmente com a deficiência mental. Esse fato já aponta e demonstra a necessidade de existir um espaço para esse fim, que não seja eminentemente clínico e que resguarde uma característica tipicamente educacional. Para esse fim, está previsto na Constituição de 1988 o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, para o que antes era definido como Educação Especial e todas as suas formas de intervenção. Em seu Artigo 208, a Constituição determina que esse atendimento ocorra, preferencialmente, na rede regular de ensino. É importante esclarecer que: a) esse atendimento refere-se ao que é necessariamente diferente da educação em escolas comuns e que é necessário para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência, complementando a educação escolar e devendo estar disponível em todos os níveis de ensino; b) é um direito de todos os alunos com deficiência que necessitarem dessa complementação e precisa ser aceito por seus pais ou responsáveis e/ou pelo próprio aluno; c) o “preferencialmente” na rede regular de ensino significa que esse atendimento deve acontecer prioritariamente nas unidades escolares, sejam elas comuns ou especiais, devidamente autorizadas e regidas pela nossa lei educacional. A Constituição admite ainda que o atendimento educacional especializado pode ser oferecido fora da rede regular de ensino, já que é um complemento e não um substitutivo do ensino ministrado na escola comum para todos os alunos; d) o atendimento educacional especializado deve ser oferecido em horários distintos das aulas das escolas comuns, com outros objetivos, metas e procedimentos educacionais. e) as ações do atendimento educacional são definidas conforme o tipo de deficiência que se propõe a atender. Como exemplo, para os alunos com deficiência auditiva o ensino da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, de Português, como segunda língua, ou para os alunos cegos, o ensino do código “Braille”, de mobilidade e locomoção, ou o uso de recursos de informática, e outros; f) os professores que atuam no atendimento educacional especializado, além da formação básica em Pedagogia, devem ter uma formação específica para atuar com a deficiência a que se propõe a atender.Assim como o atendimento educacional especializado, os professores não substituem as funções do professor responsável pela sala de aula das escolas comuns que têm alunos com deficiência incluídos. O conhecimento da deficiência mental precisa ser clarificado, dada a facilidade de se confundir os problemas de ensino e de aprendizagem causados por essa deficiência com o que é barreira para o aproveitamento escolar de todo e qualquer aluno. *A deficiência mental* Na procura de uma compreensão mais global das deficiências em geral, em 1980, a OMS, propôs três níveis para esclarecer todas as deficiências, a saber: deficiência, incapacidade e desvantagem social. Em 2001, essa classificação foi revista e reeditada não contendo mais uma sucessão linear dos níveis, mas indicando a interação entre as funções orgânicas, as atividades e a participação social. O importante dessa nova definição é que ela destaca o funcionamento global da pessoa em relação aos fatores contextuais e do meio, re-situando-a entre as demais e rompendo o seu isolamento. Essa definição motivou a proposta de substituir a terminologia “pessoa deficiente” por “pessoa em situação de deficiência”. (Assante, 2000). A idéia dessa proposta é a de mostrar a vantagem de integrar os efeitos do meio nas apreciações da capacidade de autonomia de uma pessoa com deficiência. Em conseqüência uma pessoa pode sentir uma discriminação em um meio que constitui para ela barreiras que apenas destacam a sua deficiência, ou ao contrário ter acesso a esse meio, graças às transformações deste para atender as suas necessidades. A Convenção da Guatemala, internalizada à Constituição Brasileira pelo Decreto 3956/2001, no seu artigo 1º define deficiência como [...] “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Essa definição ratifica a deficiência como uma situação. A deficiência mental constitui um impasse para o ensino na escola comum e para a definição do seu atendimento especializado, pela complexidade do seu conceito e pela grande quantidade e variedades de abordagens do mesmo. A dificuldade em se detectar com clareza os diagnósticos de deficiência mental tem levado a uma série de definições e revisões do seu conceito. A medida do coeficiente de inteligência (QI) foi utilizada durante muitos anos como parâmetro de definição dos casos. O próprio CID 10 (Código Internacional de Doenças, desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde), ao especificar o Retardo Mental (F70-79) propõe uma definição ainda baseada no coeficiente de inteligência, classificando-o entre leve, moderado e profundo, conforme o comprometimento. Também inclui vários outros sintomas de manifestações dessa deficiência como: a [...] “dificuldade do aprendizado e comprometimento do comportamento”, o que coincide com outros diagnósticos e de áreas diferentes. O diagnóstico na deficiência mental não se esclarece por uma causa orgânica, nem tão pouco pela inteligência, sua quantidade, supostas categorias e tipos. Tanto as teorias psicológicas desenvolvimentistas, como as de caráter sociológico, antropológico têm posições assumidas diante da condição mental das pessoas, mas ainda assim, não se consegue fechar um conceito único que dê conta dessa intrincada condição. A Psicanálise, por exemplo, traz a dimensão do inconsciente, uma importante contribuição que introduz os processos psíquicos na determinação de diversas patologias, como a questão da deficiência mental. A inibição, desenvolvida por Freud, pode-se definir pela limitação de determinadas atividades, causada por um bloqueio de algumas funções, como pensamento, por exemplo. A debilidade, para Lacan, define a maneira particular de o sujeito lidar com o saber, podendo ser natural ao sujeito, por caracterizar um mal-estar fundamental em relação ao saber, ou seja, todos nós temos algo que não conseguimos ou não queremos saber. Mas também define uma patologia, quando o sujeito se fixa numa posição débil, de total recusa de apropriação do saber. Além de toda essa pluralidade de conceitos e que em muitos casos são antagônicos, existe a dificuldade de se estabelecer um diagnóstico diferencial entre o que seja “doença mental” e “deficiência mental”, principalmente no caso de crianças pequenas que estão na idade escolar. Por todos esses motivos, há uma busca de encampar esse problema o mais amplamente possível, introduzindo dimensões de diferentes áreas do conhecimento na tentativa de abranger o fenômeno mental. Em suma, a deficiência mental não se esgota na sua condição orgânica e/ou intelectual e nem pode ser definida por um único saber. Ela é uma interrogação e objeto de investigação para todas as áreas do conhecimento. A dificuldade de se precisar um conceito de deficiência mental trouxe conseqüências indeléveis na maneira das demais pessoas lidarem com a deficiência. O medo da diferença e do desconhecido é responsável, em grande parte, pela discriminação que afeta as escolas e a sociedade em relação às pessoas com deficiência em geral, mas principalmente àquelas com deficiência mental. O sociólogo Erving Goffman desenvolveu uma estrutura conceitual: a estigmatização, para definir essa reação diante daquele é diferente e que acarreta um certo descrédito e desaprovação por parte das demais pessoas. Freud, em seu trabalho sobre o Estranho também demonstra como o sujeito evita aquilo que lhe parece estranho e diferente, mas que no fundo remete a questões pessoais e mais íntimas do próprio sujeito. Ainda podemos acrescentar a resistência institucional que contribui para aumentar e manter a discriminação. Presa ao conservadorismo e à estrutura de gestão dos serviços públicos educacionais, a escola continua norteada por mecanismos elitistas de promoção dos melhores alunos em todos os seus níveis. Além disso, há que se considerar as contradições entre culturas profissionais que definem a identidade e o trabalho de cada uma gerando corporativismos, práticas isoladas, busca por maior reconhecimento social e acarretando formas desarticuladas de se enfocar o mesmo problema, como é o caso do atendimento à deficiência mental. Por essas razões, e pelos princípios inclusivos, esse atendimento seja na escola comum, ou nos locais reservados ao atendimento educacional e/ou clínico especializado, necessita ser reinterpretado e reestruturados. *A escola comum diante da deficiência mental* *O que era* A deficiência mental coloca em xeque a função primordial da escola comum que é a produção do conhecimento, pois o aluno com essa deficiência tem uma maneira própria de lidar com o saber que, invariavelmente, não corresponde ao ideal da escola. Na verdade, não corresponder ao esperado pode acontecer com todo e qualquer aluno, mas os alunos com deficiência mental denunciam a impossibilidade de atingir esse ideal, de forma tácita. Eles não permitem que a escola dissimule essa verdade. As outras deficiências não abalam tanto a escola comum, pois não tocam no cerne e no motivo da sua urgente transformação: entender a produção do conhecimento acadêmico como uma conquista individual. O aluno com deficiência mental tem dificuldade de construir conhecimento como os demais e de demonstrar a sua capacidade cognitiva, principalmente nas escolas que mantêm um modelo conservador de atuação e uma gestão autoritária e centralizadora. Essas escolas apenas acentuam a deficiência e, em conseqüência, aumentam a inibição, reforçam os sintomas existentes e agravam as dificuldades do aluno com deficiência mental. Tal situação ilustra o que a definição da Organização Mundial de Saúde - OMS de 2001 e a Convenção da Guatemala acusam como agravante da situação de deficiência. O caráter elitista, meritocrático, homogeneizador e competitivo dessas escolas oprimem o professor e o reduz a uma situação de isolamento e impotência, principalmente frente aos seus alunos com deficiência mental, pois são aqueles que mais amarram o desenvolvimento do processo escolar, em todos os seus níveis e séries. Diante disso, a saída encontrada pela maioria desses professores é desvencilhar-se desses alunos que não acompanham as turmas, encaminhandoos para qualquer outro lugar que supostamente entenda como ensiná-los. O número de alunos categorizados como deficientes mentais foi ampliado enormemente, abrangendo todos aqueles que não demonstram bom aproveitamento escolar e com dificuldades de seguir as normas disciplinares da escola. O aparecimento de novas terminologias e outras contribuem para aumentar a confusão entre casos de deficiência mental e aqueles que apenas apresentam problemas na aprendizagem, por motivos que muitas vezes são devidos às próprias práticas escolares. Caso as escolas não mudarem, essa situação de excludência generalizada tenderá a aumentar, provocando cada vez mais queixas vazias e maior distanciamento da escola comum desse aluno que supostamente não aprende. O desconhecimento e a busca de soluções imediatistas para resolver a premência da observância do direito de todos a educação fez com que algumas escolas procurassem soluções paliativas, que envolvem todo tipo de adaptação: de currículos, de atividades, de avaliação, de atendimento em sala de aula que se destinam unicamente aos alunos com deficiência. Essas soluções continuam mantendo o caráter substitutivo da Educação Especial, especialmente quando se trata de alunos com deficiência mental. Tais práticas adaptativas funcionam como um regulador externo da aprendizagem e estão baseadas nos propósitos e procedimentos de ensino que decidem “o que falta” ao aluno de uma turma de escola comum. Em outras palavras, ao adaptar currículos, selecionar atividades e formular provas diferentes para alunos com deficiência e/ou dificuldade de aprender, o professor interfere de fora, submetendo os alunos ao que supõe que eles sejam capazes de aprender. *O que precisa ser* Na concepção inclusiva, a adaptação ao conteúdo escolar é realizada pelo próprio aluno e testemunha a sua emancipação intelectual. Essa emancipação é conseqüência do processo de auto-regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila o novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já conhece. Entender este sentido emancipador da adaptação intelectual é sumamente importante para o professor. Aprender é uma ação humana criativa, individual heterogênea e regulada pelo sujeito da aprendizagem, independentemente de sua condição intelectual ser mais ou ser menos privilegiada. São as diferentes idéias, opiniões, níveis de compreensão que enriquecem o processo escolar e que clareiam o entendimento dos alunos e professores – essa diversidade deriva das formas singulares de nos adaptarmos cognitivamente a um dado conteúdo e da possibilidade de nos expressarmos abertamente sobre ele. Já ensinar é um ato coletivo, no qual o professor disponibiliza a todos alunos sem exceção um mesmo conhecimento. Ao invés de adaptar e individualizar/diferenciar o ensino para alguns, a escola comum precisa recriar suas práticas, mudar suas concepções, rever seu papel, sempre reconhecendo e valorizando as diferenças. As práticas escolares que permitem ao aluno aprender e ter reconhecidos e valorizados os conhecimentos que é capaz de produzir, segundo suas possibilidades, são próprias de um ensino escolar que se distingue pela diversidade de atividades. O professor, na perspectiva da educação inclusiva, não é aquele que ministra um “ensino diversificado”, para alguns, mas aquele que prepara atividades diversas para seus alunos (com e sem deficiência mental) ao trabalhar um mesmo conteúdo curricular. As atividades não são graduadas, para atender a níveis diferentes de compreensão e estão disponíveis na sala de aula para que seus alunos as escolham livremente, de acordo com o interesse que têm por elas. Para exemplificar essa prática consideremos, por exemplo, o ensino dos planetas do sistema solar para uma turma de alunos com e sem deficiências. As atividades podem variar de propostas de elaboração de textos; construir maquetes do sistema planetário; realizar pesquisas em livros, revistas, jornais, internet; confeccionar cartazes; fazer leitura interpretativa de textos