Rosa, Enio Rodrigues da. A Educação da Pessoa Cega ou com Visão Reduzida: análise de alguns elementos. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Centro de Educação, Comunicação e Artes – Curso de Especialização em Fundamentos da Educação: Cascavel, 2004. INTRODUÇÃO Iniciar este trabalho monográfico, tomando como referência histórica a Revolução Francesa de 1789, representa o reconhecimento de que a geração da sociedade capitalista começa a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo (LEONTIEV, 1978, p. 266). Com base neste postulado, desde que os homens se libertaram da supremacia das leis biológicas evolutivas, constituindo-se pela ação do trabalho criador como seres históricos e sociais, geração após geração, eles vêm acumulando um conjunto de conhecimentos sociais que são transmitidos pelas gerações mais experientes às novas gerações, processo este alcançado por meio da educação social, ainda que, sob o capitalismo, haja a sistemática expropriação cultural das classes trabalhadoras. Nos primórdios da civilização humana, a forma de organização social baseava-se na propriedade comum dos meios de produção. Já o escravismo e o feudalismo assentavam-se na propriedade privada dos meios de produção. Dessa forma, em qualquer dos períodos anteriormente mencionados, as pessoas cegas foram educadas (informalmente) e assimilaram saberes/conhecimentos e valores, segundo a cultura de cada sociedade em que viviam, sendo que, em algumas delas, chegaram a desempenhar função “útil”, tais como educadores, remadores e prostitutas, como se verá ao longo deste trabalho. Numa perspectiva histórica, independente das condições sócio-econômicas, ou de características físicas, cognitivas ou sensoriais, cada criança nasce como pertencente ao gênero humano, mas se faz humana no conjunto das suas relações sociais, apropriando-se dos conhecimentos já produzidos pela humanidade, sempre em conformidade com as determinações econômicas, políticas, sociais e culturais existentes nos diversos e diferentes modos de produzir a vida material. Numa sociedade marcada pela divisão de classe, os saberes/conhecimentos, os valores, os hábitos e os costumes sociais apropriados, além de não serem iguais, também não estão disponíveis para todos, independente de uma pessoa possuir ou não cegueira. Como fator de privação da visão, depois de instalada definitivamente, a cegueira atinge por igual os cegos das famílias abastadas e os cegos das famílias das camadas inferiores. Porém, as condições de acesso e a qualidade daquilo que conseguem possuir para a satisfação das suas necessidades básicas, em termos de bens materiais e culturais, são qualitativamente e quantitativamente bem diferentes. Diante deste entendimento, parece ser necessário reconhecer que a cegueira não é uma categoria homogênea; como construção histórica, ela não possui um valor universal, no sentido de que basta ser cego para sofrer preconceitos e ser excluído socialmente por igual. Isto é tanto verdade que, mesmo antes da Revolução Burguesa, marco inicial da educação escolar formal para os cegos pertencentes às classes subalternas, outros cegos filhos da nobreza e da aristocracia, já eram cultos e ocupavam posição de destaque na sociedade. A maioria dos estudos brasileiros e de outros países que discutem o fenômeno das deficiências, adotam o método Positivista de investigação e exposição desta problemática social. Silveira Bueno (1993, pp. 55 e 56) analisando criticamente os trabalhos de autores que assumem esta base teórica metodológica, cita alguns nomes, dos quais destaca-se aqui para, exemplificar, Kirk e Gallagher: Historicamente podem ser reconhecidos quatro estágios de desenvolvimento das atitudes em relação às crianças excepcionais. Primeiramente, na era pré-cristã, tendia-se a negligenciar e a maltratar os deficientes. Num segundo estágio, com a difusão do cristianismo, passou-se a protegê-los e compadecer-se deles. Num terceiro período, nos séculos X VIII e XIX, foram fundadas instituições para oferecer-lhes uma educação à parte. Finalmente, na última parte do século XX, observa-se um movimento que tende a aceitar as pessoas deficientes e a integrá-las, tanto quanto possível (SILVEIRA BUENO, 1993, pp. 55 e 56). Este trabalho reconhece a importância deste método positivista de apreensão e exposição do fenômeno analisado sobre a deficiência, mas não compartilha do mesmo, preferindo adotar uma forma de exposição sem a preocupação com a caracterização de rígidas etapas, porque a história não é uma seqüência de fatos em escala linear, harmônicos e voltados sempre para o progresso evolutivo da humanidade. A história dos homens é a história das lutas de classes, dos conflitos, das contradições, do enfrentamento de teorias, de concepções de mundo, de sociedade, de educação, de cegueira e de tantos outros acontecimentos sociais, fruto do trabalho e da relação seres humanos-natureza, natureza-seres humanos com outros seres humanos, numa luta incessante em busca das condições vitais de sobrevivência, quer dizer, para fazer história os homens precisam primeiramente estar vivos. Isto é tanto verdade que o primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos (MARX e ENGELS, 1984, p. 40). Por outro lado, merece também uma consideração em torno da Educação Especial. Embora esta Educação tenha surgido no liberalismo com o intuito de promover escolarização às pessoas surdas e cegas, na continuidade não só se afastou do objetivo central da educação escolar, da transmissão de conhecimentos, como passou também a incorporar as deficiências mental e física e ainda a educação de outras crianças, jovens e adultos "perturbadores" da escola regular do ensino comum, transformando-se em legitimadora do processo de exclusão praticado pela escola, na medida em que esta não dava conta de compreender, lidar, assimilar alunos com certas (e pequenas) características desviantes do padrão capitalista de homogeneização. ao contrário do que afirma a grande maioria dos estudos que se dedicam à história da educação especial, além da ampliação de oportunidades educacionais a crianças que possuíam dificuldades pessoais que prejudicavam sua inserção em processos regulares de ensino, a ampliação da educação especial espelhou muito mais o seu caráter de avalizadora da escola regular que, por trás da igualdade de direitos, oculta a função fundamental que tem exercido nas sociedades capitalistas modernas: o de instrumento de legitimação da seletividade social (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 80). Apesar deste estudo reconhecer a necessidade de apoios, serviços e materiais didático-pedagógicos educacionais especializados, atualmente inseridos nas atribuições da Educação Especial, no seu processo ensino-aprendizado na escola comum, não faz parte das preocupações ao longo do seu desenvolvimento, tomar a Educação Especial enquanto objeto de investigação. Sem negar a histórica relação das pessoas cegas ou com visão reduzida com esta Educação Especial, este estudo busca inserir essas pessoas na relação com a totalidade social e com a escola comum, procurando tensionar esta reflexão para o outro pólo, isto é, afastando-se desta Educação Especial, identificada com práticas segregacionistas. Em razão desta opção política, não se fará menção e nem se buscará estabelecer conexão ou articulação com as outras áreas das deficiências, mesmo reconhecendo que elas compõem o conjunto da Educação Especial, guardando em certos aspectos uma proximidade, mas mantendo em outros, um distanciamento considerável. Já no tocante ao uso das terminologias Excepcional, Portador de Necessidades Especiais e Pessoa Portadora de Deficiência, faz-se necessário considerar que, embora sejam terminologias constantes de documentos oficiais e na literatura especializada, elas não serão aqui empregadas para se referir às pessoas cegas ou com visão reduzida, a não ser por exigência da norma. Neste trabalho, usar-se-á o termo cego, simplesmente, de acordo com argumentação a seguir. Do ponto de vista histórico, enquanto outras deficiências foram sofrendo modificações terminológicas ao longo dos tempos, desde os primórdios da civilização, independente das transformações que já ocorreram nos modos de produzir a vida material, o cego continua sendo aquela pessoa acometida pela cegueira, privado da visão sensorial, mas não se constitui num “inválido social”, conforme se demonstrará nos capítulos subseqüentes. A recusa do uso dessas terminologias tem como objetivo assinalar a discordância deste trabalho em relação à idéia de que todas as pessoas com deficiência são iguais, apenas pelo fato de possuírem uma deficiência, necessitando por isso os mesmos tipos de apoios, de serviços e dos mesmos profissionais especializados, ou então de escola especial. Por falta de esclarecimento ou por causa desconhecida, alguns especialistas muitas vezes acabam reforçando perante a sociedade e a escola regular, as dificuldades e limitações (algumas verdadeiras, outras fantasiosas) desse alunado, contribuindo em certos aspectos, muito mais com o aumento da recusa do que com a própria aceitação deles no interior da escola regular. Preservando a especificidade da área, à aplicação e uso dos termos de acordo com os momentos históricos, o estudo manterá a designação cego, para se referir à pessoa que possui cegueira, procurando acompanhar o movimento histórico, passando a utilizar-se de termos como pessoa com deficiência visual, com visão reduzida, etc., somente quando eles começarem a serem introduzidos nos discursos, nos documentos oficiais e na literatura especializada. Ainda neste ponto, parece importante explicitar o entendimento de cego/cegueira e de pessoa com visão reduzida a ser utilizado ao longo do trabalho, tendo-se presente que não existe uma única definição, principalmente no caso da pessoa com deficiência visual. Inclusive no campo das deficiências, há uma discussão teórica sobre a terminologia mais adequada. Anteriormente, referia-se socialmente, a “deficiente”, “caolho”, “aleijado”, “retardado”, entre tantos outros; tais termos, além de expressar preconceitos, não encontram rigor científico na caracterização da vivência destas pessoas. Para o Decreto Federal n.º 5.296/2004, a deficiência visual caracteriza-se por: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores (BRASIL, 2004, art. 05, § 1º, I, “c”). Apesar desta norma existem outras leis e documentos nacionais e internacionais de organismos e entidades governamentais ou não, propondo classificação pouco diferente. Para efeito de acesso aos serviços educacionais especializados de complementação do ensino comum, por exemplo, é considerado cego o aluno que necessita/faz uso da escrita e leitura em braile, enquanto o aluno com visão reduzida é aquele que necessita de textos ampliados, em qualquer proporção fora do padrão utilizado pelos alunos sem deficiência visual. Em documentos oficiais da Secretaria da Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação e Cultura (MEC), Área da Deficiência Visual, ou mesmo em textos de outros organismos nacionais ou internacionais, o uso do termo “pessoa com visão reduzida” não é muito comum. É mais freqüente o emprego de termos como: pessoa com visão sub-normal, com perdas visuais, com baixa visão, ou então pessoa com deficiência visual, abarcando nesta conceituação, tanto o cego (a) como a pessoa com visão reduzida, isto é, aquela que ainda possui um resíduo de visão. Embora possa se valer de outros termos, em alguns momentos, de acordo com o contexto social, este trabalho assume um posicionamento, preferindo utilizar-se da palavra cego ou cega, para se referir a uma pessoa que possui cegueira, e do termo visão reduzida para caracterizar uma pessoa que ainda possui um resíduo de visão. Por isso, no seu título traz: A Pessoa Cega ou com Visão Reduzida. Ainda neste aspecto, se faz necessário mais uma consideração: a pessoa cega ou com visão reduzida aqui considerada, não possui outra deficiência associada, como a mental, a física ou a surdez, situação que dependendo da natureza e grau de acentuação, poderia requerer outra avaliação e encaminhamento. Feita essas considerações, assinala-se que o objetivo fundamental desta pesquisa, dentro de alguns marcos históricos, políticos, educacionais e organizacionais, será verificar o aparecimento da escola institucional segregada para os cegos das camadas economicamente inferiores da sociedade capitalista, a concepção filosófica, a entrada no Brasil e o longo caminho percorrido até se constituir numa política pública do Estado, implementada nas escolas regulares do ensino comum. Em caráter provisório, o presente estudo pretende também apontar eixos temáticos para possíveis investigações futuras nesta área específica. Para dar conta do objetivo pretendido, o presente estudo será organizado em três capítulos: I - A cegueira e a luta de classes; II - A segregação e a integração: dois modelos de educação para cegos; e III – Alguns aspectos da educação da pessoa cega ou com visão reduzida no Paraná. No primeiro capítulo serão assinalados alguns elementos onde se discutirá teoricamente numa perspectiva política e histórica, compreendendo o cego como uma pessoa produzida historicamente e inserida nos conflitos e contradições das lutas de classes. Ou seja, não há o cego em geral, mas no interior das classes sociais. Além disso, busca demonstrar também que é no contexto da sociedade capitalista que surge a educação escolar para os cegos das classes economicamente subalternas. Já o capítulo segundo investiga a entrada, no Brasil, do modelo francês segregacionista como a transposição de uma experiência desenvolvida numa realidade de relações capitalistas de produção, já com um grau avançado de desenvolvimento das forças produtivas, para um contexto sócio-econômico ainda assentado nas relações escravocratas de produção, voltada para a monocultura de exportação. Após mais de um século de predominância deste modelo, começa a conquistar espaço a experiência da integração importada dos Estados Unidos da América, culminando posteriormente com a presença desses alunos nas escolas regulares do ensino comum. Finalmente, no terceiro capítulo, serão abordadas algumas considerações no tocante às dificuldades enfrentadas pelas pessoas cegas ou com visão reduzida, no Paraná, com relação ao acesso no ensino regular comum e no mercado de trabalho, base material sob a qual se assentam as demais formas de exclusão social da maioria das pessoas deste segmento. Também serão examinados alguns elementos sobre a importância da organização política dos cegos, no município de Cascavel, na perspectiva da luta pela inserção social. O último aspecto a esclarecer, diz respeito a algumas das citações contidas ao longo deste trabalho, considerando que foram transcritas conforme textos digitalizados e podem não corresponder exatamente aos originais impressos. Atualmente, um número cada vez maior de pessoas cegas se utilizam do computador por meio de programa de voz – como é o caso do autor desta pesquisa - alternativa que tem ampliado a possibilidade do acesso à cultura, fato que não deve substituir os textos impressos em braile ou ampliados. CAPÍTULO I A CEGUEIRA E A LUTA DE CLASSES Ao iniciar o primeiro capítulo deste estudo monográfico, tomando como referência histórica a Revolução Francesa de 1789, faz-se necessário esclarecer que isto aconteceu porque parece ter sido a partir dos ideais da educação para todos, preconizado pela classe burguesa, que a educação formal para as pessoas cegas das camadas inferiores, apareceu pela primeira vez como preocupação estatal. No entanto, isto não significa afirmar que antes deste período, nos outros modos de organização e produção da vida material, em particular no escravismo e no feudalismo, não havia cegos cultos, que receberam instrução e ocuparam posições importantes na sociedade, tendo mesmo chegado à condição de professores universitários, posição impensada para um cego servo, por exemplo. Com os novos ideais de mobilidade social, individualmente, isto poderia ser possível até mesmo para os cegos pertencentes às camadas inferiores, deixando de ser um privilégio da nobreza, a partir do momento em que a burguesia ascendeu ao poder e pôs em marcha o seu projeto educacional, inspirado na crença da eliminação das diferenças entre as pessoas e as nações, por meio de uma educação gratuita, laica e para todos. Neste aspecto, o projeto da burguesia foi de fato revolucionário e constituiu-se num marco histórico importante para a humanidade. O ano de 1789 representou a conquista definitiva do poder político por parte desta classe que já detinha também o poder econômico. A partir deste instante, a burguesia passou a controlar o aparelho do Estado, apropriando-se e colocando a seu serviço esta estrutura que, sob o comando da nobreza e do clero, já vinha dificultando e impedindo o desenvolvimento da produção e dos avanços científicos que o novo período histórico exigia. Esta nova classe dominante, que tem a sua origem ainda nos primeiros mercadores de séculos atrás e que nasceu revolucionária por proclamar o direito à propriedade, à liberdade e à igualdade individual de condições frente à nobreza e ao clero, conseguiu convencer sobre os seus ideais, os servos, camponeses e artesãos que viviam presos aos senhores feudais e aos mestres de ofício. A velha sociedade feudal cuja propriedade se herdava por sangue e era calcada nos privilégios de camadas superiores, que viviam como parasitas dificultando a todo o custo os negócios de quem trabalhava para pagar os pesados tributos do Estado, já não correspondia mais aos interesses dos modernos industriais e banqueiros. A emergente burguesia, que com a ajuda dos trabalhadores lutara contra os privilégios da aristocracia e do clero, conseguiu de uma só vez subjugá-los, transformando-se na classe hegemônica, principal possuidora do poder econômico e político, assumindo como conseqüência disso, também o controle cultural e ideológico da sociedade. Para Marx, A revolução política que derrubou este poder senhorial, que fez ascender os assuntos de Estado a assuntos do povo, que constituiu o Estado político como incumbência geral, isto é, como Estado real, destruiu necessariamente todos os estamentos, corporações, grêmios e privilégios que eram outras tantas expressões da separação entre o povo e sua comunidade (MARX, 2002, p. 39). Com a superação da velha forma de organização social, a burguesia se colocava na condição de explorar sem nenhum empecilho de natureza jurídica ou moral, um seu "igual" trabalhador liberto do senhor feudal, agora também proprietário da sua própria força de trabalho e livre para firmar um contrato de compra e venda de mercadorias, regulado apenas pelas leis da livre concorrência do mercado. Desde a passagem das comunidades primitivas baseadas na propriedade coletiva para o modo de produção escravista, assentado na propriedade privada dos meios de produção, a exploração de uma classe sobre a outra, tem sido o principal fator a justificar o processo de exclusão/marginalização de povos inteiros. Nos estudos, realizados pelos economistas burgueses antecessores de Marx, de modo particular Adam Smit e David Ricardo, admitiam-se que a formação da riqueza advinha da exploração feita pela classe burguesa sobre a classe trabalhadora, mas o que ainda não se havia aprofundado, antes de Marx, eram os mecanismos desta exploração (explicitados pela tese da "Mais-Valia"). Para Marx, no capitalismo existe uma aparência enganadora que distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do sistema do salariado, até o trabalho não remunerado parece trabalho pago. Situação diferente apresentava-se no escravismo e no feudalismo. Se no primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força, no segundo, parece entregue voluntariamente (MARX, 1996, pp. 101 e 102). Isso acontece porque, no trabalho dos escravos parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro está que, para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas, como entre ele e seu senhor não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de graça (MARX, 1996, p. 103). Por outro lado, tome-se o camponês que até bem recente ainda existia em toda a Europa ocidental. Este camponês, diz Marx, (...) trabalhava três dias para si, na sua própria terra, ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes realizava um trabalho compulsório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais podem estourar de indignação moral ante a idéia disparatada de que se obrigue um homem a trabalhar de graça (MARX, 1996, p. 103). Desvelando todo o conteúdo teórico e prático da exploração a que eram submetidos os trabalhadores, Marx arremata: (...) na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar três dias na semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina, 6 horas para si e 6 horas para o seu patrão; ainda que nesse caso a parte do trabalho pago e a do não remunerado, apareça inseparavelmente confundida e o caráter de toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento recebido no fim da semana (MARX, 1996, p. 103). Como não faz parte do objeto deste trabalho, não se avançará em explicações detalhadas da teoria da "Mais Valia", fórmula pela qual Marx explicitou com riqueza de exemplos, a forma como o patrão se apropria indevidamente da grande parte da produção efetuada pelo trabalhador. Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário do operário, enquanto a outra parte fica sem remuneração, e ainda que esse trabalho não remunerado ou sobre- trabalho seja precisamente o fundo de que se forma a mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago (MARX, 1996, p. 101). Com isso, Marx demonstrou pela primeira vez na história, que a única classe produtora de riquezas no capitalismo é a classe trabalhadora. Mas contraditoriamente, além de ser alienada do controle da produção e dos produtos que produz, é também alienada ideologicamente, na medida em que não percebe o mecanismo de exploração escondido por detrás de uma relação tida como "natural", protegida sob a aparência de um contrato e do pagamento de um salário. Para o efeito deste estudo, pelo menos na sua exposição inicial, a citação a seguir parece ser bastante elucidativa ao demonstrar o quanto a exploração é degradante, a ponto de tornar inválido um enorme contingente de mão-de-obra, situação que não se constituía num problema para o capital, em função da liberação da grande quantidade deslocada para as cidades com o processo de cercamento dos campos. Neste sentido, utilizando-se de um relatório do Dr. J. T. Arledge, médico-chefe do hospital de Staffordshire (Inglaterra), Marx considera como classe, os oleiros, homens e mulheres, que constituem uma população física e moralmente degenerada. São, em geral, raquíticos, mal constituídos, de tronco deformado. Envelhecem prematuramente e morrem relativamente jovens; fleumáticos e anêmicos, eles manifestam a fraqueza de sua constituição por acessos constantes de dispepsia. Efeitos desses processos são as complicações do fígado, dos rins e reumatismo. Mas estão principalmente sujeitos aos males do aparelho respiratório: pneumonias tuberculose, bronquite e asma. Existe mesmo uma forma de asma que lhes é característica e conhecida sob o nome de asma ou tuberculose dos oleiros - a escrofulose - que ataca as glândulas e outras partes do corpo; é uma doença que atinge mais de 2/3 dos oleiros. (MARX: 1983, p. 100) Na verdade, esta exploração não se limitou apenas às indústrias da Inglaterra, país onde o processo fabril começou mais cedo, estendeu-se pelo mundo todo e constitui-se numa característica própria do sistema capitalista. A avidez da acumulação por parte dos capitalistas foi tamanha, durante o período manufatureiro até a consolidação da industrialização (ainda continua), que apenas a exploração da força de trabalho do pai de família não era o suficiente; mulheres e crianças também foram submetidas a condições degradantes de trabalho, conforme apurou um estudo inclusive nas indústrias francesas. "Há Algo de Degenerado no Reino da Indústria Moderna", diz Rocha, num estudo em que demonstra: Em 1837, o próprio Villermé, estudando as condições dos dez departamentos mais industrializados constatará que, dentre dez mil jovens alistados, a inacreditável porcentagem de inválidos e deformados é de 89,8%, ou seja, mesmo entre os sobreviventes da indústria, nove em cada dez estava definitivamente deformados por ela (ROCHA, 1997, p. 21). Além disso, continua o mesmo autor: O relatório nacional sobre o estado físico dos rapazes alistados em 1866 revela que, simplesmente, um terço da população de jovens franceses tem que ser reformada (recusada para o serviço militar) por incapacidade física: raquíticos, mutilados, reumáticos, corcundas e mancos são algumas das categorias nas quais se enquadram as juventudes que a espoliação fabril e sua miséria degradaram (ROCHA, 1997, p. 22). Para esta massa desalojada à força do solo, a revolução industrial e científica, que foi a marca distintiva da nova ordem fundada no progresso da sociedade, não restou alternativa, a não