literários e poesias; realizar de um seminário com apresentação do tema; dentre outras. O aluno com deficiência mental, assim como os demais colegas, escolhe a atividade que mais lhe interessar, pois a sua capacidade de desempenho e dos colegas não é pré-definida pelo professor. Essa prática é distinta daquelas que habitualmente encontramos nas salas de aulas, nas quais o professor escolhe e determina uma atividade para todos os alunos realizarem individualmente e uniformemente, sendo que para os alunos com deficiência mental ele oferece uma outra atividade facilitada sobre o mesmo assunto ou até mesmo sobre outro completamente diferente. Contraditoriamente essa prática discriminatória tem sido adotada para se impedir a “exclusão na inclusão”. Utilizando como exemplo esse mesmo conteúdo - o ensino dos planetas do sistema solar, é comum o professor selecionar uma atividade de leitura e interpretação de textos para todos os alunos cabendo àquele com deficiência mental apenas colorir um dos planetas. Modificar essa prática é uma verdadeira revolução, que implica em inovações na forma de o professor e o aluno avaliarem o processo de ensino e de aprendizagem. Ela desmonta de uma só vez o caráter homogeneizador da aprendizagem e elimina todas as demais características excludentes das escolas comuns que adotam propostas pedagógicas conservadoras. A prática escolar inclusiva provoca necessariamente a cooperação entre todos os alunos e o reconhecimento de que ensinar uma turma é, na verdade, trabalhar com um grande grupo e com todas as possibilidades de se subdividi-lo. Dessa forma, nas subdivisões de uma turma, os alunos com deficiência mental podem aderir a qualquer grupo de colegas, sem formar um grupo à parte, constituído apenas de alunos com deficiência e/ou problemas na aprendizagem. Para conseguir trabalhar dentro dessa proposta educacional, o professor precisa contar com o respaldo de uma direção escolar e de especialistas (orientadores, supervisores educacionais e outros), que adotam um modo de gestão escolar, verdadeiramente participativa e descentralizada. Muitas vezes o professor tem idéias novas para colocar em ação em sua sala de aula, mas não é bem recebido pelos colegas e pelos demais membros da escola, devido ao descompasso entre o que está propondo e o que a escola tem o hábito de fazer para o mesmo fim. Por outro lado, a receptividade à inovação anima a todos a criar e ter liberdade para experimentar alternativas de ensino. Essa autonomia para criar e experimentar coisas novas será naturalmente extensiva aos alunos com ou sem deficiência. Assim, os alunos com deficiência mental serão naturalmente valorizados pelo reconhecimento de suas capacidades e respeito à suas limitações. Essa liberdade do professor e dos alunos de criarem as melhores condições de ensino e de aprendizagem, não dispensa um bom planejamento de trabalho, seja ele anual, mensal, quinzenal ou mesmo diário. Ser livre para aprender e ensinar não implica numa falta de limites e regras ou ainda cair em um espontaneismo de atuação. O ano letivo, assim como a rotina diária de uma turma deve contemplar um tempo para planejar, outro para executar, outro para avaliar e socializar os conhecimentos aprendidos. Todo esse processo é realizado coletivamente e individualmente. Um exemplo de rotina de sala de aula, seria desenvolver num primeiro momento o planejamento coletivo, que compreende uma conversação livre entre o professor e seus alunos a respeito do emprego do tempo naquela jornada. Esse momento permite ao aluno expressar-se livremente a respeito do que pretende fazer/aprender nesse dia e a professora colocar suas intenções no mesmo sentido, estabelecendo um acordo entre ambos. Esse momento todo o grupo pode tomar decisões com relação às atividades e os grupos a serem formados para realiza-las. Num segundo momento as atividades são realizadas conforme o plano estabelecido. Finalmente a jornada de trabalho é reconstituída na última parte dessa rotina, com participação de todos alunos que socializam o que aprenderam e avaliam a produção realizada. O aluno com deficiência mental participa igualmente de todos esses momentos: planejamento, execução, avaliação e socialização. A avaliação dos alunos com deficiência mental visa ao conhecimento de seus avanços no entendimento dos conteúdos curriculares durante o ano letivo de trabalho, seja ele organizado por série ou ciclos. O mesmo vale para os demais alunos, para que não sejam feridos os princípios da inclusão escolar. A promoção automática exclusiva para alunos com deficiência mental constitui uma diferenciação pela deficiência, o que caracteriza discriminação. Em ambos os casos, o que interessa para que um novo ano de estudos se inicie é o quanto o aluno com ou sem deficiência, aprendeu no ano anterior, pois nenhum conhecimento é aprendido sem base no que se conheceu antes. *O atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiência mental* *O que era* A imprecisão do conceito de deficiência mental trouxe conseqüências que impediram uma definição clara desse tipo de atendimento, nas escolas comuns e especiais. A proposta constitucional de prescrever o atendimento educacional especializado para alunos com deficiência precipitou a necessidade de se distinguir o que é próprio de uma intervenção específica para a deficiência mental, complementar à escola comum, daquela que é substitutiva e meramente compensatória, visando à aquisição paralela do saber escolar. A partir de 1996, a LDBEN classificou a Educação Especial como uma modalidade de ensino. Com isso a Educação Especial perdeu a função de substituição dos níveis de ensino. No entanto, essa mesma Lei, ao dedicar a ela um de seus capítulos possibilita interpretações enganosas que a mantém como um subsistema paralelo de ensino escolar. Além disso, o atendimento educacional especializado também não foi amplamente esclarecido sobre o que significa a sua natureza educacional, por ter sido criado legalmente sem ter suas ações descritas. Talvez por esse motivo, ele continua sendo confundido com o reforço escolar, e/ou com o que é próprio do atendimento clínico, aceitando e se submetendo a todo e qualquer outro conhecimento de áreas afins que tratam da deficiência mental. A Educação Especial, durante décadas manteve as mesmas características do ensino regular desenvolvido nas escolas tradicionais, como descrevemos anteriormente e sempre adotando práticas adaptativas. Num primeiro momento, para fundamentar/organizar o trabalho educacional especializado, essas escolas limitaram-se unicamente a treinar seus alunos, subdivididos nas categorias educacionais: treináveis e educáveis; limítrofes e dependentes. Esse treinamento era desenvolvido visando à inserção familiar e social. Muitas vezes, o treino se resumia às atividades de vida diária: estereotipadas, repetitivas e descontextualizadas. O movimento pela integração escolar manteve as práticas adaptativas, com o objetivo de propiciar a inserção e/ou a re-inserção de alunos com deficiência na escola comum, pelo treino dos mesmos conteúdos e programas do ensino regular. O aspecto agravante dessa prática adaptativa/integrativa está no fato de se insistir para que esse treino se realize a partir do que é concreto, ou seja, palpável, tangível, insistentemente reproduzido, de forma alienante, supondo que os alunos com deficiência mental só “aprendem no concreto!”. A idéia contida nesse treino, por meio do que é concreto, é uma pseudonecessidade, pois o concreto, que no caso se refere ao que é real, não dá conta do que um objeto é em toda a sua extensão e não se limita ao significado que cada pessoa pode atribuir a esse objeto, em função de sua vivência e referências anteriores. Para muitos aprendizes, contar palitos de fósforo não significa uma ação de aprendizagem dos numerais e nem mesmo a possibilidade de construir a idéia de número como deseja sua professora. O aluno pode estar apenas manuseando esse material para entender o modo de sua mãe acender o fogo, por exemplo... Por mais que se busque o conhecimento a partir desse concreto, ele não se esgotará na sua dimensão física. A compreensão total do real é algo que jamais alcançaremos, mesmo no mais avançado estado de entendimento e de cognição. Por outro lado, a repetição de uma ação sobre um objeto, sem que o sujeito lhe atribua um significado, é vazia, sem nenhuma repercussão intelectual e estéril, pois nada produz de novo, apenas coloca as pessoas com deficiência mental uma posição inferior, enfraquecida e debilitada diante do conhecimento. O grande equívoco de uma pedagogia que se baseia nessa lógica do concreto e da repetição alienante é negar o acesso da pessoa com deficiência mental ao plano abstrato e simbólico da compreensão, ou seja, negar a sua capacidade de estabelecer uma interação simbólica com o meio. O perigo desse equívoco é empobrecer cada vez mais a condição das pessoas com deficiência mental de lidar com o pensamento, usar o raciocínio, utilizar a capacidade de descobrir o que é visível e prever o invisível, a criar e inovar, enfim, ter acesso a tudo o que é próprio da ação de conhecer. Como exemplo dessa lógica repetitiva, podemos citar as tarefas: decorar famílias silábicas; aprender a multiplicar, dividir ou somar a partir de inúmeras contas envolvendo a mesma operação aritmética; repetir o cabeçalho todos os dias por várias vezes; responder copiando do livro; colorir desenhos reproduzidos para treino motor com cores pré-definidas, além de outras atividades de pura memorização, que sustentam o ensino de má qualidade em geral. A educação especializada tem sido utilizada para tentar “adaptar” os alunos com deficiência mental às exigências da escola comum tradicional. Assim, durante anos e mesmo até hoje, a Educação Especial, ao defender a inclusão, acredita que ela só é possível em alguns casos, apenas para os “alunos adaptáveis” ao modelo excludente dessa escola. Alega-se nessa lógica que toda e qualquer outra forma de inserção escolar configuraria uma inclusão irresponsável, provocando uma segregação dentro da própria Escola Especial, ou seja, uma espécie de “exclusão da exclusão”, pela qual os alunos são subdivididos entre aqueles que têm condições de ser encaminhados para a escola comum e aqueles que, por serem considerados “casos graves”, jamais poderão ser incluídos. *O que precisa ser* O atendimento educacional especializado decorre de uma nova visão da Educação Especial, sustentada legalmente e é uma das condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos com deficiência. Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é diferente do currículo do ensino comum e que é necessário para que possam ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência. As barreiras da deficiência mental diferem muito das barreiras encontradas nas demais deficiências. Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar com o saber em geral, o que reflete preponderantemente na construção do conhecimento escolar. Por esse motivo, a educação especializada, realizada nos moldes do treinamento e da adaptação, reforça a condição de deficiente desse aluno. Essas formas de intervenção mantêm o aluno em um nível de compreensão que é muito primitivo e que a pessoa com deficiência mental tem dificuldade de ultrapassar - nas chamadas regulações automáticas, de Piaget. É necessário que se estimule o aluno com deficiência mental a progredir nos níveis de compreensão, criando novos meios para se adequarem às novas situações, ou melhor, desafiando-o a realizar regulações ativas. Assim sendo, o aluno com deficiência mental precisa adquirir, através do atendimento educacional especializado, condições de passar de um tipo de ação automática e mecânica diante de uma situação de aprendizado/experiência para um outro tipo, que lhe possibilite selecionar e optar por meios mais convenientes de atuar intelectualmente. O atendimento educacional para tais alunos deve, portanto, privilegiar o desenvolvimento e a superação daquilo que lhe é limitado, exatamente como acontece com as demais deficiências, como exemplo: para o cego, a possibilidade de ler pelo Braille, para o surdo a forma mais conveniente de se comunicar e para a pessoa com deficiência física, o modo mais adequado de se orientar e se locomover. Para a pessoa com deficiência mental, a acessibilidade não depende de suportes externos ao sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição passiva e automatizada diante da aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber. De fato, a pessoa com deficiência mental encontra inúmeras barreiras nas interações que realiza com o meio para assimilar, desde os componentes físicos do objeto de conhecimento, como por exemplo, o reconhecimento e a identificação da cor, forma, textura, tamanho e outras características que ele precisa retirar diretamente desse objeto. Isso ocorre, porque são pessoas que apresentam prejuízos no funcionamento, na estruturação e na re-elaboração do conhecimento. Exatamente por isso não adianta propor atividades que insistem na repetição pura e simples de noções de cor, forma etc para que a partir desse suposto aprendizado o aluno consiga dominar essas noções e as demais propriedades físicas dos objetos, e ainda possa transpô-las para um outro contexto. A criança sem deficiência mental consegue espontaneamente retirar informações do objeto e construir conceitos, progressivamente. Já a criança com deficiência mental precisa de outra atenção, ou seja, de exercitar sua atividade cognitiva, de modo que consiga o mesmo, ou uma aproximação do mesmo. Esse exercício implica em trabalhar a abstração por meio da projeção das ações práticas em pensamento. A passagem das ações práticas e a coordenação dessas ações em pensamento são partes de um processo cognitivo que é natural para aqueles que não têm deficiência mental. E para aqueles que têm uma deficiência mental, essa passagem deve ser estimulada e provocada, de modo que o conhecimento possa se tornar consciente e interiorizado. O esquema abaixo ilustra esse processo de construção mental do conhecimento, desenvolvido pela teoria piagetiana. ESQUEMA: Retângulos e setas explicando o processo de construção mental do conhecimento. Em um primeiro momento há a Ação Prática (Coordenação das ações diretamente sobre os objetivos), o que gera uma Projeção, que leva ao 1º Nível que é a Ação Simbólica (Coordenação das ações práticas em pensamento, com diferentes níveis de compreensão), gerando outra Projeção, levando ao 2º Nível denominado Ação Simbólica (Coordenação dos significados atribuídos na ação anterior) e assim sucessivamente. O atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiência mental está centrado na dimensão subjetiva do processo de conhecimento, complementando o conhecimento acadêmico e o ensino coletivo que caracterizam a escola comum. O conhecimento acadêmico exige o domínio de um determinado conteúdo curricular; o atendimento educacional, por sua vez, refere-se à forma pela qual o aluno trata todo e qualquer conteúdo que lhe é apresentado e como consegue significá-lo, ou seja, compreendê-lo. É importante esclarecer que o atendimento educacional especializado não é ensino particular, nem reforço escolar. Ele pode ser realizado em grupos, porém atento para as formas específicas de cada aluno se relacionar com o saber. Isso também não implica em atender a esses alunos, formando grupos homogêneos com o mesmo tipo de problema (patologias) e/ou desenvolvimento. Pelo contrário, os grupos devem se constituir obrigatoriamente por alunos da mesma faixa etária e em vários níveis do processo de conhecimento. Alunos com síndrome de Down, por exemplo, poderão compartilhar esse atendimento com seus colegas autistas, com outras síndromes, seqüelas de paralisia cerebral e ainda outros com ou sem uma causa orgânica esclarecida de sua deficiência e com diferentes possibilidades de acesso ao conhecimento. O atendimento educacional especializado para o aluno com deficiência mental deve permitir que esse aluno saia de uma posição de “não-saber”, ou de “recusa de saber” para se apropriar de um saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele tem consciência de que o construiu. A inibição, definida na teoria freudiana, ou a “posição débil” enunciada por Lacan provocam atitudes particulares diante do saber, influenciando apessoa na aquisição do conhecimento acadêmico. É importante ressaltar que o saber da Psicanálise é o “saber inconsciente”, relativo à verdade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de um processo inconsciente e o que o sujeito recusa saber é sobre a própria incompletude, tanto dele, quanto do outro. O aluno com deficiência mental, nessa posição de recusa e de negação do saber fica passivo e dependente do outro (do seu professor, por exemplo), ao qual outorga o poder de todo o saber. Se o professor assume o lugar daquele que sabe tudo e oferece todas as respostas para seus alunos, o que é muito comum nas escolas e principalmente na prática da Educação Especial, ele reforça essa posição débil e de inibição, não permitindo que esse aluno se mobilize para adquirir/ construir qualquer tipo de conhecimento. Quando o atendimento educacional permite que ao aluno traga a sua vivência e que se posicione de forma autônoma e criativa diante do conhecimento, o professor sai do lugar de todo o saber. Dessa maneira, o aluno pode se questionar e modificar sua atitude de recusa do saber e sua posição de “não saber”. Ele, então, pode se mobilizar e buscar o saber. Na verdade, é tomando consciência de que não sabe, que o aluno pode se mobilizar e buscar o saber. A liberdade de criação e de posicionamento autônomo do aluno diante do saber permite que sua verdade seja colocada, o que é fundamental para os alunos com deficiência mental. Ele deixa de ser o “repeteco”, o eco do outro e se torna um ser pensante e desejante de saber. Mas o atendimento educacional não deve funcionar como uma análise interpretativa, própria das sessões psicanalíticas, e nem como uma intervenção psicopedagógica, tradicionalmente praticada. Esse atendimento deve permitir ao aluno elaborar suas questões, sua idéias, de forma ativa e não corroborar para sua alienação diante de todo e qualquer saber. *Como, onde e quando?* A escola (especial e comum) ao desenvolver o atendimento educacional especializado deve oferecer todas as oportunidades possíveis para que nos espaços educacionais em que ele acontece, o aluno seja incentivado a se expressar, pesquisar, inventar hipóteses e reinventar o conhecimento livremente. Assim, ele pode trazer para os atendimentos os conteúdos advindos da sua própria experiência, segundo seus desejos, necessidades e capacidades. O exercício da atividade cognitiva ocorrerá a partir desses conteúdos. Devem ser oferecidas situações, envolvendo ações em que o próprio aluno teve participação ativa na sua execução e/ou façam parte da experiência de vida dele. Essa prática difere de todo modelo de atuação privilegiado até então pela Educação Especial. Trabalhar a ampliação da capacidade de abstração não significa apenas desenvolver a memória, a atenção, as noções de espaço, tempo, causalidade, raciocínio lógico em si mesmas. Nem tão pouco tem a ver com a desvalorização da ação direta sobre os objetos de conhecimento, pois a ação é o primeiro nível de toda a construção mental. O objetivo do atendimento educacional especializado é propiciar condições e liberdade para que o aluno com deficiência mental possa construir a sua inteligência, dentro do quadro de recursos intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente capaz de produzir significado/conhecimento. O contato direto com os objetos a serem conhecidos, ou seja, com a sua “concretude” não pode ser descartada, mas o importante é intervir no sentido de fazer com que esses alunos percebam a capacidade que têm de pensar, de realizar ações em pensamento, de tomar consciência de que são capazes de usar a inteligência de que dispõem e de ampliá-la, pelo seu esforço de compreensão, ao resolver uma situação problema qualquer. Mas sempre agindo com autonomia para escolher o caminho da solução e a sua maneira de atuar inteligentemente. O aluno com deficiência mental, como qualquer outro aluno, precisa desenvolver a sua criatividade, a capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo, não apenas superficialmente ou por meio do que o outro pensa. O nosso maior engano é generalizar a dotação mental das pessoas com deficiência mental em um nível sempre muito baixo, carregado de preconceitos sobre a capacidade de, como alunos, progredirem na escola, acompanhando os demais colegas. Desse engano derivam todas as ações educativas que desconsideram o fato de que cada pessoa é uma pessoa, que tem antecedentes diferentes de formação, experiências de vida e que sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento. Uma atividade muito utilizada pelos professores de alunos com deficiência mental é fazer bolinhas de papel para serem coladas sobre uma figura traçada pelo professor em uma folha mimeografada. Essa atividade pode ser explorada de duas maneiras, com objetivos distintos. Uma delas é desenvolvê-la de forma alienante, limitada, repetitiva, reduzindo-se a um mero exercício de coordenação motora fina, realizado durante horas e sem o menor sentido para o aluno. A mesma atividade pode explorar a inteligência desse aluno se fizer parte de um plano e for uma escolha do aluno para reproduzir o miolo de uma flor, por exemplo. A colagem seria, neste caso, uma estratégia que ele mesmo selecionou para demonstrar o seu conhecimento das partes de um vegetal e não unicamente para preencher o espaço de uma folha que lhe foi entregue. No estudo das partes de um vegetal, essa atividade é uma entre várias que os alunos escolheram e recriaram, fazendo parte de todo um conjunto de trabalho, em que a flor é parte de outras noções pertinentes ou não ao plano. O que mais importa é que ele permita que os alunos tenham condições de enfrentar a atividade e que tomem consciência do que sabem, do que não sabem e do que querem saber a respeito do que está sendo estudado. Essa consciência permite que os alunos expressem seus questionamentos e conhecimentos a respeito de tudo o que um objeto possa suscitar com liberdade e utilizando a sua criatividade. É visível o efeito desses dois tipos de produção. Na sala onde ela é realizada de forma mecânica, o mural reproduzirá um modo seriado, estereotipado de agir; que reflete o desenho do professor. Na outra, o mesmo mural revelará as infinitas possibilidades da criação, ou seja, do trabalho cognitivo dos alunos, ao aprender e da professora, ao ensinar. O atendimento educacional especializado não deve ser uma atividade que tenha como objetivo o ensino escolar especial adaptado para desenvolver conteúdos acadêmicos, tais como a Língua Portuguesa, a Matemática, dentre outros. Com relação a Língua Portuguesa e a Matemática, o atendimento educacional especializado buscará o conhecimento que permite ao aluno a leitura, a escrita e a quantificação, sem o compromisso de sistematizar essas noções como é o objetivo da escola. Para possibilitar a produção do saber e preservar sua condição de complemento do ensino regular, o atendimento educacional especializado tem de estar desvinculado da necessidade típica da produção acadêmica. A aprendizagem do conteúdo acadêmico limita as ações do professor especializado, principalmente quanto ao permitir a liberdade de tempo e de criação que o aluno com deficiência mental precisa ter para organizar-se diante do desafio do processo de construção do conhecimento. Esse processo de conhecimento, ao contrário do que ocorre na escola comum, não é determinado por metas a serem atingidas em uma determinada série, ou ciclo, ou mesmo etapas de níveis de ensino ou de desenvolvimento. O processo de construção do conhecimento, no atendimento educacional especializado, não é ordenado de fora, e não é possível ser planejado sistematicamente, obedecendo a uma seqüência rígida e predefinida de conteúdos a serem assimilados. E assim sendo, não persegue a promoção escolar, mesmo porque esse aluno já está incluído. Na escola comum, o aluno constrói um conhecimento necessário e exigido socialmente e que depende de uma aprovação e reconhecimento da aquisição desse conhecimento por um outro, seja ele o professor, pais, autoridades escolares, exames e avaliações institucionais. No atendimento educacional especializado, o aluno constrói conhecimento para si mesmo, o que é fundamental para que consiga alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui, ele não depende de uma avaliação externa, calcada na evolução do conhecimento acadêmico, mas de novos parâmetros relativos as suas conquistas diante do desafio da construção do conhecimento. Portanto, os dois; escola comum e atendimento educacional especializado, precisam acontecer concomitantemente, pois um beneficia o desenvolvimento do outro e jamais esse beneficio deverá caminhar linear e seqüencialmente, como se acreditava antes. Por maior que seja a limitação do aluno com deficiência mental, ir à escola comum para aprender conteúdos acadêmicos e participar do grupo social mais amplo favorece o seu aproveitamento no atendimento educacional especializado e vice-versa. O atendimento educacional especializado é, de fato, muito importante para o progresso escolar do aluno com deficiência mental. Aqui é importante salientar que a “socialização” justificada, como único objetivo da entrada desses alunos na escola comum, especialmente para os casos mais graves, não permite essa complementação e muito menos significa que está havendo uma inclusão escolar. A verdadeira socialização, em todos os seus níveis, exige construções cognitivas e compreensão da relação com o outro. O que tem acontecido, em nome dessa suposta socialização, é uma espécie de tolerância da presença do aluno em sala de aula e o que decorre dessa situação é a perpetuação da segregação, mesmo que o aluno esteja freqüentando um ambiente escolar comum. O arranjo físico do espaço reservado ao atendimento precisa coincidir com o seu objetivo de enriquecer o processo de desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiência mental e de oferecer-lhe o maior número possível de alternativas de envolvimento e interação com o que compõe esse espaço. Portanto, não pode reproduzir uma sala de aula comum e tradicional. O espaço físico para o atendimento educacional especializado deve ser preservado, tanto na escola especial como na escola comum, ou seja, deve ser criado e utilizado unicamente para esse fim. O tempo reservado para esse atendimento será definido conforme a necessidade de cada aluno e as sessões acontecerão sempre no horário oposto ao das aulas do ensino regular. As escolas especiais, diante dessa proposta, tornam-se espaços de atendimento educacional especializado nas diferentes deficiências para as quais foram criadas e devem guardar suas especificidades. Elas não podem justificar a manutenção da estrutura e modelo da escola comum, recebendo alunos sem deficiência – a chamada “inclusão ao contrário” e nem mesmo atender a todo o tipo de deficiência em um mesmo espaço especializado. As instituições especializadas devem fazer o mesmo com suas escolas especiais e também conservar o atendimento clínico especializado. A avaliação do atendimento educacional especializado, seja a inicial como a final, têm o objetivo de conhecer o ponto de partida e o de chegada do aluno, no processo de conhecimento. Para que se possa montar um plano de trabalho para esse atendimento, não é tão importante para o professor saber o que o aluno “não sabe”, quanto saber o que ele já conhece de um dado assunto. A terminalidade desse atendimento deve ocorrer independentemente do desempenho escolar desses alunos na escola comum, porque o que se pretende com essa complementação não se reduz ao que é próprio da escola comum. Essa terminalidade pode ser o início da Educação Profissional das pessoas com deficiência mental. A interface entre o atendimento educacional especializado e a escola comum acontecerá conforme a necessidade de cada caso, sem a intenção primeira de apenas garantir o bom desempenho escolar do aluno com deficiência mental, mas muito mais para que ambos os professores se empenhem em entender a maneira desse aluno lidar com o conhecimento no seu processo construtivo. Esse esforço de entendimento conjunto não caracteriza uma forma de orientação pedagógica do professor especializado para o professor comum e vice-versa, mas a busca de soluções que venham a beneficiar o aluno de