ser fazer parte das estatísticas oficiais das indigências, que de forma cada vez mais acelerada, engrossava as periferias dos grandes centros urbanos industriais da Europa. É diante desse quadro de verdadeira degradação humana, que (...) observando aquela imensa população miserabilizada nos bairros fabris que Morei, em 1857, formularia sua teoria da degenerescência humana. Seu tratado degenerescência humana exercerá enorme e imediata influência, inaugurando a chamada nova e científica medicina mental (ROCHA, 1997, p. 22). "Nova e científica medicina mental", campo próprio da biologia, ciência natural que passará a exercer grande influência - por que não dizer: dominação - em praticamente todas as áreas do conhecimento humano, a partir da instauração da sociedade burguesa. Tomada como critério de verdade, em oposição ao adotado pela igreja até então, a ciência positiva por meio da investigação, da experiência, do mensurável, da exploração das coisas naturais, punha abaixo a velha concepção da contemplação voltada para as alturas, afastada do mundo terreno. Mesmo não sendo objeto deste trabalho, aqui parece importante deter-se um pouco mais, em razão do domínio que a ciência biológica passará a exercer nos diagnósticos sobre pessoas com deficiência, particularmente na área da medicina e da educação. Os debates no campo da ciência sobre se as leis da biologia são ou não determinantes nos destinos dos Homens, não começaram apenas com as descobertas da ciência moderna. Nesta polêmica, existem basicamente duas concepções com posições bastante antagônicas. Se por um lado, a primeira entende que as leis da biologia são determinantes nos destinos dos homens, a segunda, por sua vez, afirma que os homens não escapam às leis da biologia, mas sustentam que as pessoas se fazem humanas no conjunto das suas relações sociais. Neste confronto, se por um lado às ciências biológicas modernas trouxeram importantes avanços para a humanidade, por outro não se pode negar que certas concepções, defendidas por cientistas mais reacionários, assumem posições extremamente perigosas, sem ética e altamente preconceituosas contra grupos estigmatizados, que fogem ao padrão de perfeição baseada em critérios puramente biológicos. Em nome deste objetivo, certos cientistas defendem a (...) reprodução dos membros das classes privilegiadas da sociedade e das raças superiores, limitando, pelo contrário, a reprodução das camadas inferiores da população e dos povos de cor, os eugenistas pregam a necessidade de instaurar uma seleção sexual artificial como a que se pratica para o apuramento de uma raça de animais domésticos. Vão mais longe e preconizam a esterilização obrigatória e mesmo a eliminação física das pessoas hereditariamente deficientes e de populações inteiras (LEONTIEV, 1978, p. 282). Concluindo, o mesmo autor denuncia que essas "teses monstruosas e inumanas não ficaram apenas no papel; encontraram a sua aplicação prática nos campos de morte fascistas e nos atos de violência dos colonizadores racistas" (LEONTIEV, 1978, p. 282). Portanto, assumindo um posicionamento de classe, (...) a ciência da degenerescência já tinha comprometido seus diagnósticos profissionais, quando formulara sua doutrina: os resultados da degradação causada pela fábrica será diagnosticada como manifestação sintomática de degenerados que já vinham se afastando da normalidade humana há gerações (ROCHA, 1997, p. 22). Nota-se que a ciência positivista que se reivindicava neutra, autônoma do Estado e da sociedade, livre das influências políticas e econômicas, assume, portanto, a sua posição de classe, condenando à condição de subespécie, de espécie anormal, de lixo humano, toda aquela massa de miseráveis da qual o capital havia extraído até a última gota de sangue, suor, lágrimas e fibras musculares. Se na velha comunidade feudal havia três agrupamentos de pessoas com funções bem definidas (nobres, servos e cléricos), na sociedade burguesa, no interior das duas grandes classes (burgueses e proletários), existem outras subdivisões, criadas pelo aumento da divisão social do trabalho. A intensificação do processo de racionalização na indústria, aliada à complexidade do aumento da urbanização, trouxe demandas sociais nas áreas de saúde, habitação, alimentação, saneamento, educação, etc., geradas pela exclusão cada vez maior de massas que não eram absorvidas como mão-de-obra, transformando-se num problema para o capital. A burguesia não ignorava tal situação, nem tão pouco o risco que essa massa dividida, desordeira e estigmatizada oferecia, tanto que tratou logo de encontrar formas de isolar, em lugares apropriados e seguros (para o capital), os perturbadores da ordem social. Em 1737, em Bicêtre, procurou-se fazer uma divisão racional em 5 "empregos": no primeiro, a casa de detenção, os calabouços, as celas de loucos e as celas para os internados por cartas régias; o segundo e o terceiro "empregos" são reservados aos "pobres bons", bem como aos "grandes e pequenos paralíticos", sendo os alienados e os loucos colocados no quarto; o quinto grupo, para os doentes venéreos, convalescentes e crianças da correição (FOUCAULT, apud SILVEIRABUENO, 1993, p. 62). Diante deste quadro, não é difícil perceber que a igualdade de condições e a liberdade reclamada pela burguesia efetivamente não eram para todos, assim como também não serão para todos, os benefícios do progresso do novo período histórico alcançado pela humanidade. Para Manacorda (1997, p. 249), as transformações ocorridas na base material da produção, junto com os processos de trabalho, modificaram "também suas idéias e sua moral e, com elas, as formas de instrução". Essas transformações na infra e super estrutura, não ocorrem de formas separadas do conjunto das relações sociais, tanto que ao mesmo tempo em que as novas forças produtivas foram-se desenvolvendo, exigia-se conseqüentemente modificações na instrução para atender as novas necessidades técnicas e científicas do momento. Neste sentido, as primeiras "iniciativas escolásticas estatais, especialmente na Alemanha, são as premissas políticas do sistema moderno de instrução estatal obrigatória, orientada para os estudos científico-técnico" (MANACORDA, 1997, p. 236). Assim, ao começar a incorporar a educação como uma obrigatoriedade sua, o Estado burguês ainda em fase de consolidação, tomava duas providências básicas: por um lado, fazia sua uma bandeira, uma reivindicação dos próprios trabalhadores; por outro, ao assumir a formação instrucional dos operários e seus filhos, livrava a burguesia deste dispêndio monetário, não precisando mais ela própria formar profissionalmente os seus operários, contribuindo conseqüentemente com o processo de acumulação capitalista. Mas como não podia ser diferente, dado a correlação de forças desfavorável para os trabalhadores, o projeto educacional vitorioso foi o da classe dominante, que tinha como protagonistas mais significativos desta nova fase na França, Babeuf e Condorcet. Condorcet, por exemplo, aborda a natureza e "os fins da instrução pública, sobre a instrução comum para todas as crianças, sobre a instrução comum para os adultos, sobre a instrução relativa às ciências" (MANACORDA, 1997, p. 250). Os ideais desta educação, proclamam uma profunda convicção de um infinito (...) progresso do homem nos vários estágios de sua história rumo a um estágio em que desapareceria a desigualdade entre as nações e as classes, e se concretizaria a indefinida perfectibilidade do indivíduo. Condorcet sustentava a necessidade de uma instrução para todo o povo, aos cuidados do Estado e inspirada num laicismo absoluto: uma instrução, enfim, "única, gratuita e neutra" (MANACORDA, 1997, p. 250). O informe de Condorcet constituiu um grande passo adiante e a proposição de gratuidade do ensino representou, por si só, um grande avanço. Mas para uma criança que aos cinco anos precisava trabalhar o dia todo na indústria para ajudar no sustento do lar, que diferença fazia se o ensino era gratuito ou não? (PONCE, 1992, p. 141). Mais de cinqüenta anos depois da aprovação do projeto de Condorcet na França, Marx apoiado num relatório do inspetor de fábricas inglês, Leonardo Horner, de 30 de junho de 1857, que fiscalizava o cumprimento da Lei sobre fábricas, expõe: "não era raro encontrar certificados onde a assinatura era representada por uma cruz, pois o instrutor ou a instrutora não sabiam escrever" (MARX, 1996, p. 93). Referindo-se às condições dos ambientes onde as crianças estudavam nas fábricas nos dias e horários previstos, tomando-se por base o mesmo relatório, Marx continua: (...) além desses chiqueiros miseráveis onde as crianças obtêm certificados escolares por uma instrução mínima, existe um bom número de escolas cujo mestre é competente, mas seus esforços chocam-se frente a essa quantidade espantosa de crianças de todas as idades, a partir de três anos. Seu salário, sempre insuficiente, depende unicamente do número de crianças que ele pode enfiar numa sala (MARX, 1996, p. 93). A educação auspiciada pelo Estado, assim como ele próprio, não suprimem as diferenças de classes pela simples força da lei e da boa intenção política, pois tanto os filhos da nova classe capitalista, como os da velha nobreza arruinada (exceto alguns casos), continuavam tendo educação, porque na prática não dependiam nem da lei e nem do Estado para isso. Tal afirmativa é tanto verdadeira que, mesmo antes da Revolução Francesa e do aparecimento da educação especial estatal, por exemplo, até mesmo os cegos filhos das famílias abastadas, eram cultos e ocuparam posições importantes na história, como afirmado anteriormente. De qualquer maneira, dentro dos ideais de educação para todos da classe burguesa, como forma de ampliação/equiparação de oportunidades, também estava contemplada a educação escolar para as crianças/adultos com características pessoais diferentes, que precisavam de sistema escolar separado, dadas as suas especificidades. A educação especial moderna, que nasceu dentro do movimento de democratização e universalização do ensino empreendido pela burguesia contra os privilégios e regalias da nobreza, ao lado da extensão da escolaridade a crianças que, por características pessoais, não conseguiam usufruir de processos regulares de ensino, exerceu também o papel de segregadora daqueles que atrapalhavam ou, pelo menos, não se adequavam às exigências do desenvolvimento das modernas sociedades capitalistas (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 137). É neste contexto histórico, como uma resposta dos ideais da burguesia, que nasce a escola oficial para os cegos das classes subalternas, com a criação do Imperial Instituto dos Jovens Cegos de Paris, em 1784, por iniciativa do educador Valentin Hauy. Até aquele momento, em que praticamente nada havia para esses cegos a não ser a mendicância, o abandono dentro do próprio lar ou em alguma ordem religiosa, a iniciativa da educação formal, representou um passo importante, pois pela primeira vez abria-se a possibilidade de acesso à escolarização para um segmento antes sequer pensado nesta perspectiva educacional. Neste sentido, faz-se necessário frisar que, a educação especial nasceu com caráter escolar que nunca se perdeu, mesmo quando sob circunstâncias e condições específicas, quer fosse na transformação da escola de Hauy em asilo para trabalhadores cegos, quer em relação às atuais oficinas pedagógicas, as quais, em grande parte, se constituem quase que somente em local de trabalho para deficientes não absorvidos pelo mercado de trabalho (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 138). Após estas considerações, efetuadas com o intuito de tentar averiguar em que circunstâncias históricas surgiu a educação formal para os cegos, parece necessário fazer algumas ponderações sobre a vida dos mesmos antes deste período. Como não faz parte deste trabalho a investigação sobre as concepções em relação à cegueira, desde as comunidades primitivas mais remotas até a Revolução Francesa, as considerações a seguir não serão aprofundadas, possuindo apenas um caráter de registro. Sem se deter em particularidades e tomando-se por base, por assim dizer, uma linha no tempo, pode-se dividi-la em três períodos em que há diferentes concepções sobre a cegueira: a primeira, mística ou religiosa, estende-se desde a Antigüidade até boa parte da Idade Moderna; a segunda, a biológica ou ingênua, baseia-se na ciência positivista experimental; e a terceira, a cientifica ou sócio-psicológica, aponta na perspectiva da superação das duas anteriores, buscando uma nova compreensão sobre