todas as maneiras possíveis e não apenas para avançar no conteúdo escolar. *Atendimento educacional especializado e o atendimento clínico* Assim como o movimento inclusivo exige mudanças estruturais para as escolas comuns e especiais, ele também propõe modificações para o atendimento clínico. Da mesma forma que a educação especial, se norteou pela tentativa de adaptação dos alunos visando à inserção familiar, social ou mesmo escolar; no atendimento clínico também se buscou a normalização da pessoa com deficiência mental para conviver na sociedade. Sem querer invadir o espaço reservado à clínica e aos seus especialistas é primordial que eles acompanhem a evolução do atendimento educacional especializado, especialmente na deficiência mental. Nesse caso, a intervenção desses profissionais, buscando a normalização, caminha na direção contrária e destoa dos princípios inclusivos. A grande maioria desses especialistas fragmenta o atendimento a pessoas com deficiência, concentrando-se apenas em suas especialidades e nas manifestações e sintomas da deficiência. No geral, desconsideram o que as outras áreas entendem sobre um caso e não reconhecem o atendimento prescrito por outros especialistas, ficando limitados a suas intervenções. Por se fixarem no lugar de todo o saber, não conseguem perceber/conhecer muitas capacidades e possibilidades das pessoas com deficiência, principalmente no caso dos alunos com deficiência mental. Os especialistas, que se mantêm nessa posição dirigem-se aos profissionais da educação e até mesmo adentram as salas de aula para prescrever o que deve ser feito na educação escolar, infringindo os limites de seu conhecimento e agindo, na maioria das vezes, de forma dominadora diante dos professores e pais. Esse domínio acontece desde o encaminhamento dos casos, determinando quem deve ou não ser incluído e até mesmo aconselhando os professores a adotar determinadas práticas. Existem profissionais que ainda indicam o ensino especial como um substituto de um trabalho clínico, com os professores fazendo às vezes de um auxiliar de reabilitação. Se o atendimento educacional descrito é pautado na autonomia de seus alunos, deve também reconhecer e valorizar a autonomia de um saber do professor especializado. O diálogo entre diversos profissionais é necessário para o aprofundamento e melhor desempenho, seja do aluno, do professor ou do especialista. No entanto, o diálogo só acontece quando as partes que dialogam respeitam-se mutuamente e não assumem uma posição de superioridade de conhecimento e de dominação sobre o outro. Além disso, o atendimento educacional especializado, na construção do conhecimento toca em questões subjetivas para o aluno, o que fatalmente acarretará conseqüências no seu desenvolvimento global e conseqüentemente na resposta ao atendimento clínico. O aluno é um ser indivisível, em que cada uma de suas partes interage com a outra, influenciando e determinando a condição do seu funcionamento e crescimento como pessoa. Se uma instituição especializada mantém o atendimento educacional e clínico, esses devem interagir e conversar constantemente, embora cada um mantenha os limites de suas especificidades. E mesmo naquelas escolas especiais e comuns que não têm o propósito de desenvolver o atendimento clínico, o diálogo com os especialistas é fundamental. E que esse diálogo não se estabeleça para encerrar as possibilidades do aluno em um diagnóstico que contempla apenas as deficiências, mas para descobrir saídas conjuntas de atuação em cada caso. Em suma, o atendimento clínico é essencial para o sucesso da evolução dos casos de pessoas com deficiência mental. Mas esse atendimento não deve nunca se sobrepor à educação escolar e ao atendimento educacional especializado. Todos esses três saberes: o clínico, o escolar e o especializado devem fazer suas diferentes ações convergir para um mesmo objetivo, o desenvolvimento das pessoas com deficiência. *A formação de professores para o ensino regular e para o atendimento educacional especializado* Gerações de professores especializados na educação de pessoas com deficiência têm saído de cursos de formação inicial, continuada e de cursos de pós-graduação, preparados para atuar em escolas comuns e especiais, segundo uma interpretação da Educação Especial, pela qual lhe era atribuída uma função substitutiva da educação escolar comum. Acrescente-se a esses cursos, os mini-cursos, oferecidos pelas instituições especializadas que, em poucas horas, pretendem formar pessoal para atender às exigências de convênios e para oferecer-lhes uma condição mínima de enfrentar o cotidiano escolar nas escolas/classes especiais. Em todos esses níveis e tipos de formação, os professores são preparados para ministrar “educação escolar especial”, ou seja, aulas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais etc para alunos com deficiência, em escolas e /ou classes especiais, ensino itinerante, salas de recurso, além de conhecerem rudimentos de outras disciplinas que tangenciam a educação, ao tratar dos diferentes tipos de deficiência, inclusive algumas da área médica. Ora, o atendimento educacional especializado, a partir da Constituição de 1988 e dos princípios de uma educação escolar inclusiva, deixou de ser uma terminologia diferente para designar a Educação Especial e passou a ser, de fato, o seu grande desafio. Trata-se de uma nova proposta, que marca uma grande virada no entendimento que a Educação Especial propiciará em favor da inclusão, em todos os níveis de ensino. O atendimento educacional especializado garante a inclusão escolar de alunos com deficiência, na medida em que lhes oferece o aprendizado de conhecimentos, técnicas, utilização de recursos informatizados, enfim tudo que difere dos currículos acadêmicos que ele aprenderá nas salas de aula das escolas comuns. Ele é necessário e mesmo imprescindível, para que sejam ultrapassadas as barreiras que certos conhecimentos, linguagens, recursos representam para que os alunos com deficiência possam aprender nas salas de aulas comuns do ensino regular. Portanto, esse atendimento não é facilitado, mas facilitador, não é adaptado, mas permite ao aluno adaptar-se às exigências do ensino comum, não é substitutivo, mas complementar ao ensino regular. A partir da Constituição de 1988 e da LDBEN/1996, cabe à Educação Especial e a seus professores a realização desse atendimento e continuar presente em todos os níveis de ensino - do básico ao superior, como uma modalidade de ensino. Esta nova função da Educação Especial muda muita coisa, principalmente, a formação dos professores especializados, que precisa ser urgentemente revista e adequada ao que esse profissional deve conhecer para desenvolver práticas educacionais próprias do atendimento educacional especializado. A formação de professores do ensino regular precisa, então, ser retomada visando atender aos princípios inclusivos. Essa revisão não se restringirá a incluir uma ou mais disciplinas nos cursos de formação de professores para fazê-los conhecer o que significam esses princípios e suas conseqüências na organização pedagógica das escolas comuns. Para torná-los capazes de desenvolver uma educação inclusiva, o curso de formação de professores de ensino regular tem de estar inteiramente voltado para práticas que acompanham a evolução das ciências da educação e que não excluem qualquer aluno. O conhecimento teórico dos avanços científicos em Educação é fundamental para que esses professores possam inovar a maneira de ensinar alunos com e sem deficiência, nas salas de aula de ensino regular. Na formação dos professores especializados, além da graduação a proposta é criar cursos de especialização em educação de pessoas com deficiência, cada um deles focando uma das deficiências, diferenciando essa formação daquela para professores do ensino regular, mas formação em ciência da educação continua sendo a base da formação desse e de todos os professores. Nos cursos de pós-graduação para professores de alunos com deficiência mental, a programação incluirá o conhecimento profundo dessa deficiência, do ponto de vista das diferentes áreas do conhecimento. Para esses professores especialistas, por exemplo, a maneira pela qual se adquire/constrói o saber é conteúdo fundamental de formação.Mas a essa formação tem-se de acrescentar uma parte prática, em que eles aprenderão a criar estratégias de estimulação da atividade cognitiva. A formação especializada incluirá também, além da execução, o planejamento, a seleção de atividades e a avaliação do aproveitamento dos alunos, que é básica para que os planos de atendimento educacional especializado sejam constantemente revistos, melhorados e ajustados ao que os grupos ou ao a que cada aluno necessita. A formação continuada de professores é mais uma estratégia fundamental para atualização e aprofundamento do conhecimento pedagógico comum e especializado. Esta formação, preferencialmente acontecerá, a partir dos próprios casos em atendimento, pois esse é um material vivo, que propicia uma visão subjetiva que o professor responsável pela sala de aula ou por esse atendimento terá para dar conta da complexidade dos alunos e do seu processo deaprendizagem. É primordial que se leve em consideração o caráter subjetivo dessa formação, para que não se caia nas malhas da generalização do atendimento, seja por patologias, por métodos, técnicas, receituários pedagógicos e/ou fornecidos por outras especialidades. Não se pretende através dessa formação tornar o professor especializado em deficiência mental ou em outras deficiências um profundo conhecedor de psicologia, psicanálise, sociologia, fonoaudiologia, fisioterapia ou mesmo medicina. Para a realização da formação continuada, que seja previsto um número significativo de horas para esse trabalho no cronograma e no calendário escolar, sem o que não será possível distribuir por todo o ano letivo o tempo necessário para a atualização teórica, o estudo e discussão dos casos. Nessa formação haverá momentos em que só os professores estarão juntos, e também os encontros com especialistas de outras áreas. *Capítulo 2* *Experiência da APAE-Contagem* 1. *O percurso* A apresentação dessa experiência não tem nenhum caráter prescritivo, servindo como modelo ou receita para outras instituições ou escolas especializadas. Essa escolha foi feita pelo pioneirismo na transformação de uma escola especial em um Centro Educacional Especializado e que é compatível com os princípios de uma educação inclusiva. Trata-se de um processo de transformação, não de uma mudança brusca realizada aleatoriamente ou de forma autoritária. Essa transformação envolveu progressivamente todos os profissionais que faziam e/ou fazem parte dessa Instituição, adotando uma configuração participativa. Daí a importância de trazermos uma síntese desse processo de reestruturação. Podemos selecionar três momentos importantes dessa caminhada: 1.1 *AAPAE-Contagem vai às escolas – 1994/1997* As escolas regulares sempre procuraram a APAE-Contagem com uma demanda de diagnóstico e de tratamento para os alunos considerados “problemas”. As escolas solicitavam uma avaliação para validar o diagnóstico da deficiência e o encaminhamento para a escola especial. Por trás dessa demanda, estava o pedido de definição dos supostos motivos que impediam o aluno de aprender e ao mesmo tempo uma confirmação do fracasso escolar no aluno e na sua deficiência. Percebia-se, nessa solicitação, um nítido desejo da escola de excluir esses alunos. A APAE-Contagem, ao invés de responder literalmente a essa demanda, buscou por outra resposta através de uma interlocução com as escolas comuns. Para tal fim, realizou um estudo sobre o diagnóstico “dificuldade de aprendizagem” e seu encaminhamento para as escolas especiais em conjunto com o Centro de Alfabetização da Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (CEALE-FAE/UFMG). Este estudo provocou a constituição de uma equipe itinerante, formada por um psicanalista, um professor e um pedagogo que iam às três escolas comuns municipais selecionadas para essa pesquisa. No início desse trabalho, verificou-se que essas três escolas, ao escolher os alunos que fariam parte da pesquisa reproduziram a demanda feita à APAE pelos demais encaminhamentos das escolas regulares. As escolas demonstraram uma grande expectativa em relação à Instituição e sua equipe, para que essa resolvesse os problemas referentes aos alunos encaminhados, que sustentasse uma clara definição do normal e do patológico, e demarcasse os limites entre o deficiente e o não deficiente. A APAE era assim colocada no lugar do saber e provedora de respostas. O tema: “Como lidar com o aluno problema?”, proposto para ser abordado em um curso por um dos professores participantes da pesquisa é bastante alusivo dessa outorgação do saber à APAE. Essa demanda demonstrava que se buscava em um outro, externo à escola, as respostas para o mal-estar cotidiano do trabalho escolar. Mas, o fato mais ilustrativo dessa atitude das escolas e que direcionou a condução do trabalho da equipe foi perceber que os encaminhamentos eram, de um modo geral, pautados em um diagnóstico médico e/ou psicológico, sem nenhuma avaliação ou relatório pedagógico. Os relatórios realizados pelas escolas continham meramente descrições do comportamento e das incapacidades dos alunos para aprender. Diante disso, o passo seguinte, do estudo, foi solicitar às escolas um relatório que fosse eminentemente pedagógico. Ao mesmo tempo, a equipe participante do projeto desenvolveu uma investigação sobre como elaborar esse relatório a partir de uma posição crítica e reflexiva em relação às práticas e conceitos nele envolvido, ressaltando a importância e os riscos do diagnóstico, a ética envolvida nesse trabalho e a singularidade de cada criança no processo de aprendizagem. A partir de então, as escolas se propuseram a situar os alunos selecionados do ponto de vista pedagógico e se depararam com uma grande dificuldade em definir o que era questão de fato da aprendizagem e do ensino. Percebeu-se que em relação aos aspectos pedagógicos, os relatórios produzidos foram pautados apenas nas dificuldades de aprendizagem dos alunos. Mesmo que mais fundamentados nas dificuldades do que na compreensão do processo de aprendizagem; nossa ênfase na importância da elaboração desse relatório recuperou parte do saber do professor e do pedagogo que vinha sendo transferido ao médico e/ou psicólogo. Por outro lado, a APAE-Contagem indo até às escolas comuns percebeu que repetia o mesmo equívoco na condução do seu próprio atendimento, ou seja, seus professores procuravam respostas no saber médico ou psicológico para questões pertinentes às salas de aulas. A partir dessa constatação, a instituição repensou e reformulou sua prática em todas as modalidades de atendimento, tanto o educacional, quanto o clínico. Essa mudança marcou a ruptura da Apae com um modelo de atuação que é tradicional na educação especial. A APAE a partir desse estudo, teve a convicção de que o seu objetivo deveria ser propiciar o atendimento educacional às reais necessidades de sua clientela e buscar a permanência dos alunos com deficiência nas escolas comuns. Desde então buscou rever e construir uma outra relação com as escolas e a sua equipe itinerante restringiu-se unicamente à área pedagógica. No final desse estudo, a demanda das escolas comuns visando o encaminhamento de seus alunos foi substituída pela solicitação de cursos de formação de seus professores pela Apae. 1.2 *As escolas vêm até a APAE-Contagem 1997/2001* A partir de 1997, a formação continuada da equipe educacional da APAE passou a ser uma meta, procurou-se por inovações existentes nas práticas pedagógicas comuns e uma melhor compreensão dessas práticas quando aplicadas aos alunos com deficiência. Desde então, os cursos de formação de seus professores têm sido realizados através de formação em serviço com consultores especializados em educação geral. Através dessa formação buscouse repensar e reformular toda a prática pedagógica: a dinâmica professor/aluno, o processo de ensino e aprendizagem, a relação com o saber, o lugar da diferença e da singularidade na aprendizagem, bem como a rotina na sala de aula. A partir desses cursos de formação, os professores da APAE modificaram suas atitudes em relação aos alunos. Eles passaram a não mais ocupar o lugar de detentores de um saber hierarquizado e permitiram a expressão de cada aluno. A equipe pedagógica, ao invés de classificar o aluno por diagnósticos ou padrões desenvolvimentistas de aprendizagem, passou a considerar as diferenças, a escutar o aluno: estar atenta ao que este aluno deseja e expressa, no decorrer do processo de produção de conhecimento. O relato de uma supervisora pedagógica da APAE-Contagem revela essa mudança de atitude da equipe. Segundo ela, era habitual consultar o prontuário (Nota 1) do aluno antes de qualquer contato com ele. Na verdade, o prontuário funcionava como sua carta de apresentação. Esta prática foi suplantada pela construção paulatina de uma avaliação pedagógica que pudesse subsidiar o plano de ações educacionais da Apae. Nota 1: Prontuário é a pasta que contém toda documentação e dados de cada pessoa assistida na APAE, inclusive os exames e avaliações da área de saúde. Os cursos de formação propiciaram a transformação e construção de uma identidade própria da equipe pedagógica, diferenciada da anterior, que era mais próxima de um modelo conhecido como de “auxiliar de reabilitação”. Percebeu-se que os profissionais da educação retificaram a sua posição passando a se colocar como atores do processo educacional, vislumbrando uma desvinculação da dependência do saber clínico. Essa mudança de atitude foi verificada em toda a instituição, pois também para os especialistas da área clínica foi reconhecida a importância do saber pedagógico, de se respeitar o seu valor e resguardar sua especificidade. Desde então as reuniões de equipe deixam de seguir o modelo de orientação de especialistas para professores, passando para um modelo de troca de saberes e de busca de soluções em conjunto, envolvendo acordos e a coresponsabilidade pelo atendimento. Nesse período, para atender a demanda das escolas comuns de cursos de formação para seus professores foram realizadas reuniões periódicas em que se utilizou o mesmo modelo de cursos de formação adotado na Instituição. A partir de um cronograma pré-definido foram organizados encontros mensais de profissionais com cerca de 10 escolas comuns que mantinham alunos encaminhados pela APAE. Esses encontros buscavam em um primeiro momento o objetivo de garantir o sucesso da inclusão desses alunos. A proposta era possibilitar um espaço em que os professores e pedagogos pudessem expor livremente as suas expectativas, dúvidas e anseios gerados a partir da chegada de alunos com deficiência mental nas escolas regulares. Como exemplo ilustrativo dessa prática vamos trazer algumas considerações levantadas pelos profissionais das escolas comuns, que surgiram nos encontros realizados em 2001. Nas reuniões iniciais do primeiro semestre, as ponderações e questões giravam em torno de (Nota 2: Estas ponderações e questões foram transcritas literalmente das falas das professoras e/ou supervisoras e diretoras das escolas comums públicas e particulares): - “Quais as dificuldades encontradas pelo professor, que na maioria das vezes se sente despreparado para enfrentar esta nova realidade?”. (Sic) - “O que fazer diante da reação das famílias das crianças que freqüentam a escola regular?”. (Sic) - “Como reage esta criança que chega a escola regular e que traz consigo tão bem marcada a questão da diferença, do ser diferente?”. (Sic) - “O que é ser ‘normal’? Normal ele não é. Ele tem um ‘probleminha’. Como estar discutindo isto junto às outras crianças que perguntam e querem saber?”. (Sic) - “Qual a melhor maneira de estar enturmando estas crianças, pelo tamanho? Pela idade?”. (Sic) - “O tempo de concentração dessas crianças é menor?”. (Sic) - “(...) normalmente nossas crianças quando chegam se isolam (...) Elas preferem brincar sozinhas?”. (Sic) - “Os meninos ficam falando “lá vem o doido!(...)” vocês tem uma profissional em cada área. Lá nós não temos isto, nós não somos nada. Nós somos só professoras”. (Sic) - “Como lidar com as dificuldades de colocar limites?”. (Sic) - “Como lidar com o fato de muitas das crianças serem mais lentas na aprendizagem e não acompanhar o ritmo das outras crianças da turma?”. (Sic) As reuniões foram direcionadas para que as escolas revelassem suas próprias soluções diante desses impasses e para que os profissionais das escolas comuns trocassem experiências entre si. Os profissionais da APAE, por sua vez, sustentaram nessa troca de experiências uma atitude de não detentores do saber, que tem uma resolução pronta para cada problema apresentado. Em alguns momentos sentíamos necessidade de introduzir textos teóricos para fundamentar algumas questões que surgiam nos encontros, principalmente com relação à inclusão e aos processos de ensino e de aprendizagem. Como efeito desse trabalho, nos encontros finais, do segundo semestre de 2001 os posicionamentos e questionamentos, passaram a ter outro teor, tais como (Nota 3: Estas ponderações e questões foram transcritas literalmente das falas das professoras e/ou supervisoras e diretoras das escolas comums públicas e particulares): - “A dificuldade de aprendizagem existe não só para o portador de deficiência mental, mas para todos, num determinado momento da aprendizagem”. - “Há aqueles que têm maior facilidade e habilidade para determinada atividade que para outra”. - “É importante a formação do professor, que por sua vez também está em processo de aprendizagem com seus alunos”. - “Existe um comodismo de muitos profissionais, que não estão dispostos a mudanças. Mudar dá trabalho”. - “Existe um momento em que uma criança está pronta para a aprendizagem da leitura e da escrita?”. - “Como trabalhar com grupos heterogêneos e atividades diversificadas?”. Esses posicionamentos são reveladores de um conhecimento que muitas vezes os professores têm, mas que são inibidos pela própria gestão autoritária da educação comum. Através desses encontros, as escolas promoveram um questionamento de suas práticas antigas como a criação de classes especiais (classes dos repetentes, de reforço, dos mais atrasados ou mais adiantados) ou a exclusão de um aluno com deficiência do convívio com outras crianças na própria escola. A fala de um dos professores revela que o trabalho de inclusão não se restringe à inserção do aluno na escola comum, mas abrange uma mudança de atitude em relação à diferença. Ele diz: “A grande questão da inclusão para mim é perceber o quanto as outras crianças modificam e o quanto nós nos modificamos. As coisas vão acontecendo naturalmente. À medida que eu venho aqui, hoje eu vejo, eu saio melhor”. Esse encontro com as escolas regulares, mais uma vez nos fez repensar nossa prática e nossa função no processo de inclusão. A equipe itinerante não existia mais desde 1998 e as supervisoras da APAE deixaram de ir às escolas comuns com o objetivo de garantir o sucesso da inclusão. Assim o diálogo passou a ser aberto e pudemos compreender que a inclusão significa assumir co-responsabilidades e que nossa função seria realmente complementar à escola comum. 1.3 *O diálogo entre a APAE - Contagem e as escolas comuns 2003* Em 2003, foi realizado um seminário interno no inicio do ano e com todos os profissionais, incluindo aqueles dos setores administrativo, pedagógico e clínico com o objetivo de sensibilizar e envolver todos os funcionários da APAE, numa reflexão sobre a inclusão. Nesse encontro discutiu-se o cotidiano da Instituição, o seu Projeto Político Institucional subsidiado por leitura e discussão de textos sobre a inclusão e a segregação, a diversidade e a aprendizagem da leitura e da escrita. A proposta do encontro era, de fato, repensar a prática institucional, o lugar e a função da APAE-Contagem, assim como seu papel na inclusão. Como resultado, foi realizada uma auto-avaliação de toda a equipe, para analisar se a sua prática estava sendo condizente com os princípios da inclusão ou não. Nessa avaliação concluiu-se que a APAE ainda mantinha atitudes consideradas segregativas, principalmente quando: - avaliava para selecionar os alunos, - substituía a escola comum em determinados casos, - os setores de atendimento (clínico e pedagógico) mantinham práticas isoladas, - as práticas pedagógicas eram lábeis, não mantendo a proposta de trabalho educacional definida na formação em serviço, oscilando entre o modelo tradicional e o inclusivo, - o atendimento pedagógico correspondia ao reforço escolar. Também foram levantadas práticas que eram condizentes com a inclusão, principalmente quando: - buscava-se avaliar o aluno no seu processo e nas aquisições de conhecimento, - abria espaço para as novas propostas e para a reflexão sobre a prática, através da formação em serviço dos professores e da equipe técnica, - buscava a acessibilidade física, - promovia a autonomia dos alunos, - defendia o direito de todos à educação e - tentava uma nova forma de interlocução com as escolas comuns. Frente a essas considerações, visava-se a mudança da prática institucional por meio de uma atitude reflexiva e crítica de cada profissional. Qual o papel da APAE na inclusão? Quem tem medo da inclusão e de perder o seu emprego? Como efeito desse seminário foram realizados encontros com os pais dos alunos a fim de conscientizá-los sobre os direitos de toda criança em freqüentar a escola comum. Tal sensibilização visava também salientar a responsabilidade dos pais em relação aos direitos de seus filhos e seus deveres e, ao mesmo tempo, resgatar um saber e uma escolha dos pais que, com regularidade, são transferidos às Instituições. Outra mudança almejada foi a maneira de a APAE se relacionar com a escola comum. Percebemos que não se tratava mais de promover encontros pré-definidos e pré-agendados com as escolas, mas de convidá-las e recebê-las para trocas de experiência. Dessa forma, o acompanhamento dos alunos nas escolas comuns passou a ser feito caso a caso, de acordo com as necessidades e demandas dos alunos, dos pais ou dos professores, diretores e supervisores. A partir de então, a APAE deixou de assumir toda a responsabilidade de garantir o bom desempenho escolar dos alunos incluídos. Essa atitude marca uma nova maneira de articulação com as escolas comuns, na busca de soluções em conjunto para cada caso e assim, de uma vez por todas, a APAE assumiu a proposta de realizar um trabalho educacional complementar e não mais substitutivo. No ano de 2003, a nossa prática mais uma vez passou por mudanças profundas. Alteramos toda a organização do seu espaço físico, abandonando as atitudes segregativas percebidas no seminário e buscando atender aos princípios da inclusão. Com este propósito a APAE passou a trabalhar com o que denominamos Salas Ambientes Temáticas. 2. *Salas ambientes temáticas - SAT’s* Para desenvolver o atendimento educacional especializado complementar à escola comum, por meio de uma aprendizagem com significado, a equipe da APAE Contagem decidiu romper com a estrutura tradicional de uma sala de aula de ensino regular. Percebeu-se que esse arranjo de ambiente mantinha os professores numa posição que os distanciava dos alunos, limitando suas ações, com pouca liberdade de criação e o mesmo acontecia com os alunos. A saída encontrada para solucionar esse problema, foi transformar as salas de aula, em salas ambientes temáticas que fossem mais abertas na sua estrutura e mais estimulantes, de forma que esses ambientes possibilitassem maior liberdade de experimentações pelos alunos e professores e favorecessem trocas de experiências entre os alunos, entre alunos e professores e entre os professores. Esta proposta é uma alternativa criada pela APAE Contagem para o atendimento educacional especializado não replicar o ambiente escolar e, portanto, sua apresentação neste documento tem apenas o objetivo de exemplificar uma organização, adotada por essa instituição. O espaço das salas ambientes é marcado pela cooperação e pela interação, encorajando o aluno a propor temas de estudos, explorar possibilidades, levantar hipóteses, justificar seu raciocínio e validar suas próprias conclusões. Nesta proposta, os erros fazem parte do processo de aprendizagem, sendo explorados e utilizados de maneira a gerar novos conhecimentos, novas questões e investigações, num processo de trocas e produção do saber. Todo o conhecimento produzido nessas Salas Ambientes –SAT’s é registrado de diferentes formas e linguagens. Os alunos se auto-avaliam ao perceberem o quanto avançaram em relação a um tema de estudo, refletindo sobre suas produções. 