a cegueira e o cego, pautada na linguagem como elemento essencial na apropriação da cultura humana acumulada (VIGOTSKI, 1997, p. 74). Sobre o primeiro período, o próprio Vigotski, em resumo, assim se manifesta: O cristianismo, que trouxe consigo a superestimação dos valores espirituais, na essência, variou só no conteúdo moral desta idéia, mas deixou invariável a própria essência. "Aos últimos aqui", dentro dos quais também se incluíam os cegos, prometeu convertê-los "nos primeiros lá". Na Idade Média este era o dogma mais importante da filosofia da cegueira, no qual, no conjunto de toda privação e sofrimento viam um valor espiritual; o pátio da igreja foi entregue aos cegos como possessão absoluta sua (VIGOTSKI,1997, p. 75). Vários autores, que analisam a educação dos cegos numa perspectiva idealista e evolucionista, procuram atribuir ao cristianismo a superação da chamada fase da eliminação física (afirmação que merece algumas reservas no tocante aos cegos), esquecendo-se de mencionar dois aspectos importantes: por um lado, as condições materiais objetivas propiciadas pelo modo de produção feudal, possibilitando o desenvolvimento da família nuclear e o próprio aproveitamento do trabalho das pessoas cegas em algumas atividades, além, é claro, como elemento secundário, da idéia da alma boa para Deus mesmo abrigado num corpo imperfeito; por outro, o profundo preconceito do pensamento cristão, que não via nos cegos nada além de mendigos, pois a própria Igreja Católica proibia a eles o exercício do ministério, do sacerdócio. Nesta fase da exposição, merece também lembrança a punição com a perda da visão, prática largamente utilizada ao longo da história, como forma de castigo, por falta, por vingança, por erros/falhas ou desobediência contra os superiores . Além da punição terrena, como se verá logo mais adiante, também há na concepção judaico-cristã, a punição divina, pela qual alguém é condenado à cegueira em razão de pecados cometidos. Este pensamento encontra-se enfatizado, por exemplo, na narrativa de João 9: 1-7 1: Caminhando, viu Jesus um cego de nascença. Os seus discípulos indagaram dele: Mestre, quem pecou, este homem ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem este pecou nem seus pais, mas é necessário que nele se manifeste as obras de Deus. Na mesma linha, entretanto, sob o aspecto mitológico, um dos episódios da tragédia grega mais difundido pelo mundo, afirma que: Ao descobrir toda a verdade, com a ajuda do adivinho cego, Tirésias, o rei Édipo arrancou os próprios olhos e viveu o resto de seus dias em total isolamento, numa atitude de auto-punição e desespero (SILVA, 1986, p. 95). No entanto, no plano da realidade material, talvez uma das mais cruéis formas de punição cometidas contra um grupo de homens a serviço de uma Nação em batalha, a Bulgária, aconteceu a pouco menos de mil anos, quando o Imperador Bizantino, Basílio II, após derrotar as tropas inimigas, mandou arrancar os olhos de 15.000 soldados e cativos. Nascido em 958 e falecido em 1025, Basílio reinou entre os anos 976 e a data de sua morte. Entre as suas campanhas militares mais significativas para a História Bizantina, destaca-se a que empreendeu em 1014 contra a Bulgária. Nesta guerra, Sua crueldade infligiu uma vingança fria e estranha a 15.000 cativos que haviam sido culpados apenas de defender seu país. Foram privados de sua visão, mas para um em cada cem, um só olho foi deixado, para que pudesse conduzir a sua centúria cega à presença de seu rei. Dizem que seu rei faleceu de pesar e de horror; a nação toda ficou traumatizada com esse terrível exemplo (GIBBON, apud, SILVA, 1986, p. 187). Quanto à segunda época/concepção apontada por Vigotski, a biológica ou ingênua, alguns aspectos serão assinalados ainda neste capítulo. Já a terceira não fará parte deste estudo, exceto breves menções dentro de uma questão específica, mas sem a preocupação de desenvolvê-la. Excluindo-se, então, a idéia mitológica, mas mantendo-se a genialidade, a sabedoria e o espírito elevado, são relatadas a seguir as histórias de alguns cegos cultos, provavelmente pertencentes às classes abastadas, dado ao alto grau de escolarização que conseguiram alcançar naqueles tempos, condição impensada para os cegos filhos dos camponeses servos, que nasciam e morriam na mesma posição social. Dentre os cegos cultos destaca-se: Dídimo de Alexandria, Nicolas Saunderson, John Metcalf, Leonhard Euler, Thomas Blacklock, Maria Tereza Von Paradis. Dídimo de Alexandria foi um teólogo cego que perdeu a visão aos cinco anos, quando começava aprender a ler. Contudo, isso não o fez desistir de aprender, gravou as letras num alfabeto de madeira e através do tato formava as sílabas, as palavras e as frases completas. Além deste recurso, tinha ledores próprios à sua disposição, o que lhe possibilitou acesso a várias obras de literatura, de filosofia e principalmente religiosas; por exemplo, da dogmática da Igreja Católica, a qual dominava com bastante conhecimento. Tomava providências para ouvir os professores e outros oradores com bastante atenção, memorizando e refletindo posteriormente sobre o assunto quando se encontrava sozinho. Conhecia bem a filosofia de Platão e Aristóteles, além do Velho e Novo Testamento, sobre os quais explicava e discutia com profundidade. Dídimo foi diretor da Escola de Alexandria entre 345 e 395 D.C., cargo que ocupou até um ano antes de sua morte, por indicação de Santo Atanásio. Entre os seus alunos mais renomados pode-se destacar São Jerônimo, Rufino e Paládio. Dídimo escreveu diversos estudos e deles os mais famosos são "Sobre o Espírito Santo" e "Sobre a Trindade" (SILVA, 1986, p. 162). Nicolas Saunderson nasceu em 1682 e faleceu em 1739; mesmo cego chegou a inventar uma prancheta de calcular e publicou várias obras, entre as quais destaca-se "Elementos de Álgebra". O primeiro volume desta obra expõe um método que ficou conhecido como "aritmética palpável", que permite ao usuário fazer todas as operações de aritmética com o uso do tato. "Saunderson tornou-se professor brilhante na Universidade de Cambridge e foi um dos grandes expositores das teorias de Newton, dedicando-se de um modo todo especial às teorias da luz e das cores" (SILVA, 1986, p. 251). John Metcalf nasceu em 1717 e perdeu a visão aos 7 anos. Sempre foi muito hábil e muitas vezes as pessoas desconfiavam que não era cego devido à sua extrema facilidade em se movimentar, cavalgar e em nadar. A sua "genialidade" o levou a dedicar-se muito na construção de estradas e pontes. Foi conhecido nos meios oficiais ingleses como "Blind Jack". Sua competência comprovada na remodelação de estradas em péssimas condições e na construção de pontes, tornou-o uma figura imortal na história das estradas em todo o mundo ((SILVA, 1986, p. 251). Nascido em 1707 e falecido em 1783, Leonhard Euler foi um geômetra suíço que perdeu a visão aos 58 anos de idade e mesmo cego prosseguiu com as suas atividades científicas. Escreveu "Elementos de Álgebra" e três volumes sobre dióptrica, que é a parte da Física que estuda a luz, de acordo com os elementos que atravessa. Várias de suas obras foram premiadas pela Academia de Ciências, de Paris (SILVA, 1986, p. 251). Thomas Blacklock nasceu em 1721 e morreu em 1791, tendo perdido a visão aos 6 meses de idade devido ao sarampo. Desenvolveu muito bem seus estudos e chegou a se formar na Universidade de Edinbourgh. Tornou-se ministro evangélico em 1759 e destacou-se nas letras como um dos melhores poetas escoceses. É conhecido como "O Poeta Cego". Redigiu diversos tratados de teologia e foi colaborador da Enciclopédia Britânica, escrevendo um artigo sobre a cegueira. Escreveu também: "Consolações Tiradas da Religião Natural e Revelada", o poema épico "Graham" e "Observações sobre a Liberdade". Thomas Blacklock deu também apoio a poetas mais jovens, sendo Robert Burns o exemplo mais marcante (SILVA, 1986, p. 251). Maria Tereza Von Paradis, música nascida em 1759 e falecida em 1824, em Viena na Áustria, onde viveu praticamente toda a sua vida, fazendo várias apresentações em Paris como concertista. Mesmo tendo adquirido a cegueira aos cinco anos de idade, aprendeu piano e viajou como música por toda a Europa. Três óperas dessa compositora cega devem ser ressaltadas: "Ariane em Naxos", "Ariane e Baco" e "O Candidato Instrutor" (SILVA, 1986, p. 254). Na realidade, esses cegos conseguiram alcançar níveis de realização tão notáveis porque não eram abandonados ou entregues à própria sorte. Para que qualquer indivíduo se tornasse professor de Cambridge, engenheiro ou concertista, quer fosse vidente ou cego, seria preciso ter recebido instrução formal, fato que parece ter passado desapercebido por esses historiadores (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 62). Parece importante lembrar que as pessoas cegas anteriormente mencionadas não foram às únicas cultas e "brilhantes", registradas pelos estudiosos nesta área, embora sejam as mais mencionadas na cultura ocidental, provavelmente por pertencerem à aristocracia e a países que ocuparam posição de destaque na difusão desses conhecimentos pelo mundo. Por outro lado, numa sociedade de classes, não é a cegueira ou qualquer outro tipo de deficiência, o fator preponderante no aprendizado e desenvolvimento de uma pessoa, isto é, na aquisição da cultura social. Do contrário, como explicar que "foi extremamente notória em Roma também a utilização de meninas e moças cegas como prostitutas, além de rapazes cegos como remadores, quando não eram usados simplesmente para esmolar" (SILVA, 1986, p. 130). Diante do exposto, merece aqui consideração a forma positivista de exposição dos fatos. Enquanto os cegos cultos e "geniais" são apresentados com nome e a posição social de destaque, os cegos pobres nem sequer nome possuem, são meros objetos, coisas sem importância e significado, parecem nem ser de "carne e osso". Mesmo que tal digressão aconteça no campo da especulação, em função da falta de informações mais completas e confiáveis sobre o assunto, ainda assim parece notório o uso de cegos e cegas como fonte de exploração econômica em favor de outrem. Neste caso, as atividades prostituição e mendicância nem sempre são desempenhadas apenas como fator de sobrevivência própria de quem as pratica, pois junto com a atividade do remador, numa relação de classes antagônicas, as pessoas que praticam essas atividades transformam-se em mercadorias e são vendidas ou exploradas com fins de acumulação de riquezas, ou então, pelo menos trabalham para que outros vivam sem trabalhar. Além disso, parece plausível admitir que cegos também tenham sido aproveitados em outras formas de atividades econômicas, principalmente considerando a pouca divisão/especialização do trabalho social numa comunidade camponesa, ou em cidades ainda em fase incipiente de desenvolvimento mercantil e industrial. Por isso, como "adivinhos", "timoneiros", "conselheiros", "filósofos", "sábios", "prostitutas", "esmoleiros", "remadores" e outras "profissões", eles acabaram cumprindo uma função dentro da classe social a que pertenciam, não sendo, pois, ao que parece, correto considerá-los de tudo “inúteis e improdutivos”, dentro das condições históricas existentes. Embora tenham, ao longo da história, sido considerados improdutivos, uma coisa parece certa: pelo fato da cegueira, principalmente naqueles tempos, se constituir mais numa limitação de mobilidade ou locomoção (apesar de Metcalf ter sido uma prova viva do contrário), não trazendo maiores dificuldades de comunicação e da apropriação da cultura por meio da linguagem oral - situação na qual estava submetida praticamente toda a população. Dessa forma, os cegos acabaram de uma ou de outra maneira, exceto em algumas sociedades, desempenhando uma função social “útil’, tanto que nem o próprio capitalismo dispensou a exploração deste trabalho, ainda que tenha mantido a mesma forma humilhante, anteriormente a Revolução Industrial. Neste sentido, mesmo dentro do novo contexto econômico, político e social da Revolução Francesa, o ideal de igualdade de oportunidades preconizado pela burguesia, não contemplava a igualdade de acesso à propriedade e às condições econômicas, bens materiais, principalmente para os cegos das camadas inferiores, limitando-se apenas no plano formal. Para que a igualdade de oportunidades atingisse o seu objetivo social, seria preciso então, fazer da educação o elemento ideológico mediador na perspectiva da ascensão social, possibilidade que deveria ser assegurada a todos, independente das condições sociais ou características pessoais de cada indivíduo. Como já demonstrado acima, parece ser neste contexto de implementação e extensão do projeto educacional de inspiração liberal destinado às massas, que se caracteriza também "pelo surgimento das primeiras instituições públicas: o Instituto Nacional de Surdos Mudos, em 1760 e o Instituto dos Jovens Cegos, em 1784, ambos na cidade de Paris" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 64). Parece existir um consenso entre os estudiosos da educação especial, particularmente daqueles que se dedicam à educação dos cegos, em afirmarem que Valentin Hauy (1745- 1822), foi o fundador da primeira escola para cegos no mundo. Valentim Hauy, nasceu em Picardy, no ano de 1745, e foi enviado pela família à Paris, para completar sua educação, cidade onde permaneceu praticamente o resto de sua vida. Para Silveira Bueno, Hauy foi influenciado por alguns fatos: o primeiro foi o trabalho realizado pelo Abade de L'Epée, registrado em sua correspondência pessoal; o segundo foi o estudo de Diderot, Escritos sobre a cegueira; o terceiro foi sua sensibilidade frente à miséria de inúmeros cegos que, naquela época, em Paris, viviam da mendicância; e, por fim, seu contato com a famosa concertista cega Maria Thereza von Paradis, que incentivou-o a tomar essa iniciativa (FRENCH, apud SILVEIRA BUENO, 1993, pp. 67 e 68). Vivendo num contexto marcado por grandes transformações sociais, Valentin Hauy como homem do seu tempo não só foi influenciado por alguns fatos e idéias, como teve também as condições objetivas mínimas para avançar no seu intento de educar os cegos, contando inclusive com o apoio da nobreza parisiense. Na França assim como de resto em toda a Europa, vivia-se um intenso debate acerca de diversos assuntos, tanto no campo econômico, político, social, cientifico e cultural, como também na área da educação. Neste período da história, as discussões sobre a cegueira, os cegos e as suas possibilidades frente ao mundo, ainda eram, em grande parte, preocupações dos filósofos. Na opinião de Silva (1986, p. 254), merece destaque o filósofo francês iluminista Diderot (1713 - 1784), que foi quem formulou importantes contribuições teóricas sobre a educação dos cegos. Em 1748, Diderot publicou a "Carta Sobre os Cegos Para o Uso dos Que Vêem", documento que o teria levado à prisão em 1749, dado ao seu alto conteúdo de sensualismo epistemológico. Na nota introdutória a Carta de Diderot, fica claro que as causas de sua detenção, ao que tudo indica, são bem mais sérias e prendem-se à situação política e social da França de Luís XV. Pois trata-se de uma época em que pesadas cargas tributárias decorrentes de despesas bélicas, bem como o luxo da corte e as ostentações de Madame Pompadour, provocam violentas murmurações populares, acompanhadas de sátiras e panfletos oriundos dos meios intelectuais. O governo replica com severa repressão, em cujo âmbito foi provavelmente enquadrado o autor de Les Bijoux Indiscrets, sendo sua ‘Carta sobre os cegos’, que foi publicada anonimamente, incluída entre obras que estaria exercendo efeitos deletérios, por seu chocante sensualismo epistemológico (DIDEROT, 1979, p. 01). Logo no início de sua Carta, diz Diderot: "eu suspeitava muito que o cego de nascença, a quem o Sr. de Réaumur acaba de operar a catarata, não nos ensinasse aquilo que queríeis saber" (DIDEROT, 1979, p. 03). Uma operação de catarata nos dias de hoje é tão comum que não causa nenhuma estranheza, nem mesmo ao mais ardoroso fiel cristão, que só apela para o milagre quando já desenganado pelo médico. Mas, naquele tempo uma operação de catarata, assim como qualquer outra situação parecida que envolvesse a ciência, representava um rompimento com a velha concepção da cegueira como obra do pecado, por encarnação de espíritos maléficos, ou ainda do cego como objeto das manifestações das obras de Deus - ações caritativas. Relatando um diálogo entre o ministro Sr. Gervásio Holmes e o cego Saunderson (já apresentado anteriormente), nos instantes finais de sua vida, o iluminista Diderot desta vez, em uma passagem explicita a contradição entre o crente e o cético às coisas de Deus, o que era também uma outra polêmica da época: o enfrentamento do mundo terreno versus mundo celestial. O ministro começou por objetar-lhe as maravilhas da natureza: "Ah, senhor!, dizia- lhe o filósofo cego, deixai de lado todo esse belo espetáculo que nunca foi feito para mim (...) Se quereis que eu creia em Deus, cumpre que me façais tocá-lo (DIDEROT, 1979, p. 18). O conteúdo presente no fragmento acima reforça a idéia de que o cego só pode ver ou compreender aquilo que se pode tocar, pegar com as mãos; é a concepção que enfatiza o tato como elemento primordial no processo educacional e insere-se na segunda concepção caracterizada por Vigotski anteriormente, com um forte conteúdo biológico, característica própria da nova sociedade. Isso parece claro na interpretação que Silva faz de Diderot: a "famosa e discutida ‘Carta sobre os Cegos’, foi muito importante também devido à sua proposição para o ensino do cego a ler pelo uso do tato" (SILVA, 1986, p. 254). Além das idéias de Diderot sobre a possibilidade de educar os cegos, apresentadas na Carta já mencionada, Valentin Hauy acabou sendo motivado por outros dois fatos concretos. Eles foram presenciados na cidade de Paris e mais uma vez coloca frente à frente o antagonismo de classe: de um lado uma cega bem sucedida que fazia sucesso junto à nobreza, e do outro, cegos pobres que andavam perambulando pelas ruas esmolando e perturbando a vida da sociedade. Hauy fez uma comparação entre apresentações musicais da pianista e grande concertista e compositora Maria Tereza von Paradis de um lado, e de outro, os entristecedores e grotescos espetáculos dados por alguns cegos, muito inadequados em seu modo de trajar ou se comportar, tentando executar música na rua para chamar a atenção dos transeuntes e com isso angariar esmolas (SILVA, 1986, p. 255). Uma breve interpretação deste fragmento pode remeter a idéia de que Hauy esperava retirar os cegos daquela situação "grotesca" apenas oferecendo-lhes educação, desconsiderando, pelo contrário, a posição de classe ocupada pelos cegos mendigos. Como idealista, Hauy iniciou o seu trabalho de professor ensinando um jovem cego, François Lesueur, ainda adolescente que fazia da esmola uma forma de ajudar no sustento da sua família. Consta que para poder convencer o jovem a abandonar a atividade da esmola e dedicar-se aos estudos, Hauy teve que compensá-lo com os valores perdidos com o abandono do seu meio material de vida antes praticado. Utilizando-se de escrita em relevo, não demorou muito para que Hauy obtivesse bons resultados educacionais, com o que se sentiu motivado para fazer uma apresentação frente a um grupo de pessoas influentes da sociedade parisiense. Empolgado com os resultados obtidos, na segunda apresentação, conseguiu despertar o interesse da Sociedade Filantrópica, que cuidava de vinte cegos e que lhe solicitou que organizasse, com subvenção da Sociedade, uma classe para cegos que, se não chegou a se constituir em escola regularmente organizada, possuía, entretanto, ensino sistemático (FRENCH, apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 68). Sentindo a necessidade de ajuda financeira maior, Hauy recorreu a uma prática ainda muito comum nos dias de hoje pelos educadores de cegos: o exibicionismo público. Para isso, Hauy expôs os seus alunos à Academia de Ciências e apresentando exemplos de leitura através das letras em relevo, recebendo aprovação entusiástica, fato decisivo para que recebesse pensão real, podendo assim transformar sua classe inicial em escola que, em pouquíssimo tempo, recebia cerca de cinqüenta alunos (FRENCH, apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 68). A preocupação de Hauy com o conteúdo escolar pode ser evidenciada na tentativa que fez de compor um currículo, onde além da escrita por meio das letras em relevo, contemplava também o estudo das matemáticas, da geografia, da música e da instrução para o trabalho. O sistema de letras em relevo desenvolvido por Hauy, que tomava o tato como ponto de partida, apesar de ter representado um passo importante naquele momento, não dava mais conta de atender as necessidades de uma escola freqüentada por diversos alunos ao mesmo tempo. O processo de confecção em relevo de textos com escritas comum, além de ser um trabalho complexo que exigia tempo, tinha ainda como complicador o grande volume, o transporte e a dificuldade de manuseio pelos alunos e professores. Naquele momento, seria necessário o aparecimento de uma nova forma de escrita e leitura, para que a educação dos cegos pudesse dar mais um passo rumo à efetiva apropriação dos conhecimentos acumulados pela humanidade. Para que uma necessidade possa ser respondida concretamente, parece ser preciso que as condições objetivas necessárias ao seu desenvolvimento estejam dadas socialmente. No tocante a isto, naquele momento a humanidade já havia acumulado o conhecimento suficiente e as condições materiais objetivas necessárias, para que um novo sistema de escrita e leitura fosse desenvolvido e substituísse o Sistema inventado por Hauy. Como Hauy foi um homem do seu tempo, fazendo o que fez dentro das condições objetivas proporcionadas pelo seu período histórico, assim foi também com Luis Braille, o criador do novo sistema de escrita e leitura em relevo, possibilitando assim um novo progresso na educação escolar dos cegos. O homem que inventou um sistema que até hoje permanece como a melhor forma de escrita e leitura para cegos, nasceu em Coupvrai, em 1809. Era filho de um seleiro e ficou cego por um ferimento com uma sovela, quando brincava na oficina de seu pai, aos três anos de idade. Mesmo cego Louis Braille foi encaminhado para a escola de sua comunidade, onde foi aceito e junto com os demais alunos permaneceu até os dez anos de idade, sendo considerado aluno dedicado e com bom aproveitamento escolar. Consta que Braille só teria sido enviado ao Instituto de Cegos por uma única razão: seu pai não possuía recursos para enviá-lo a outra escola da região ou arcar com o pagamento de um preceptor. Se por um lado, a ida de Braille para o Instituto representou o afastamento da sua família e da comunidade em que vivia, por outro, lhe possibilitou entrar em contato com experiências e personagens importantes, condição que talvez não fosse possível se continuasse no interior. Foi no Instituto, que Braille teve a oportunidade de se pôr em contato com dois métodos de escrita e leitura, que lhe foram úteis como fonte de pesquisa para a elaboração do seu sistema. O primeiro foi o de Hauy, com o qual Braille iniciou os seus estudos e pôde constatar suas falhas. O segundo foi o de Charles Barbier, no qual Braille viu a grande possibilidade de superação do sistema de Hauy, que nesta ocasião já sofria críticas contundentes empreendidas não só pelos cegos. Embora Braille tenha se valido em particular do sistema de Barbier, parece importante compreender que o sistema de escrita e leitura por ele desenvolvido, não representou apenas pequenas alterações. As modificações foram de tamanha monta e significado histórico, que talvez fosse um equívoco afirmar que Braille apenas fez alterações no sistema de Barbier: na prática Braille como pesquisador, utilizando-se dos conhecimentos já acumulados, criou o seu próprio sistema. Charles Barbier, capitão do exército Francês, em 1808, havia criado um sistema em relevo denominado comunicação noturna, para auxiliar os seus soldados no recebimento de mensagens à noite, de modo a não deixar pistas aos inimigos. Em virtude de sua facilidade por ser também um sistema tátil, tal invento foi apresentado como possibilidade de substituir o sistema de Hauy que vinha vigorando no Instituto. Para Silveira Bueno, As vantagens do sistema de Barbier sobre o de letras em relevo eram evidentes, mas ainda apresentava uma série de dificuldades aos cegos, como o tamanho da cela, a quantidade de pontos (12) e a relação pontos-sons da fala, prejudicando o aprendizado da ortografia (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 73). A partir do instante em que Barbier apresentou o seu sistema para os cegos do Instituto, ficou evidente a sua superioridade em relação ao de Hauy. Apesar disso, o sistema de Barbier apresentava problemas que passaram a ser estudados não só pelos cegos de Paris. Quem atingiu o melhor resultado neste estudo, foi o jovem cego Louis Braille, que diminuiu a cela de Barbier para seis pontos, tornando sua decodificação possível num simples toque de