2.1 - *Programando o ano* As SAT’s são definidas e organizadas anualmente para atender às necessidades dos alunos em todas as áreas de conhecimento. Os professores escolhem as SAT’s que irão conduzir no decorrer do ano letivo conforme seu interesse, habilidade e capacidade. Os alunos são agrupados conforme a idade, mas podem escolher e participar do grupo que queiram, como também selecionam e programam com o professor o plano das SAT‘s que freqüentarão durante o ano letivo. Algumas salas exigem do aluno passagem obrigatória para atender às suas necessidades. Cada aluno tem também a oportunidade de planejar suas atividades anuais nessas salas. Este planejamento se faz a partir da exploração de todas elas, no primeiro mês letivo, ou no momento em que o aluno é admitido no atendimento educacional especializado. Dessa forma, os alunos têm um calendário de atividades anual, passando por várias salas ambientes durante a semana, conforme um plano de trabalho, montado segundo seus interesses e necessidades. Para ilustrar o plano de trabalho de um aluno, observem o quadro abaixo: TABELA: *Horário Grupos NAPCI*(Núcleo de Atendimento Pedagógico e Clínico Especializado Intensivo, realizado para alunos que necessitam de acompanhamento diário da APAE.) (Tarde) Aluno: Paulo Henrique Alves Rodrigues Turma de Referência (T4) A tabela segue a seguinte ordem: Dia da semana - Horário - Jogos e brinacadeiras - Dança e música - Livros e filmes - Artes - O dia a dia Planejamento. 2ª feira - 12:30 - T1 - T2 - T3 - *T4* - Pedagógico. 2ª feira - 13:00 - Planejamento - *T4* - T3 - T2 - T1. 2ª feira - 15:00 - T3 - T1 - *T4* - G4 - T2. 3ª feira - 12:30 - T1 - T2 - T3 - *T4* - não consta dados (célula vazia). 3ª feira - 13:00 - T2 - Planejamento - T3 - *T4* - T1. 3ª feira - 15:00 - G3 - T2 - T1 - T3 - *T4*. 4ª feira - 12:30 - T1 - T2 - T3 - *T4* - não consta dados. 4ª feira - 13:00 - *T4* - T3 - Planejamento - T2 - T1. 4ª feira - 15:00 - Vítor - *T4* - T1 - T3 - T2. 5ª feira - 12:30 - T1 - T2 - T3 - *T4* - não consta dados. 5ª feira - 13:00 - T1 - T2 - *T4* - Planejamento - T3. 5ª feira - 15:00 - T3 - G1,G2 (*T4*) - T2 - T1 - G1,G2 (*T4*). 6ª feira - 12:30 - T1 - T2 - T3 - *T4* - não consta dados. 6ª feira - 13:00 - T1 - T3 - T2 - *T4* - Planjamento. 6ª feira - 15:00 - T3 - *T4* - G5, G6 (T1) - G5, G6 (T1) - T2. Obs.: Os itens da tabela que estão sinalizados entre asteriscos, indicam que esta célula se encontra destacada na tabela original. Vale lembrar que este plano não engessa o atendimento educacional especializado, podendo ser avaliado e revisto, quando necessário. 2.2- *Programando o dia letivo* Cada professor é responsável por uma SAT e tem um grupo de alunos de referência, com os quais trabalha na primeira meia hora, para organização do dia letivo. Nas horas subseqüentes, o professor recebe outros grupos que desenvolverão atividades conforme o cronograma definido. Como exemplo, segue abaixo a programação de uma SAT. TABELA Horário grupos NACPI - Tarde SAT - Arte Profª: Telma A tabela segue a seguinte ordem: Horário - 2ª feira - 3ª feira - 4ª feira - 5ª feira - 6ª feira. 12:30 - TR4 - TR4 - TR4 - TR4 - TR4. 13:00 - TR2 - TR4 - TR2 - Planejamento - TR4. 15:00 - G4 - TR3 - TR3- TR1 - G6. Legenda: TR= turma de referência, G= Grupo. O professor desenvolve um tema e uma programação pedagógica definida em conjunto com seus alunos, versando sobre os mais diferentes assuntos. Essa programação tem princípio, meio e fim e termina quando se atinge o objetivo proposto, ou quando se esgota o assunto ou o interesse dos alunos pelo tema em estudo. Abaixo uma amostra de um dos temas desenvolvidos em agosto de 2004 em uma das SAT’s : TABELA Plano de Ação Pedagógica SAT - Livros e Filmes Literatura em Movimento A tabela segue a seguinte ordem: QUEM? - O QUE QUEREMOS SABER? - O QUE VAMOS FAZER?. Turma A - Onde as histórias acontecem - Não consta dados (célula vazia). Turma B - Características dos personagens - Não consta dados. Turma C - Não consta dados - Comparar a cultura escrita nas histórias com a nossa. Turma D - Não consta dados - Comparar a cultura escrita nas histórias com a nossa. Turma E - Não consta dados - Mudar o final da história "CHAPEUZINHO VERMELHO". Embora recente, esta prática tem trazido resultados promissores, propiciando aos alunos avanços significativos no processo de aprendizagem e em todos os demais atendimentos oferecidos pela nstituição, inclusive na área clínica. Para os professores, as SAT’s lhes possibilitaram um maior conhecimento dos alunos e a realização de um verdadeiro atendimento educacional, que na concepção da palavra envolve o acolhimento do aluno na sua maneira própria de lidar com o saber. Em uma semana, quase todos os alunos passam por todos os professores, nas diferentes salas ambientes. Essa organização do trabalho pedagógico não limita o professor ao atendimento especializado de um único grupo de alunos durante o ano letivo. Isso é importante, pois, evita uma relação excessivamente “colada” do professor com o aluno e vice-versa. Nestes dois anos de trabalho, a APAE já criou várias SAT’s, cujos nomes os alunos participaram das escolhas, a saber: - Livros e Filmes - Jogos e Brincadeiras - Dança e Música - Reciclagem - Arte - Dia-a-Dia - Dúvidas e Pesquisa. Abaixo fotos de algumas das salas criadas. Foto: Mãe com o filho, em sala de alula observando quadro mural com fotos. Foto: Duas crianças observam a maquete de uma cidade. Foto: Professora e alunos sentados em círculo, desenvolvendo atividade de colagem. Foto: Alunos dançam em pares. Para exemplificar o trabalho e produção dessas salas, vamos apresentar a seguir o que foi realizado em três SAT’s no ano de 2004. 3- *SAT: livros e filmes* Esta sala propicia a exploração da linguagem oral e/ou escrita em diferentes situações comunicativas. São desenvolvidas atividades que levam o aluno a se expressar oralmente e por escrito, bem como a sua capacidade de compreensão de diferentes gêneros textuais. Ao construir e reproduzir textos com liberdade de expressão, invariavelmente o aluno participa ativamente das atividades dessa SAT. Percebe-se que as produções textuais dos alunos representam uma construção e reconstrução de sua história subjetiva, atendendo assim ao objetivo maior do atendimento educacional especializado. A valorização e a exploração da capacidade de criação e de produção de textos permite a esses alunos libertarem-se das ações práticas e desenvolverem ações simbólicas. 3.1- *Objetivos*: - Ouvir o outro: diz respeito à capacidade de compreender o que os colegas e o professor transmitem oralmente, ao lerem ou contarem uma história, um acontecimento, um filme... O aluno opera com conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais presentes na construção da significação dos textos. Também se procura desenvolver a capacidade de o aluno reconhecer o significado complementar dos elementos não lingüísticos. - Falar: o aluno utiliza seus recursos de comunicação oral, para exprimir sua compreensão, interesse, desejos, idéias. - Ler: o aluno interpreta textos de todos os gêneros, de acordo com sua visão de mundo. O leitor, mediado pelo texto, o reconstrói na sua leitura, atribuindo-lhe uma outra significação (a sua própria). - Escrever: o aluno descobre as funções e o uso da língua escrita nos atos de registrar, informar, comunicar, instruir e divertir. - Favorecer a livre expressão: ler, escrever, falar, comunicar, de forma que o aluno se expresse através da produção oral e escrita (mesmo quando o professor atua como redator). - Compartilhar práticas: explorar a construção coletiva e cooperativa, na leitura, escrita. 3.2- *Relato de uma experiência* Este é o relato de experiência realizada com uma turma “A- TA” formada de 13 alunos em idade de 09 a 14 anos do NAPCI que o freqüentam duas vezes na semana pela manhã. TABELA: Abaixo segue uma tabela de horário das turmas - Horário / Grupos NAPCI Manhã 2004. Como em todo início de ano, fiz uma sondagem do nível de conhecimento dos alunos em relação à leitura e a escrita. Para isso, passei um período fazendo essa sondagem através de escrita espontânea, leitura de histórias e interpretação oral, e registro através de desenho. A solicitação do registro escrito ou através de desenhos das histórias, foi utilizada para que eu pudesse saber o que o aluno está entendendo do que foi contado. Deve-se ter sempre em mente que o que importa neste registro não é o que estava escrito convencionalmente, ou o que estava escrito para o outro ler e entender, mas o que “dava para ser lido” principalmente pelo aluno. Depois desse momento passamos para uma segunda etapa. Levando em conta que estamos constantemente em contato com diferentes gêneros textuais no nosso dia a dia selecionei alguns textos: Livros de História, Anúncio de revista, Letra de Música, Poema e História em Quadrinhos. Estes textos foram comparados uns com os outros, para estabelecer diferenças e semelhanças. Depois disso, esses textos foram analisados e interpretados, comparados uns com os outros para estabelecer diferenças e semelhanças entre eles. Apresentei os textos um de cada vez, em dois tamanhos: sob forma de cartaz e outro menor para ser colado no caderno de cada um. A análise do texto foi feita oralmente e por escrito, por meio de cópia ou de forma independente (para aqueles que já conseguiam escrever espontaneamente algumas palavras simples). Assim todos participaram da atividade a seu modo, seja opinando espontaneamente, respondendo às perguntas, observando e ou registrando através da cópia de forma organizada ou não. Na produção dos textos coletivos, as minhas intervenções foram as mais diversas, respeitando toda forma de participação dos alunos. O registro era feito por mim, que funcionava como escriba, quando o aluno não conseguia registrar por si mesmo. Eu escrevia no quadro, tal qual eles falavam; depois, por meio de perguntas fazíamos juntos as correções e organizávamos o texto através da leitura e da grafia das palavras. Os alunos eram assim colocados em contato com a leitura e a escrita através dos seus próprios textos. Várias foram as manifestações de registros que se apresentaram, mesmo depois da autocorreção. O respeito ao tempo e ao nível de conhecimento, em relação à base alfabética de cada um foi preservado e isso era avaliado diariamente para que pudéssemos perceber a evolução das produções escritas. Depois disso, propus a produção de texto no gênero textual escolhido por eles. Quando fiz esta proposta a idéia foi recebida com entusiasmo.Todos escolheram escrever histórias. Uma delas foi utilizada como roteiro de um desenho animado, o que motivou e estimulou a produção de outras histórias. Segue abaixo a história construída: EM UMA MONTANHA PERTO DA CIDADE, HAVIA UM CASTELO ASSOMBRADO. NELE MORAVA UM HOMEM QUE TINHA O ROSTO MARCADO POR CICATRIZES, TRÊS OLHOS, UM RABO DE MACACO. ELE NÃO TINHA NOME, MAS TODOS NA CIDADE O CHAMAVAM “BIRUTO DA MEIA-NOITE” POR CAUSA DO BARULHO QUE ELE FAZIA À MEIA-NOITE. TODOS OS DIAS ELE UIVAVA DE NOITE PARA ASSUSTAR AS PESSOAS E AFASTÁ-LAS DO SEU CASTELO. ALI PERTO TINHA UMA FAZENDINHA MUITO POBRE. MORAVA NELA, UMA MÃE, QUE ERA MUITO VELHA COM DOIS FILHOS ADOTADOS: TITICO E LILITA. TITICO ERA UM ADOLESCENTE MUITO LEVADO, CAÇADOR DE BRIGAS E AMIGO DO MONSTRO BIRUTA DA MEIA NOITE. DE MANHÃ ELE LEVANTA PULA A JANELA E VAI PARA O CASTELO BRINCAR E CONVERSAR COM O MONSTRO. SUA IRMÃ FICA EM CASA BRINCANDO COM OS ANIMAIS. ELA É MUITO MEDROSA E MORRE DE MEDO DE SAIR DE CASA. UM DIA O MONSTRO FOI NA FAZENDA CONHECER A MENINA E A MÃE. ELE FOI DE NOITE. A MÃE ESTAVA FAZENDO CROCHÉ, O TITICO ACORDADO SENTADO NA ESCADA DA SALA LENDO UM LIVRO DE KARATÊ, E LILITA ESTAVA DORMINDO NO QUARTO. DE REPENTE OUVIRAM UM BARULHO ARRANHANDO APORTA, A MÃE CORREU PARA O QUARTO DA LILITA. TITICO MUITO CURIOSO FOI ABRIR A PORTA E DEIXOU O MONSTRO ENTRAR E DEPOIS O CONVIDOU PARA IREM PARA O CASTELO. QUANDO A MÃE ABRIU A PORTA DO QUARTO E PROCUROU O FILHO E NÃO ENCONTROU, CHOROU ELA E A MENINA. ELA E A MENINA PROCURARAM TITICO A NOITE INTEIRA NO MATO E FORAM PICADAS POR UMA COBRA. ESTAVA PASSANDO POR ALI, O JUCA, CAÇADOR DE COBRAS, QUE VENDIA O VENENO PRO MONSTRO. ELE VIU AS DUAS CAÍDAS E AJUDOU PEGANDO E COLOCANDO-AS NA SUA CARROÇA. ELE AS LEVOU PARA CASA. QUANDO ELES CHEGARAM ENCONTRARAM O BIRUTA DA MEIA-NOITE E O TITICO LENDO REVISTA DE KARATÊ. A MÃE E A FILHA FORAM COLOCADAS NO SOFÁ RASGADO PARA REPOUSAR MUITO NERVOSAS, COM MEDO E TREMENDO. LILITA GRITOU DE MEDO QUANDO O MONSTRO LEVANTOU E SAIU CORRENDO COM ÓDIO, PORQUE ELAS FICARAM COM MEDO DELE. TITICO CORREU ATRÁS, MAS ELE NÃO DEU NENHUMA IDÉIA E COMEÇOU A RASGAR A ROUPA, MANDOU TITICO EMBORA PARACASA, MAS ELE NÃO OBEDECEU E CONTINUOU ATRÁS DELE. EMTÃO O MONSTRO O FERIU COM AS UNHAS. O JUCA QUE ESTAVA INDO PARA O CASTELO PEGAR UM REMÉDIO PARA A MÃE E A LILITA, JOGOU UM REMÉDIO LÍQUIDO NOS OLHOS DELE, E O MONSTRO FICOU CEGO ATÉ O AMANHECER. JUCA E TITICO VOLTARAM PARA A FAZENDA LEVANDO O REMÉDIO PARAA MÃE E A LILITA. QUANDO AMANHECEU, O MONSTRO FOI ATÉ AFAZENDA, POIS O LÍQUIDO QUE O DEIXOU CEGO TINHA ACABADO O EFEITO, BATEU NA PORTA E LILITAATENDEU AINDA MANCANDO POR CAUSA DA PICADA DE COBRA, FICOU ASSUSTADA E COMEÇOU A GRITAR PELA MÃE, PELO TITICO E O JUCA QUE ESTAVAM DORMINDO. APARECEU A MÃE E O MONSTRO PEDIU DESCULPAS E OS CONVIDOU PARA IREM AO CASTELO. ELES SE TORNARAM AMIGOS. JUCA DEU A IDÉIA DE FAZER UMA FESTA PARA AS PESSOAS CONHECEREM O BIRUTO DA MEIA-NOITE. A FESTA FOI DE FANTASIA E TEVE A PRESENÇA DE TODOS DA CIDADE E DA FAZENDA E O MONSTRO FICOU MUITO FELIZ. AUUUUUUUUUU... A medida em que as histórias foram sendo produzidas coletivamente, o interesse pela produção individual foi crescendo. A escolha e o estilo pela produção em outros gêneros textuais também surgiram, o que foi expresso por alguns alunos: “eu agora quero escrever a minha estória sozinha”, ou “eu não quero escrever poemas, eu gosto é de escrever histórias”, “eu agora sou ‘escricista’ e sou o melhor”. Através dos gêneros, o prazer em registrar suas idéias e a sua história era cada vez maior por parte dos alunos, era a realidade virando ficção. TRABALHOS DOS ALUNOS: *Um dia só...* terça-feira Dia de ir na fazenda Sentir aquele vento no coração Vento Que é diferente do vento daqui. Dia De brincar de bola no tereiro Perto das árvores Dia De andar a cavalo Com o mesmo vento no coração Quando vou pra lá Me sinto como um passarinho Solto Voando nas nuvens BRUNO CÂNDIDO MÃE É igual urso de tão fofinha, quando me abraça. É como brincar de vídeo game. Andar de bicicleta com um ventão gostoso na cara. Como relógio que orienta a gente. Está no meu coração Guardada bem juntinho de mim Como um tesouro. Mãe é admirável! IMAGEM: Ao lado do poema aparece um desenho com as imagens relativas às palavras citadas no mesmo. Poema produzido pelos alunos: Wesley, Bruno C., Flávia, Aline g., Aline M., Aléxis, Wedson, Marcos R, Sirlene, coordenado pela professora Jânis na sala ambiente de Livros e Filmes. Abril de 2004 História em quadrinhos *Luquinha* 1º Quadro: Um leão estava no floresta dormindo. Desenho de um leão dormindo. 2ºQuadro: O leão diz: Minha barriga está vazia. Vou procurar comida. 3º Quadro: O leão pensa: Hum... Tá cheirando Desenho do leão no pátio da Escola Pinto Brandão sentido o cheiro. 4º Quadro: Ele entrou na cantina, comeu a merenda da panela Desenho do leão com a panela de merenda a sua frente. 5º Quadro: A merenda estava quente e ele queimou a boca. Grito UIUIUI! 6º Quadro: O leão pensou: Lá não volto mais. Desenho do leão chorando. FIM Os textos produzidos por eles foram sempre expostos em saraus, exposições em programações da Instituição, no Boletim da APAE Contagem, Filmes, na produção de Livros e Tirinhas ou em seu próprio portfólio, que é a nossa forma de avaliar e acompanhar o processo de aquisição do conhecimento. Livro ilustrado 1ª página Capa: Turma A O REI E O PRÍNCIPE Ilustrações Turma A 2ª página: Turma A O REI E O PRÍNCIPE Turma A Desenho de dois animais 3ª página: Este livro é dedicado a dona Elza Kriemilda que construiu toda nossa história neste lugar. Desenho de crianças de mãos dadas. 4ª página: Esta casa é muito suja e quebrada e muito feia. É a casa do "Príncepe cachorro porco" Desenho de uma casa. 5ª página: Ele faz bagunça e não tem cuidado com as coisas. Também não toma banho. Ele é sozinho porque ninguém aguenta o cheiro dele. Desenho de uma casa com alguém dentro. 6ª página: O príncepe cachorro porco recebeu este título dos outros cachorros. E deram também ao seu dono o título de Rei porco. Desenho do Príncipe portando uma faixa com os dizeres: Rei Porco, o mesmo segura um animal pela coleira. 7ª página: Se ele queria fazer cocô fazia dentro de casa. Se ele ia [..] rasgava o lixo da vizinha e trazia para dentro de casa. Desenho de uma casa. 8ª página: O rei porco é um menino que se chama Bilico. A casa dele também é bangunçada. Ele não arruma a casa. O quintal da casa dele é cheio de mato. Desenho de uma casa e o quintal cheio de vegetação. 9ª página: Um dia o príncipe cachorro porco foi obrigado a tomar banho, pela vizinha. Porque ela queria que ele tomasse conta da casa dela. Desenho da vizinha dando banho no príncipe. 10ª página: O Bilico não sabia que o cachorro havia tomado banho. Quando o viu pensou que era outro cachorro e mandou ele embora. Desenho de Bilico e o cachorro dentro do quintal. 11ª página: O príncipe cachorro porco pegou sua malinha e foi embora chorando. Ele goatava muito do seu dono. Bilico enquanto isso pensava: "Meu Deus até agora e meu cachorro não chegou." Desenho de Bilico e do cachorro indo embora com sua mala. 12ª página: Passou 1 mês. Bilico procurando seu cachorro. O príncipe se sujando pela rua. Bilico andava pela rua perto do mercadinho quando viu seu cachorro. A felicidade fez o cachorro pular no seu dono. Desenho de Bilico se encontrando com o Pincipe cachorro porco. A partir dessa prática, as produções como as aqui citadas têm surgido de forma espontânea e crescente. Os alunos se sentem com maior autonomia e encorajados a produzir qualquer tipo de texto, seja oral, escrito ou através de desenho. Hoje eles verbalizam, dizendo estar mais preparados e confiantes em si mesmos para enfrentarem a escola comum, com todas as suas dificuldades e diante de todas as exigências feitas pela escola. Eu me sinto uma professora mais consciente do meu trabalho. Partindo do pressuposto de que “somente uma parte do que nós sabemos nos é realmente ensinado” que aprendi com Frank Smith(5 In: Leitura Significativa, Porto Alegre: Art Méd, 1999 – P. 81 ), não faz sentido continuar com uma postura de “dona do saber,” que vêm à instituição com o objetivo de repassar conhecimentos a alguém que “não sabe”, mas de alguém que vêm com objetivos explícitos de realizar trocas e de fazer parte da construção do conhecimento, que pode ser tanto meu quanto do meu aluno. Professora Jânia Almeida 4 - *SAT: dança e música* O movimento corporal é natural às pessoas e constitui uma forma de linguagem com a qual elas se comunicam, expressam seus pensamentos, sentimentos e vivências. A música é também excelente meio de comunicação, que favorece o desenvolvimento da expressão, do equilíbrio e assim, dança e música contribuem com a integração social. A dança e a música proporcionam a interação entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, sendo mais uma forma de interpretação simbólica do mundo. O aluno quando representa e interpreta tem a possibilidade de interagir de forma diferente com sua realidade. O aluno movimentando-se constrói o pensamento de forma autônoma, descobrindo e desenvolvendo suas potencialidades corporais. Não é com a simples contenção do movimento que ele se concentra e obtém maior atenção. O aluno torna-se mais autoconfiante quando se apropria das possibilidades de seu corpo. Para aqueles alunos que têm dificuldades em estabelecer trocas simbólicas com o outro e/ou dispõe de poucos recursos para utilizar a linguagem oral, a música é um poderoso instrumento de comunicação. 4.1- *Objetivos*: - Incentivar a livre expressão musical e corporal, permitindo a troca com o outro; - Ampliar as possibilidades expressivas do próprio movimento, utilizando gestos e ritmos corporal através da dança, teatro e demais situações de interação e representação; - Explorar diferentes qualidades e dinâmicas do movimento, como força, velocidade, resistência e flexibilidade, descobrindo os limites e as potencialidades de seu corpo; - Saber dançar: selecionar gestos e movimentos próprios das danças, imitando, recriando e mantendo suas interpretações individuais; - Proporcionar experiências estéticas, desenvolver o gosto pela música e ampliar o universo musical do aluno; - Perceber e identificar os elementos da linguagem musical, tais como: ritmo, gêneros, estilos em atividades de produção, explorando-os por meio da voz, do corpo, de materiais sonoros e de instrumentos disponíveis; - “Brincar” com a música, imitar, inventar e reproduzir criações musicais. 4.2- *Relato de experiência 1* No segundo semestre do ano 2003, por incentivo de um renomado profissional de comunicação visual, que trabalha em parceria com a APAE foi produzido um filme sob sua direção. A proposta foi levada a um grupo de alunos que participaram desde a criação da história, sua filmagem, a atuação, até a confecção do cenário e figurinos. Outras SATs também se envolveram nesse trabalho, por exemplo: na SAT Livros e filmes foi produzida a história, na Reciclagem e Artes foram produzidos os figurinos e cenários. De início reunimos todas as turmas (A, B, C e D), para contar a novidade e saber quem gostaria de participar da construção do filme. Todos ficaram muito interessados e entusiasmados e alguns decidiram participar, inclusive a Terapeuta Ocupacional da instituição. No segundo momento e durante aproximadamente quatro meses, investigamos o que eles já sabiam sobre o que é necessário para produzir filmes, televisão e peças de teatro. A partir das respostas dos alunos mostramos a eles como é feito um filme, o que acontece por trás das câmeras, quem são as pessoas que filmam, quem cuida do cenário e do figurino, como é o trabalho dos artistas e o que é preciso para interpretar. A fim de esclarecer todas as dúvidas e curiosidades dos alunos recorremos a fitas de vídeos e respondemos as perguntas dando todas as informações necessárias. No terceiro momento, houve a escolha da história que se tornaria um filme e das funções que cada um desempenharia nele. Quem ficaria por trás das câmeras, quem seriam os atores, quem confeccionaria o figurino e cenário e assim por diante. A nossa preocupação era garantir a participação de todos no processo, inclusive no manuseio da câmera. Assim, desde o primeiro momento tudo estava sendo registrado, ora pela professora, ora pela Terapeuta Ocupacional, ora pelo Diretor e ora pelos alunos. A história escolhida tinha por título “Namorado” e em seguida foi elaborado o roteiro, segundo o que é típico de um trabalho de mídia (abaixo a história e o roteiro). A história foi várias vezes modificada pelos alunos para seguir o roteiro de um filme, acrescentando-se ou retirando-se falas e ações. HISTÓRIA CRIADA NA SALA DE LIVROS E FILME “NAMORADO” Uma boneca que não tinha olho, rejeitada pelos outros brinquedos, mas que tinha um robô que gostava dela. Em uma loja de brinquedos do shopping, tinha um robô grande que dançava, abraçava e falava toda vez que alguém entrava na loja. Havia também uma boneca bonita: loura, cabelos cacheados, que usava saia verde e uma blusa azul escuro. E também um olho azul. Um somente, porque o outro, um cliente atentado arrancou quando visitava a loja. Quando fecha a loja, os brinquedos são ligados na tomada da porta por uma formiga. Ligadas, eles começam a brincar uns com os outros, menos a boneca, porque ela é rejeitada pelos outros, porque ela não tinha um olho. Eles achavam diferente. O robô era o único que brincava com ela, pois era apaixonado por ela. Um dia, chegou um menino na loja e gostou muito do robô e o comprou. O robô ficou triste e fingiu que estava estragado, deixando de falar e andar. Da prateleira, ela começou a chorar e o seu choro chamou a atenção de todos da loja pois, saia lágrimas de seus olhos. O menino que estava comprando o robô estava com sua irmã, que se interessou pela boneca. A boneca e o robô foram vendidos mais baratos para os irmãos, e o namoro continuou na casa deles. OBS: texto está na forma original ROTEIRO DO FILME – “BRINQUEDOLÂNDIA” VERSÃO ORIGINAL “NAMORADO” PERSONAGENS (ordem que aparecem em cena) SR JOÃO (dono da loja) - BRUNO CLIENTE – SIRLENE FORMIGA – KEYT ROBÔ – FLAVIO ROBO CARRO – WESNEY BONECA (Sem olho) BONECA FOFINHA – LÚCIA PALHAÇA – CYNTIA PALHAÇA – MARCOS ALEX – SOBRINHO DA CLIENTE FERNANDA – SOBRINHA DA CLIENTE AS CENAS SE DESENROLAM DENTRO DA BRINQUEDOLANDIA, UMA LOJA DE BRINQUEDOS... CENA 1 TODOS OS BRINQUEDOS ESTAM NAS PRATILEIRAS DA LOJA, A MÚSICA INICIA E O DONO DA LOJA, SR JOÃO ENTRA DANÇANDO, ARRUMA O DINHEIRO DA CAIXA REGISTRADORA, LOGO EM SEGUIDA PEGA UM PANO PARA LIMPAR OS BRINQUEDOS E LIMPA UM POR UM, ALEGRE, DANÇA E LIMPA. ENQUANTO SR. JOÃO LIMPA OS BRINQUEDOS, O ROBO CAMINHA PELA LOJA DANÇADO FELIZ . ENTRAA CLIENTE E OBSERVA ADMIRADA, O ROBO QUE CAMINHA POR TODA A LOJA. FALANDO. ROBO: Bem vindo! Bem vindo! SR. JOÃO: Bem vinda a minha loja. O que eu posso fazer por você? CLIENTE: Eu estou procurando um brinquedo para minha sobrinha. SR. JOÃO: Você está no lugar certo! Eu tenho muitos brinquedos que você vai gostar. Olha aqui, este é um palhaço muito legal, gosta? ( Anda pela loja mostrando os brinquedos a cliente). CLIENTE: Sim, é muito legal, mais eu acho que minha sobrinha não vai gostar. SR. JOÃO: Não tem problema, eu tenho outro palhaço lindo também, gota? CLIENTE: Ah, eu não sei... SR. JOÃO: Muito bem, mas você vai adorar o robô que vira carro... olha aqui ...(o dono da loja pega o robô anda com ele pela loja) Gosta? CLIENTE: É legal mas.... ROBÔ: Bem vindo! Eu sou o Robô-Flávio, você quer brincar comigo? SR. JOÃO: Ele é muito bom e diferente, ...não gostou? Ele fala e é um grande robô... CLIENTE: É verdade, mas eu gostaria de uma coisa para minha sobrinha... SR. JOÃO: Ah, você vai adorar a boneca Fofinha... CLIENTE: O que ela faz? SR. JOÃO: Olha aqui...(João aperta o braço da Fofinha e ela sorri). Legal,não é? CLIENTE: Muito legal eu gostei desta boneca e .... quanto ela custa? SR. JOÃO: Só dez reais. Vai levar? CLIENTE: Não sei, eu não tenho muito dinheiro.... SR. JOÃO: Não tem problema, depois você volta e leva eu guardo a boneca... CLIENTE: Ótimo, então depois eu volto. SR. JOÃO: Combinado. (despedem-se), Boa tarde, até mais! CLIENTE: muito obrigada, até. SR. JOÃO DESPEDE DA CLIENTE E FECHAA LOJA, ARRUMA AS COISAS, CONTA O DINHEIRO FECHA O CAIXA , APAGAAS LUZES E SAI. CENA 2 POR UM DOS LADOS DO CENÁRIO ENTRAA FORMIGA, ACENDE A LUZ, E PEDE A MÚSICA (SÍTIO DO PICA –PAU AMERELO), ACOMODA-SE EM FRENTE AO MICROFONE E ESPERA O INICIO DA MÚSICA. ASSIM QUE INICIA COMEÇA A DANÇAR E PEDE AOS BRINQUEDOS QUE DANCEM COM ELA. TODOS OS BRINQUEDOS COMEÇAM A DANÇAR OBDECENDO O COMANDO DA FORMIGA QUE NÃO PARA DE DANÇAR E CANTAR. COM EXEÇAO DA BONECA SEM OLHO, QUE FICA EM SEU CANTO PARADA E TRISTE. O ROBÕ É O ÚNICO QUE BRINCA COM ELA E NEM COM ELE ELA QUER DANÇAR. DEPOIS QUE A MÚSICA ACABA TODOS CANSADOS SE ACOMODAM NO CHÃO E DORMEM. CENA 3 OS BRINQUEDOS FICAM DORMINDO, MAS O ROBO NÃO, ELE APROXIMA-SE DA BONECA SEM OLHO E TENTA FAZE-LA SORRIR. ROBÔ: Hei, por que você não quis dançar? BONECA: Eu não gosto de dançar? ROBÔ: Tem certeza disso? BONECA: Tenho certeza. ROBÔ: Sabe... eu gosto de dançar. Eu gostaria de dançar com você. BONECA: Eu também. ROBÔ: Mas, você falou que não gostava de dançar. BONECA: Mas eu gosto. O problema é que ninguém quer dançar comigo. ROBÔ: Eu gostaria de dançar com você. E sermos amigos. O ROBÔ E BONECA SEM OLHO DAM AS MÃOS E COMEÇAM A DANÇAR. DANÇAM ATÉ SE CANSAREM. O ROBO LEVA A BONECA AO SEU LUGAR E DEITAAO SEU LADO E OS DORMEM. CENA 4 SR. JOÃO CHEGA NO DIA SEGUINTE BEM ANIMADO E ORGANIZA O CAIXA, E FELIZ COMEÇAA LIMPEZA DE SEUS QUERIDOS BRINQUEDOS. CHEGA ENTÃO SUA CLIENTE COM SEUS DOIS SOBRINHOS ALEX E FERNANDA, QUE FICAM MARAVILHADOS COM TANTOS BRINQUEDOS BONITOS. ALEX FICA APAIXONADO COM O ROBO E PEDE QUE SUA TIA O COMPRE. SUATIA (A CLIENTE) RESISTE, MAS ACABA COMPRANDO. FERNANDA, SUA SOBRINHA POR SUA VEZ, VÊ A BONECA SEM OLHO CHORANDO E FICATÃO SURPRESA COM O QUE VÊ QUE PEDE A SAI TIA PARA COMPRAR A BONECA TAMBÉM. A CLINETE ACABA CEDENDO AO PEDIDO DE SEUS SOBRINHOS ACABA LEVANDO OS DOIS, O ROBÔ E A BONECA SEM OLHO. CLIENTE: Boa tarde, Sr João ? SR. JOÃO: Boa tarde, sejam bem vindos. A senhora veio comprar a boneca. CLIENTE: Sim. E também trouxe os meus sobrinhos. ALEX (SOBRINHO): Tia! Tia! Eu quero esse robô que fala, ele é demais! Compra pra mim? FERNANDO (SOBRINHA): Tia, eu também quero levar essa boneca, ela chora olha está saindo lagrima nos lhos dela. CLIENTE: Mas, meninos a compra vai ficar muito caro! SR. JOÃO: Pode levar eu faço um desconto bom para a senhora. CLIENTE: Está bem, pode embrulhar, os meus sobrinhos gostaram. Vou levar. ASSIM TODOS VAM PARA CASA FELIZES. Em seguida, os atores escolheram suas personagens, nesse momento surgiram casos em que alguns alunos disputaram o papel dos protagonistas e deixamos que eles próprios resolvessem esse problema. Partimos então para a descrição das personagens, cada ator montou sua personagem. Para esse fim, foi solicitado como tarefa, a observação de pessoas na rua, em sua casa, dentro do ônibus, nas lojas de brinquedos, para dar vida e criar suas personagens, como se faz nos laboratórios de teatro. E assim eles fizeram. Na sala formamos um círculo e cada um foi falando como seria o seu personagem, se tinha família, onde vivia, quem era seu amigo na loja (cenário da história) como foi parar e dessa forma até montar as personagens. Nas aulas, os alunos trocavam suas personagens e vivenciaram outras situações, não apenas a da história. Eu dava o comando para que fizessem tal personagem dançando e todos faziam de uma forma única, descobrindo o próprio estilo, sem imitar o colega. Por fim, iniciamos a representação real da história. Nesse período juntou-se a nós um produtor e ator de teatro colombiano. Sua presença só veio acrescentar e apesar da diferença de idioma, os alunos o entendiam perfeitamente. Assim os ensaios aconteceram até o fim. No decorrer das filmagens, por decisão dos atores, o título da história foi trocado por “Brinquedolândia”. 