dedo, alterando a correspondência pontos-sons da fala para pontos-letra escrita, eliminando, assim, os erros ortográficos inerentes ao sistema anterior (FRENCH, apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 73). Enquanto marco histórico e importância sócio-educacional, o que Braille fez parece ser muito maior do que reduzir de doze pontos para seis a cela do sistema de Barbier, alterar a correspondência ponto-som da fala para ponto-letra escrita, entre outras alterações; representou pela primeira vez na história da civilização humana, a possibilidade concreta de os cegos poderem ler e escrever por meio de um sistema que foi criado por um próprio cego. Concluída a primeira fase do seu trabalho, Em 1824, isto é, com apenas quinze anos de idade, Braille apresentou seu sistema ao Instituto que, mesmo diante da sua superioridade, insistiu por mais vinte anos no uso do sistema de letras e o de Barbier, apesar de Louis Braille ter sido seu professor por mais de quinze anos, período em que só podia ensinar seu sistema fora do horário normal de aulas (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 74). A resistência em adotar o sistema Braille, mesmo quando demonstrada sua superioridade e preferência pelos alunos do Instituto, provavelmente não ocorreu apenas pelo conservadorismo dos professores que não encontravam no novo sistema nenhum recurso visual. O sistema inventado por Braille, embora mantivesse o tato como elemento mediador no processo de escrita e leitura, dentro daquela conjuntura de grandes transformações em praticamente todos os campos do conhecimento, representou uma ruptura com o velho, isto é, este sistema atendia uma necessidade colocada pelo novo momento histórico. Talvez o pesquisador que melhor sintetizou o significado desta descoberta, tenha sido o psicólogo Russo Vigotski. Para ele, um ponto do sistema braile tem feito mais pelos cegos que milhares de filantropos; a possibilidade de ler e escrever tem sido mais importante que o "sexto sentido" e a agudeza do tato e da audição (VIGOTSKI, 1997, p. 77). Parece que Vigotski dá conta de expressar nesta idéia todo o conteúdo e significado que a descoberta de Braille teve para os cegos naquele momento histórico. A possibilidade de ler e escrever representou para os cegos, em termos comparativos, talvez o mesmo que a descoberta da escrita representou em importância para a humanidade. Diante disso, apesar de todas as resistências, o sistema braille foi "reconhecido oficialmente pelo Instituto como o ideal na substituição da linguagem escrita, em 1854, isto é, dois anos após a morte de seu criador" (FRENCH, apud SILVEIRA BUENO, 1993, p. 74). Mesmo enfrentando todas as formas de barreiras, tanto dentro do próprio Instituto, dentro da França e fora, em outros países e comunidades científicas, o novo sistema foi ganhando espaço e transformando-se pouco a pouco, na mais eficiente forma de os cegos terem o acesso à escrita e à leitura, pondo-se com isso, diante da possibilidade concreta de, pela primeira vez na história, apropriarem-se dos conhecimentos científicos já produzidos e acumulados pela humanidade. Se a criação de um sistema mais apropriado de ler e escrever, coube a um cego, são a eles, professores, alunos ou usuários cegos também, que se deve o mérito de o sistema ter-se tornado hegemônico e se propagado por todo o mundo. Essa hegemonia ocorreu por que o novo sistema era menos oneroso, de mais fácil confecção, de mais facilidade no transporte, de melhor manuseio por parte de professores e cegos, de maior e melhor eficácia nos resultados educacionais. Era, enfim, o sistema mais apropriado para assegurar aos cegos o mínimo de escolarização exigido pelos postos de trabalho que se abriam pelas indústrias. Na medida em que se desenvolvem as forças produtivas, mesmo naqueles setores mais artesanais da produção, passa-se a exigir um mínimo de instrução escolar. É neste contexto que o novo sistema passa a se impor, pois é inegavelmente o que melhor possibilita a aprendizagem da escrita e da leitura, marca característica e cada vez mais crescente no modo de produção capitalista. Boa parte dos estudos sobre a educação dos cegos que tratam do Instituto dos Jovens Cegos de Paris, constatam que apesar dos esforços de Hauy, houveram desvios em relação ao rumo inicialmente proposto. Isto apenas confirma que, apesar da boa intenção e vontade de Hauy e da comunidade filantrópica parisiense, havia condicionantes históricos e sociais, confirmando a tese segundo a qual bem pouco tempo após a sua fundação, o Instituto transformou-se num asilo, local de mão-de-obra cativa à disposição do capital, com a escolarização sendo relegada ao segundo plano. Para Silveira Bueno (1993, p. 74), no início do século XIX o Instituto dos Jovens Cegos se tornou praticamente um asilo-oficina, com a escolaridade se restringindo a plano inferior, já que o que importava era o aproveitamento do cego como mão-de-obra cativa e institucionalizada. Mesmo assim, para os cegos das classes inferiores como era o caso de Braille e outros seus companheiros, não restava alternativa melhor, a não ser viver ali confinado pelo resto da vida. Para a grande maioria daqueles cegos, o Instituto transformou-se em meio de vida, na medida em que, com ou sem qualidade, era ali que recebiam educação, da mesma forma, em condições adequadas ou não e também era ali que residiam. Diante das circunstâncias impostas pela realidade, não poderiam sobreviver sem um "trabalho manual imbecilizante, um arremedo de salário quando muito, ou senão um catre e um prato de comida" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 70). Resta então considerar que, Apesar de não poder deixar de reconhecer que Braille realizou a maior parte de seus estudos no Instituto, que foi aí que aprendeu música, tornando-se músico famoso, é imperioso verificar que, sob a capa de uma instituição cuja ação deveria reverter na integração social dos cegos, o Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris tornou dependente um homem notável (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 75). De fato, diante daquelas circunstâncias pode-se considerar que Braille foi um homem cego que fez a diferença no seu tempo, mas para não continuar se alimentando a falsa idéia do “gênio” como se tem cultivado, é preciso lembrar que ele partiu de um acúmulo de conhecimentos já produzidos, o que não lhe tira a condição de notabilidade alcançada dentro e fora da França. Desde a sua aceitação pelo Instituto de Paris, o sistema criado pelo jovem cego Louis Braille, se difundiu por toda a Europa tornando-se, no final do século XIX, no sistema de escrita oficial substitutivo em praticamente todos os países europeus (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 74). Ainda segundo Silveira Bueno: a unificação dos sistemas ocorreria somente em 1950, por ocasião da Conferência Internacional para a unificação do sistema braile, realizada em Paris (1993, p. 74). Junto com a difusão do sistema de escrita e leitura desenvolvido por Braille, não só para os países da Europa, difundiu-se também o primeiro modelo de educação liberal implementado para os cegos, baseado na segregação sócio-educacional. Além desta característica, outras três também farão parte do conteúdo da educação oferecida aos cegos e às demais pessoas com deficiência, particularmente nos países onde os ideais da educação liberal atingiu uma maior penetração. Deixando-se de lado a característica da segregação/internação, modelo destinado às pessoas com deficiência (inclusive as cegas), as outras três características (a condição de classe, a predominância dos aspectos biológicos, médicos, sobre os educacionais e a ambigüidade público-privado, com uma forte ênfase na filantropia) estão presentes na educação comum; são próprias da educação burguesa. A característica clínica insere-se dentro da concepção "biológica ou ingênua" assinalada anteriormente por Vigotski (1997, p. 74) e representa na educação dos cegos o predomínio da idéia de que os órgãos dos sentidos remanescentes, por meio de um desenvolvimento - aguçamento maior - natural, compensam as perdas do órgão perdido - a visão. A partir deste entendimento a educação dos cegos prioriza o seu conteúdo com o objetivo de estimular um maior desenvolvimento do tato, da audição, do olfato e do paladar, como forma de compensar a perda da visão. A exposição a seguir é demonstrativa do quanto a audição e o tato são enfatizados: "(...) que desejava ardentemente tocar em todos os animais que podia (...) com as mãos (...) "Ouçam!", ele disse "São os leões(...) Estávamos impressionados pela qualidade da audição de Virgil, sua atenção, agudeza e orientação auditivas, o quanto era proficiente com a escuta" (SACKS, 1996, p. 145). Por outro lado, Vigotski faz a crítica a esta concepção, afirmando que é falsa a crença segundo a qual: "(...) o defeito da vista provoca o desenvolvimento intensificado da audição, do tato e dos outros sentidos que ficam" (VIGOTSKI, 1997, p. 76). Junto com a concepção biológica-ingênua, apenas caracterizada, mas não desenvolvida anteriormente, uma outra também marcará a educação dos cegos em praticamente todo o mundo, em especial no Brasil: trata-se da caridade/filantropia. A caridade é um tipo de ação que foi enfatizada com o pensamento cristão, expressa nas obras de Deus e manifestada na ação individual ou coletiva - institucionalizada em uma ordem religiosa da Igreja (as), criada para angariar fundos junto à nobreza/burguesia para amparar os pobres e desvalidos. Para Marcílio (1997, p. 64), com a influência da filosofia do Iluminismo, do utilitarismo, da medicina higienista, das novas formas de se exercer a filantropia e do liberalismo, diminuiram-se drasticamente as formas antigas de caridade e solidariedade para com os mais pobres e desvalidos. As expressões "novas formas de se exercer a filantropia" e "diminuiu drasticamente as formas antigas de caridade", parece indicar que caridade e filantropia podem variar na forma, no tempo e no espaço, mas na essência o seu conteúdo continua sendo o mesmo na nova sociedade burguesa. Manacorda (1997, p. 287), ao relacionar "filantropia e progresso econômico", indica que a filantropia ajusta-se melhor à nova "Ordem e Progresso", constituindo-se assim na versão moderna da caridade, com a qual o homem burguês continua comprometido em toda a sua extensão. Isto apenas confirma que em cada fase do desenvolvimento histórico, encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos, que cada geração transmite à geração seguinte; uma massa de forças produtivas, de capitais e de condições que, embora sendo em parte modificada pela nova geração, prescreve a esta suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial (MARX e ENGELS, 1984, p. 56). A nova sociedade burguesa que em toda a sua extensão e conteúdo, foi introduzida e gerada ainda no "ventre" da velha comunidade feudal e trouxe no seu sangue elementos do sangue da nobreza e do clero, não poderia ver-se liberta em definitivo de certas características próprias de uma sociedade marcada pela divisão entre proprietários e não proprietários dos meios de produção. Silva (1986, p. 255) transmitiu a idéia do professor "pai e apóstolo dos cegos", fazendo de Valentin Hauy nesta área educacional, o filantropo mais significativo do liberalismo, conteúdo difundido pelos próprios liberais para outras regiões do mundo, seja através de governos ou de entidades privadas. Neste primeiro capítulo, resta expor ainda uma última idéia, que tem para os cegos e para este trabalho um grande significado, dado o seu conteúdo, principalmente se for considerado o período histórico da sua manifestação. Embora a escolarização tenha sido prevista inicialmente num modelo de classe onde estudavam somente os cegos em uma instituição segregativa, isso nunca foi totalmente aceito nem por todos os cegos, nem por certos educadores, que já no início do século XIX, previam que num breve futuro, crianças cegas estudariam junto com crianças não cegas em uma classe comum. No começo do século XIX, Johann Wilhelm Klein, que fundou uma escola para crianças cegas em Viena, dizia que futuramente os cegos seriam educados com as crianças normais; (CRUICKSHANK e JOHNSON, 1975, p. 55). Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Num discurso que pronunciou ao ser inaugurado o internato de Batávia, no Estado de Nova Iorque, Samuel Gridley Howe previu o declínio dos internatos e a crescente aceitação de alunos cegos nas escolas regulares (CRUICKSHANK e JOHNSON, 1975, p. 57). Esses discursos pronunciados tanto na Europa como nos Estados Unidos da América do Norte, já indicavam uma tendência que nos EUA começariam a transformar-se em realidade no final do século XIX e início do século XX, enquanto que no Brasil, por outro lado, isto viria acontecer somente a partir do início da década de 50 do século XX, no Estado de São Paulo, com as primeiras iniciativas de alunos cegos das classes trabalhadoras freqüentarem as escolas regulares do ensino comum. Pelo exposto até aqui, parece estar claro que argumentar contrariamente à presença de crianças cegas na escola comum, objetivamente significa continuar penalizando os filhos cegos da classe trabalhadora, já que os filhos cegos da classe dominante nunca enfrentaram este problema. Na prática, a educação que a elite destina aos pobres, não é a mesma que ela oferece aos seus filhos, cegos ou não. Sem se deixar cair na armadilha de supor que no projeto de educação para todos da classe burguesa, está o segredo para a superação dos antagonismos de classe, nem tão pouco na totalidade o conteúdo crítico para a sua própria superação, parece, entretanto, ser necessário reconhecer que os seus ideais possibilitaram pelo menos o surgimento da educação escolar para os cegos filhos da classe trabalhadora, situação impensada no feudalismo e muito menos no escravismo. O próximo capítulo procurará identificar o surgimento e o desenvolvimento da educação dos cegos no Brasil, desde a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, na cidade da Corte, até a fundação do CENESP - Centro Nacional de Educação Especial, em 1973, no Ministério da Educação. CAPÍTULO II A SEGREGAÇÃO E A INTEGRAÇÃO: DOIS MODELOS DE EDUCAÇÃO PARA CEGOS O contexto do surgimento da primeira escola para cegos no Brasil, é totalmente diferente daquele em que apareceu a escola de Paris. Se lá o capitalismo já estava consolidando o seu processo industrial baseado na compra da força de trabalho assalariada, aqui a base da economia ainda é a monocultura para a exportação, assentada na exploração da mão-de-obra escrava e o regime de governo ainda era o monárquico, ou seja, tudo aquilo que os países mais avançados da Europa deixavam para trás, no Brasil mantinha-se inalterado. A chegada da Família Real Portuguesa na Colônia do Brasil, em 1808, escoltada pela marinha inglesa que lhe havia protegido de possível ataque dos franceses durante a viagem, teve desdobramentos com conseqüências para o futuro do país. O pagamento da proteção veio imediatamente por parte de D. João, através da abertura dos portos brasileiros para a entrada e a conseqüente redução das tarifas alfandegárias dos produtos manufaturados das indústrias da Inglaterra, marcando o fim do monopólio comercial de Portugal sobre a Colônia e um aumento crescente da influência dos ingleses nos destinos econômicos e políticos, com desdobramentos na superação da exploração da mão-de-obra escrava nessas terras. Com a permanência da família real no Brasil, iniciaram-se as movimentações/articulações políticas que levariam à independência em 1822, declarada por D. Pedro I. Para melhor compreensão deste processo, parece necessário lançar luzes sobre as forças políticas que disputavam projetos entre o início da década de 20 e a década de 40 do século XIX, agrupadas mais por manifestações de opiniões do que em partidos políticos organizados com concepções programáticas e ideológicas bem definidas. Para Hilsdorf (2003, pp. 41 e 42) ao redor de 1820 desenhava-se a seguinte configuração para os agrupamentos políticos (mais "correntes de opinião do que partidos) atuantes no país: 1 – o partido português, composto por militares e comerciantes mercantilistas absolutistas, para os quais o poder do soberano está no rei; tinha como base programática a manutenção do comércio Brasil-Portugal, com a reconversão à condição de colônia; 2 - o partido radical, dos exaltados ou democratas, que tem o povo como Soberano e a sua base social é formada de pequenos comerciantes adeptos do livre comércio, artesãos, funcionários públicos, padres, advogados, jornalistas e letrados; seu programa é liberal e democrático, com reivindicação de reformas políticas, do tipo descentralização político- administrativa, federação das províncias e sufrágio universal, além de reformas sociais, como abolição, trabalho livre e divisão das terras (reforma agrária) com extinção dos latifúndios; e 3 - o partido brasileiro dos moderados, composto por grandes proprietários de terras, comerciantes ingleses, portugueses e brasileiros adeptos do comércio livre, a alta administração, jornalistas e outros letrados, cujo programa liberal-conservador, aplica o princípio liberal dos direitos individuais, à preservação da propriedade escrava, o que mantém a ordem social escravista; entendem que o soberano é a lei, isto é, a constituição. Neste enfrentamento, saiu-se vitorioso o partido brasileiro de linha moderada, que defendia a independência da colônia com uma monarquia constitucional centralizadora, mantendo a religião católica como a oficial do Estado, pregando o voto indireto censitário de base econômico, ou seja, tinha direito político somente o povo que compunha a aristocracia urbana e agrária. Apropriando-se das idéias de Limar R. de Mattos, Hilsdorf afirma: a sociedade brasileira não formava um conjunto, mas uma hierarquia, com camadas diferentes e desiguais, divididas em "coisas" (escravos e índios) e "pessoas", que compreendiam a "plebe" (a massa dos homens livres e pobres) e o "povo" (a classe senhorial dos proprietários), a preocupação com o povo expressa por eles não significava a preocupação com a plebe, isto é,o povo moderno (HILSDORF, 2003, p. 43). A "classe senhorial" que ocupou o poder no pós-independência, formava-se de lideranças liberais com traços da filantropia inglesa que não estavam plenamente convencidos de que a educação popular deveria ser inteiramente estatal, isto é, oferecida apenas pelo governo monárquico, por isso, deixavam muitas iniciativas à sociedade, implementadas pelos particulares. Tanto na educação como em outros setores da sociedade, a presença da iniciativa privada de natureza filantrópica, será uma das marcas características que acompanharão o desenvolvimento de programas e serviços voltados para o atendimento das carências das massas excluídas dos bens elementares de sobrevivência. Preocupada apenas com a formação dos quadros dirigentes dos destinos da nação, essa elite investiu na educação superior estatal, deixando a cargo das iniciativas particulares a educação primária das primeiras letras. Mesmo tendo a Constituição Imperial de 1824 estabelecido ser ela gratuita e da responsabilidade das províncias, essa determinação não chegou a sair do plano da retórica. A Constituição aprovada era de (...) orientação liberal, mas não democrática, assegurava direitos civis (de cidadania) aos brasileiros brancos, mas não aos índios e escravos, e direitos políticos (de voto) aos brasileiros brancos que tinham, no mínimo, renda de 100 mil réis anuais: quem é "coisa" não tem direitos, quem é "povo" ou "plebe" tem direitos civis e políticos diferenciados, proporcionais à renda. Considerando a questão do ângulo do princípio liberal proclamado de igualdade, essa repartição mostrava-se enormemente restritiva, pois, na época, três quartos da população compunha-se de escravos e grande parte do restante era de brancos livres e pobres (HILSDORF, 2003, pp. 43 e 44). Desta maneira, nem sequer o direito de igualdade no plano formal burguês, era assegurado aos escravos e índios. Por isso, ainda que houvesse uma preocupação por parte do Estado com a oferta da educação popular, a grande massa estaria excluída da possibilidade de freqüentá-la por não ter direitos civis reconhecidos. Mais uma vez recorrendo ao trabalho de Hilsdorf, a autora lembra que, os traços mentais de pragmatismo das Luzes e de liberalismo filantrópico resultaram em um movimento de assistência e educação das massas com duas marcas: ser ativo, no sentido de ir ao encontro das necessidades da população, e ser de responsabilidade pública, ao invés de atribuição das igrejas. Confiança na lei, catolicismo iluminista, laissez-faire econômico e ênfase na educação popular serão, portanto, características das lideranças políticas e culturais da geração da Independência, que, nas décadas de 1820 e 1830, organizam asilos de órfãos, casas de correção e trabalhos, rodas de expostos, jardins botânicos, escolas de educação popular, aulas de francês, bibliotecas e cursos superiores, adoção do sistema métrico decimal, enfim, uma rede de instituições e práticas civilizatórias, direcionada à guarda, proteção e formação da população (HILSDORF, 2003, p. 44). É dentro deste quadro econômico, político, social e cultural marcado por características de "ser ativo" (no sentido prático, de fazer e não de refletir, de atuar criticamente sobre a realidade) e de "responsabilidade pública" (a iniciativa estatal não implicava em assumir financeiramente a obra da filantropia), que surge a primeira preocupação com a educação escolar para os cegos, segundo alguns estudiosos da área, marcando o início da Educação Especial no Brasil. Mesmo existindo estudo considerando o início da Educação Especial em período anterior, para o efeito da educação dos cegos (as), esta data representa a primeira iniciativa concreta. Após a fase de convencimento social e preparação estrutural, na qual estiveram envolvidos mais diretamente o cego estudioso, José Álvares de Azevedo, e o médico da Família Real, Francisco Xavier, pelo Decreto Imperial nº 1.429 de 12 de setembro de 1854, foi criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, inaugurado solenemente em 17 de setembro do mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, sede da Corte (LOBO, 1997, p. 558). Embora o Governo Imperial tomasse as primeiras iniciativas no campo da educação/ assistência aos cegos e surdos, bem como em outras áreas de atendimento aos marginalizados/degenerados, na prática, acabava estimulando as ações particulares, na medida em que o Imperador concedia títulos de honrarias e benemerências aos ricos fazendeiros e homens de negócios, em troca de doações. Com a presença da rica colônia portuguesa que aqui se radicara definitivamente, começaram também a surgir nas cidades mais importantes do Império as chamadas "Beneficências Portuguesas", sustentadas por taxas diversas cognominadas de "impostos da vaidade"; o Imperador com o propósito de incentivar essas iniciativas e também aquelas que levavam à criação e à manutenção das Santas Casas de Misericórdia, honrava os filantropos com títulos e condecorações (SILVA, 1986, p. 284). O próprio Imperador sempre que instituía uma nova obra, tinha como praxe fazer a primeira doação como forma de estimular outros interessados. Com o Instituto isso não foi diferente: as primeiras regletes, punções, chapas para escrita, livros de pontos combinados em relevo chamados de "escrita pelo método Braille "foram encomendados e chegaram ao Brasil em 1856, tendo sido uma doação pessoal do Imperador ao novo Instituto” (SILVA, 1986, p. 286). Quando se diz que a criação do Instituto de Cegos teria sido a primeira iniciativa governamental na área da educação especial, no mínimo é preciso procurar compreender o que isto representava naquela época, uma vez que a obra era pública, mas não era gratuita para todos os interessados. Fazendo menção ao discurso do Dr. Sigaud, proferido na solenidade de inauguração do Instituto, realizada no dia 17 de setembro de 1854, Zeni expõe: "o instituto está aberto a todas as classes da sociedade, excluindo-se, é claro, os escravos, conforme expresso no inciso II do art. 25 do regulamento provisório" (ZENI, 1997, p.99). Em meados do século XIX, a escravidão já estava em franco declínio, não apenas por razões humanitárias; porém, o final em definitivo só ocorreu em 1888, por pressão da Inglaterra que proibiu o tráfico de escravos para o Brasil, que ainda assim resistiu à abolição em 1850. Por isso, a importação de africanos para o Brasil caiu de 54 mil em 1849 para virtualmente zero em meados da década de 1850; em 1872, a população livre de cor no Brasil era três vezes mais numerosa do que a população escrava, e mesmo entre negros puros os dois grupos eram quase iguais em número (HOBSBAWM, 2000, p. 258). Desta forma, embora houvesse uma redução no número de escravos, em razão do fim da importação, sob o aspecto legal, a escravidão permanecia em vigor, impedindo também por força da Lei, o acesso dessas "coisas" ao Instituto, medida que reduzia e bastante a parcela da população a ser atendida. Por outro