4.3- *Relato de experiência 2* Outro grupo de adolescentes escolheu participar de um sarau que estava sendo promovido pela SAT Livros e Filmes. Essa escolha partiu da solicitação da professora da SAT que levei às turmas, com o propósito de trabalhar a literatura na música e na dança. Os alunos escolheram o livro da autora Regina Coeli Rennó, História de Amor. As turmas A e D optaram pela encenação da história modificando-a e produzindo um novo roteiro teatral. Fazendo uma intertextualização de histórias. As turmas B e C preferiram dançar. Conversamos, ouvimos várias músicas e não encontramos uma que pudéssemos contar a história do livro. Até que numa das aulas, um aluno chega com um CD com uma música cujo título era o mesmo da história. Logo começamos a criação da coreografia e percebemos como a literatura pode estar na música e na dança. As demais SATs Livros e Filmes, Jogos e Brincadeiras, Reciclagem, Artes, Dúvidas na escola também participaram do sarau, fazendo e recitando poesias, construindo os figurinos e cenários. O sarau aconteceu com a participação de todos, inclusive do poeta Ronald Claver, autor de um dos livros trabalhados, o artista plástico Marcelo AB e o representante da editora que nos vende os livros e colabora com a montagem da biblioteca da sala de livros e filmes. 5 - *SAT: arte* Esta Sala possibilita investigar e conhecer movimentos, obras, grandes artistas de todos os tempos, assim como a História da Arte e permite que os alunos usufruam a Arte como observadores e criadores, contemplando, com isso, o fazer, a apreciação e a reflexão artística. Quando o aluno cria com liberdade, fazendo seus desenhos e suas produções, ele levanta hipóteses e imprime sua marca na construção simbólica de sua história. O respeito às peculiaridades e aos esquemas de conhecimento referem-se à sensibilidade, a imaginação, a percepção, a intuição e a possibilidade de projeção da ação prática para a ação simbólica. Essa primeira projeção é o ponto de partida que estrutura o desenvolvimento estético, artístico e intelectual. O progresso do desenho demonstra mudanças significativas cada vez mais ordenadas, fruto de assimilações cada vez mais avançadas na linguagem do artístico, possibilitando novas projeções cada vez mais elaboradas. A arte é uma forma de expressão, principalmente quando a deficiência mental afeta a utilização de alguns recursos que possibilitam ao aluno exprimir-se oralmente, ou pela linguagem escrita. A produção nesta SAT é muito significativa por demonstrar capacidades muitas vezes ocultas e desacreditadas desses alunos. Explorar toda a capacidade que a pessoa com deficiência mental e mesmo o doente mental tenham, significa não limitar suas criações em produções acadêmicas ou por padrões estéticos, principalmente se esses padrões são definidos por um outro, no caso pelo professor. Por esse motivo procuramos manter um artista com conhecimento do que é próprio do atendimento educacional especializado. 5.1- *Objetivos*: - Permitir e incentivar a livre expressão e a troca com o outro por meio da criação artística; - Possibilitar a criação artística em toda as suas dimensões; - Produzir trabalhos de arte, por meio da linguagem do desenho, da pintura, da modelagem, da colagem, da escultura e outras; - Aprender a pesquisar e utilizar diversos materiais gráficos e plásticos sobre diferentes superfícies, para ampliar as possibilidades de expressão e comunicação; - Apreciar as produções próprias e dos outros colegas e artistas, por meio da observação e da leitura de obras de artes em exposições, catálogos, livros e etc; - Ampliar o conhecimento: conhecer a História da Arte e seus personagens, elementos da cultura regional e brasileira e suas produções artísticas. 5.2- *Relato de uma experiência 1* A proposta da produção de um desenho animado foi desenvolvida no NAPCI I, composto por alunos com idade acima de 14 anos e teve início no segundo semestre de 2003. A partir dos desenhos criados pelos nossos alunos, pela capacidade de criação, liberdade de utilizar as cores, compondo um estilo próprio decidimos propor a produção de um desenho animado. Ao mesmo tempo, eles produziram suas próprias histórias na SAT Livros e Filmes, percebemos que poderíamos reproduzi-las através do desenho animado. A proposta nos pareceu desafiadora e inovadora, uma vez que possibilitaria descobrir e conhecer os processos e as técnicas de animação de desenho, de construção de personagens, de fotografia, filmagem, edição e a pesquisa de materiais. Primeiramente realizamos uma reunião com todas as pessoas envolvidas, pois essa proposta se realizaria de maneira articulada entre as SAT’s Livros e filmes e Dança e Música. Contamos com a presença de um profissional de comunicação visual, que ofereceu a produção e edição do desenho animado. O grupo de interessados ficou composto por nove alunos, sendo aberto a participação de outros em determinados momentos do processo. Meu objetivo não se restringia em apenas transformar o registro escrito em um desenho animado, mas em construir novos saberes durante a experiência do fazer, de modo que o real e o simbólico se revelassem. Para tanto, a flexibilização do horário, foi fundamental e necessitou o apoio e a mobilização de toda a instituição. A escolha das histórias foi feita através de uma votação. Haviam três histórias: Um Natal Diferente, Uma História de Terror e O Rei e o Príncipe Cachorro Porco. A História de Terror foi a escolhida. Passamos então para uma segunda etapa, onde a história foi lida de maneira atenta às suas peculiaridades, ressaltando os elementos que seriam fundamentais para o desenho. Os alunos participaram de todo o processo, que foi norteado por atitudes de cooperação, de trocas de idéias, descobertas de soluções e de compromisso de concluir o projeto. Nas nossas conversas, cada um ia se localizando no trabalho, tomando suas decisões e fazendo suas escolhas. Como resultado, o desenho animado produzido reflete a espontaneidade e a liberdade de criação dos meus alunos. Abaixo os desenhos selecionados. Desenhos: 1º é uma casa bem colorida; 2º Uma cobra; 3º Um monstro com dentes grandes, 3 olhos e bem colorido. 5.3- *Relato de uma experiência 2* Esta proposta foi desenvolvida com as quatro turmas do NAPCI II (crianças e pré-adolescentes de 3 a 12 anos). Em face da heterogeneidade de cada grupo, foi necessário encontrar um elemento que propiciasse trocas entre as crianças. Sugeri que cada aluno trabalhasse a sua própria imagem com o propósito de gerar curiosidade e ampliar as possibilidades de descobertas de si mesmo. Para descobrir o interesse e a curiosidade que a própria imagem provocaria, utilizei o espelho de várias maneiras: olhando bem de perto, de longe, debaixo para cima, de cima para baixo, observando o outro, as reações, as atitudes e ainda suas expressões faciais. O espelho foi um objeto muito explorado por eles, houve apreciação de maneira bem divertida com segurança por alguns, mas outros se recusaram o que foi acolhido por mim. Partindo do que de fato era significativo, esta proposta permitiu que essas crianças e até mesmo as mais comprometidas pudessem esboçar um questionamento sobre quem somos, como somos. A imagem refletida, os relatos, estimularam a comunicação, a apreciação, a identificação de si e do outro através da imagem, e exploração das capacidades de expressão do corpo, através da linguagem gestual. A articulação com outras SATs e com as famílias, fez com que essa proposta se tornasse ainda mais interessante. A utilização do grande espelho da SAT Dança e Música, nas atividades corporais, era um momento onde o corpo inteiro era observado. A família contribuiu com objetos que faziam parte do cotidiano, brinquedos da preferência deles. O fato de um dos alunos demonstrar interesse por objetos suspensos e giratórios foi determinante para que construíssemos móbiles. Utilizei capas de CD´s como suporte para as fotografias, amarrados ao teto da sala, pois além de ser muito estimulante para o aluno em questão, foi o recurso utilizado para que todos tivessem suas imagens (fotografias) visíveis na sala. Percebi que de fato tal linguagem da Arte – no caso, a fotografia – provocou os sentidos e exercitou os olhares. As fotos foram ampliadas e impressas em papel comum. Após apreciá-las e manuseá-las – curiosamente, nenhuma foto foi danificada com o manuseio – eles usaram o lápis de cor, fazendo escolhas de cores; os que já conseguiam colorir, colaborou com os que ainda não conseguiam, após seus consentimentos. Além da fotografia, foram feitos registros através de desenhos – retratos e auto-retratos – pinturas, colagens, modelagens, escrita do bilhete à família feita junto com eles, bem como a montagem do portfólio coletivo. Manter os móbiles na SAT fez com que o ambiente e a atitude de alguns alunos se modificassem. O uso da fala na tentativa de dizer o nome dos colegas, o olhar apontando a identificação, se reconhecendo, tudo isso revelou as apropriações e apontou novas questões. Profa. Telma Isabel Vieira Martins 6 - *Trajetória e avaliação* Nessa proposta de utilizar SATs, a avaliação faz parte do processo de ensino e de aprendizagem, de forma contínua. Procura-se conhecer não apenas os progressos, mas também as estratégias de trabalho utilizadas pelos alunos. Utilizam-se diferentes instrumentos de avaliação, como relatórios semestrais com observações individuais e coletivas, além dos portfólios onde estão contidas todas as observações e construções dos alunos durante a execução das atividades. O portfólio é um instrumento que permite posteriormente, ao aluno e a seus pais, perceberem como se iniciou o trabalho programado e como ele se desenvolveu. Ele revela para o aluno e para o professor; quais foram as questões iniciais e as finais levantadas pelo aluno e, conseqüentemente, as suas aquisições, predefinindo futuros trabalhos, conforme os focos de interesse que surgirem, no decorrer das atividades e da avaliação. Todas as atividades desenvolvidas nessas salas fazem parte de um contexto e de uma programação coletiva que muitas vezes envolve várias SATs. Os alunos não só escolhem os temas que irão trabalhar nas SATs, mas muitas vezes são eles que provocam a interação entre as atividades previstas pelas salas, extrapolando os limites de cada uma. Portanto, as salas fazem parte de um contexto amplo, que os alunos podem explorar livremente, dando significado ao seu processo de construção de conhecimento e dele participando ativamente. O efeito produzido pelas salas é também amplo, global e horizontal. Percebe-se que o mesmo efeito não era alcançado anteriormente, quando o atendimento era desenvolvido em salas de aula tradicionais, pois por mais que se tentasse desenvolver uma maior articulação entre elas, o trabalho já era fragmentado na sua organização espacial. As produções desses dois anos (2003 e 2004) são infinitamente superiores em qualidades e avanços na construção do conhecimento e com seus efeitos extensivos à clínica. Houve maior interação e participação entre profissionais da educação e da saúde, nas SATs de forma cooperativa, sem o modelo de orientação. Desenho: Menino segurando o que parece ser uma colcha de retalhos e com os seguintes dizeres: "Quando as pessoas são diferentes dá pra saber quem é a pessoa e qual o jeito dela."Wadson *Referência Bibliográfica* FREUD, Sigmund “Inibição, Sintoma e Ansiedade”, in: S. Freud, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XX. (1926d[1925]). Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago. GOFFMAN, Erving. (1988), Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4ª edição, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. LACAN, Jacques. (1985), O seminário: livro 11,Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Tradução de M. D. Magno. 2a. edição. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. PIAGET, Jean (1976), A Equilibração das Estruturas Cognitivas – problema central do desenvolvimento.(1975) Tradução: Marion M. dos Santos Penna. Rio de Janeiro: Zahar Editores. Contracapa Secretaria de Educação Especial Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 6º andar, Gabinete Cep:70047-901 - Brasília - DF Telefone:0800616161 e-mail: seesp@mec.gov.br www.mec.gov.br Logotipos: - PNUD Brasil - Ministério da Educação - Governo Federal