lado, para o restante da população com os direitos civis assegurados no plano jurídico, seria adotado outro critério como forma de eliminação da possibilidade do acesso: o econômico. O próprio Sigaud declara: o Governo concedeu dez vagas gratuitas e vinte pagas, por que o número de cegos que saem de famílias abastadas é o mesmo daqueles que saem de famílias pobres (ZENI, 1997, p.99). Mas para que esta benemerência, por assim dizer, fosse concretizada, o requerimento da matrícula deveria estar acompanhado dos seguintes atestados: batismo, de dois médicos que declarem que a cegueira não tem cura e que a criança não sofria de epilepsia, de lepra ou de qualquer lesão orgânica e das autoridades do município que certifiquem que os seus meios de fortuna não lhes permitem pagar (ZENI, 1997, p.97). E mais: havia ainda para os carentes a necessidade da apresentação de um Atestado de Indigência, assinado por uma autoridade do local de residência do requerente, que poderia ser um padre, por exemplo, confirmando o poder da igreja católica (ZENI, 1997, p.97). Diante de tantas barreiras de acesso, o próprio Sigaud apresentou as duas principais dificuldades para o preenchimento das 30 vagas: "a oposição dos pais abastados e a recusa dos pobres" (ZENI, 1997, p.107). Naquele contexto histórico, parece plausível admitir que, do ponto de vista do modo de produção, a necessidade da educação não estava colocada nem mesmo para os membros não cegos das famílias pobres, menos ainda, então, isto se fazia necessário para os membros cegos, principalmente numa economia eminentemente agrária e tocada por mãos escravas ou camponeses semilivres. Além das condições materiais concretas e da cultura que procurava fazer dos cegos seres inúteis para o trabalho, apenas merecedores da comiseração alheia, acrescentando-se, a isto, todas as demais formas de dificuldades e impedimentos econômicos e legais já descritos, existia ainda outro temor das famílias na hora de decidirem enviar seus filhos para o Instituto. No discurso feito na solenidade de inauguração, o Dr. Sigaud fazia questão de afirmar: o Instituto Imperial dos Meninos Cegos era um estabelecimento de ensino e não um asilo ou hospício. "Lembremos que um dos maiores problemas do Instituto para convencer as famílias a entregarem seus filhos cegos era a confusão que então se fazia quanto a possíveis semelhanças entre estas duas instituições" (ZENI, 1997, p.90). O próprio Zeni faz algumas ponderações em torno desta questão: Os preconceitos em relação aos cegos poderiam fazer pensar que se tratava de um hospício ao terem-nos na conta de doentes, alienados ou mesmo necessitados de algum tipo de "correção"; um asilo ao terem os cegos na conta de inválidos, incapazes de qualquer aproveitamento tanto intelectual quanto profissional (ZENI, 1997, p.81). Anteriormente demonstrou-se que para ingressar no Instituto, além dos atestados médicos comprovando que a cegueira não tinha cura, existia também a preocupação com a epilepsia e outras doenças orgânicas, evidenciando uma tentativa de se estabelecer uma clara separação entre a cegueira e a doença, reforçando o caráter educacional e não de cuidados clínicos medicamentosos. Embora muitas vezes misturados aos mendigos (principalmente no caso dos cegos), surdos e cegos não foram assimilados aos outros doentes ou aos alienados. Talvez, por isso, não lhes tenha ocorrido o mesmo processo de medicalização - ou melhor, na origem das especializações encontra-se a marca de uma pedagogia (LOBO, 1997, p. 555). Cerca de um ano antes havia sido criado na cidade da corte, o Hospício D. Pedro II, local para onde acabavam sendo enviados não apenas os "loucos" e "degenerados", mas também boa parte daqueles que fugiam ao padrão de "perfeição", ou não se ajustavam à ordem social vigente na época. Pelo que parece, em que pese existisse na verdade uma confusão na sociedade e uma preocupação dos pais quanto à possibilidade de os cegos serem confundidos com os "degenerados", "loucos", "idiotas" e "doentes mentais", os cegos e os surdos praticamente não fizeram parte das investigações do movimento higienista. O poder médico no Brasil tomou como objeto privilegiado o meio urbano - higienizar espaços públicos, modernizar almas privadas. Indivíduos cegos e surdos não foram, portanto, problematizados enquanto parte especial desse objeto. Engrossariam, indiferenciados, a categoria dos indigentes, dos mendicantes ou dos incuráveis nos asilos (LOBO, 1997, p.557). De qualquer maneira, pelas razões expostas e talvez pelo "simples" fato de não aceitarem a idéia de "perderem" seus filhos cegos, reforçados também por um sentimento cristão de "amor ao próximo", as famílias pobres resistiam muito antes de encaminharem os cegos para o Instituto. Quanto aos cegos filhos de famílias abastadas, além das questões acima pontuadas, provavelmente as razões não eram de natureza econômica, mesmo considerando o desembolso de "taxas anuais de 400 mil réis de pensão e 200 mil réis de jóia" (LOBO, 1997, p.559). Acontece que este modelo institucional fechado, nascido no berço do liberalismo francês e por ele alimentado e propagado pelo mundo afora, não foi concebido nem para educar e muito menos para abrigar os filhos cegos das classes superiores. No Instituto de Paris quem ocupou as vagas foram os cegos "perturbadores" da nova ordem social burguesa, que viviam perambulando pelas ruas da cidade. No Brasil, apesar do desenvolvimento sócio-econômico industrial ser bem diferente da França, fato que precisa ser considerado, aqui também foram parar no Instituto praticamente somente os cegos pobres. Mais de 50 anos após a data de sua fundação, em "1913, o Instituto só ha via matriculado 313 alunos; tratava-se, na grande maioria, de alunos pobres, que jamais terminavam o curso (inicialmente de 6 anos e depois de 8 anos), e lá permaneciam por mais de 20 anos" (LOBO, 1997, p.559). Em números aproximados durante 59 anos, o Instituto manteve apenas uma média anual de seis alunos, resultado pouco expressivo, mesmo considerando a sua ação circunscrita na cidade do Rio de Janeiro. Ainda antes da entrada em funcionamento do Instituto, havia uma polêmica quanto ao ingresso de meninas, razão pela qual argumentava o Dr. Sigaud que excluí-las seria limitar a caridade e prejudicar a instituição em seu berço, ainda mais porque era importante, com relação as meninas, "ponderar que o número das desgraças às faltas de vistas é maior do que o dos meninos cegos e que na sociedade as primeiras despertam mais interesse do que os outros" (ZENI, 1997, p.107) . Assim como José Alvares de Azevedo, que havia estudado em Paris, o Dr. Sigaud também cita duas cegas de famílias abastadas para justificar o ingresso das meninas no Instituto, como exemplo de sucesso que poderiam contribuir na divulgação da instituição nas suas localidades e no restante do território. As duas cegas eram: "Olineina de Azevedo que vivia na província do Ceará e se casara com um fazendeiro local e que também estudara em Paris; Delfina da Cunha que vivia em Pelotas na província do Rio Grande do Sul e que publicara "um livro de poesia no reinado do Sr. D. Pedro I" (ZENI, 1997, p.107). Para estudar em Paris e se casar com um fazendeiro, certamente não poderia ser filha de escravos, situação válida também para a segunda moça que havia inclusive publicado um livro, sendo necessário para isso ter estudado, embora não se tenha a informação de onde isso ocorreu. Mesmo considerando a possibilidade da passagem de alguns cegos de famílias abastadas pelos Institutos, a verdade é que em qualquer país onde tenha sido criado este modelo de instituição, ela acabou cumprindo a função de isolar da sociedade prioritariamente os cegos filhos das classes subalternas, uma vez que os cegos filhos das elites poderiam contar com outras formas e possibilidades de serem educados, isto é, terem acesso à cultura. Quando da cerimônia da inauguração, afastando todos os rumores da possibilidade de o Instituto transformar-se num asilo ou hospício, o Dr. Sigaud sustentava que: "a instrução dos cegos apoiava-se numa base tríplice: música, trabalho e ciência. Com isso, o Dr. Sigaud queria deixar claro que o novo instituto era, sem sombra de dúvida, um estabelecimento educacional" (ZENI, 1997, p.81). Para ser fiel aos fatos históricos e a outros personagens que também ajudaram/ou preocuparam-se com a educação dos cegos no Brasil, a título de contribuição, vale lembrar a iniciativa do Deputado Cornélio Ferreira Franca, que em 1835 propôs no Parlamento a criação de escolas e a formação de professores para a educação dos cegos e dos surdos, tanto na capital do Império como nas províncias (LOBO, 1997, p.557; BRASIL, 1979, p. 13). Mas num momento em que o país enfrentava outros problemas sociais e políticos mais relevantes, como por exemplo, a menor idade de D. Pedro II, o projeto nem sequer chegou a ser discutido, ficando apenas registrado nos anais da Assembléia Legislativa. A importância desta informação reside no fato de o projeto propor a criação de escolas, embora não sabendo se essas escolas seriam baseadas no modelo institucional, conforme concretizado a partir de 1854, com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Na opinião de Silveira Bueno, o surgimento de internatos dedicados à educação especial parece refletir a importação de um certo espírito "cosmopolita" dos grandes centros, consubstanciado pela criação dos institutos, mais como resultado do interesse de figuras próximas ao poder constituído do que pela sua real necessidade (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 85). Pelos dados apresentados até o momento, parece claro que não havia "necessidade", assim como também não havia para o restante da população livre, tanto que embora a Constituição Imperial de 1824, preconizasse o ensino primário das primeiras letras, até a data da criação do Instituto, a promessa ainda não saíra do papel. Fazendo menção às condições dos Institutos (de cegos e surdos), o mesmo autor afirma: aparentemente, o processo de deterioração dos Institutos parece seguir o mesmo percurso de seus congêneres franceses. Mas há uma diferença fundamental: enquanto os institutos parisienses se transformaram em oficinas de trabalho, seus similares brasileiros tenderam basicamente para o asilo de “inválidos" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 86). Em 1873, assumiu a Direção do Instituto o professor de orientação positivista, Benjamin Constant, genro do ex-diretor, Cláudio Luís da Costa, permanecendo no cargo até 1891, quando foi designado para outro posto do Governo republicano. Antes de substituir seu sogro na Direção do Instituto, Benjamin Constant já era professor de matemática na escola do mesmo, fato que provavelmente lhe deu informações suficientes para elaborar e propor um novo regulamento, no qual pode-se destacar três preocupações: a educação, o trabalho e a assistência aos inválidos. Numa época onde o Governo Imperial praticamente nada, ou muito pouco, fazia nessas áreas nem mesmo para as pessoas não cegas, somente o fato de uma proposta de abrangência nacional neste sentido ter sido elaborada, já se poderia considerar um progresso, ainda que tenha sido pensada como um modelo segregado e ficado apenas no plano das intenções, pelo menos naquele momento. Se no discurso de inauguração o Dr.Sigaud fazia questão de negar qualquer possibilidade de o Instituto transformar-se num asilo, Benjamin Constant na sua proposta de regulamentação não só admitia como propunha a criação dos asilos, porém, em casos de invalidez por enfermidades ou por avançada idade. Embora condenando qualquer tipo de modelo segregativo, seja para cegos ou não, dentro daquelas condições históricas concretas, parece necessário reconhecer a preocupação com aqueles cegos de fato "inválidos", pelo tempo ou por enfermidades. De acordo com o artigo primeiro da proposta de Benjamin Constant, o Instituto deveria ministrar instrução primária, educação secundária, ensino completo de música instrumental e vocal, ensino do maior número possível de artes, indústrias e ofícios, que estão ao alcance dos cegos e lhes seja de reconhecida utilidade; oferecer-lhes as oficinas e casas de trabalho onde encontrem ocupação decente e sejam utilizadas as suas diversas aptidões, os materiais de que precisam para o seu primeiro estabelecimento em qualquer profissão mecânica ou liberal, asilos onde sejam recolhidos e tratados no caso de invalidez para o trabalho proveniente de enfermidade ou avançada idade, todo auxílio e proteção de que careça e de que a instituição possa dispor para facilitar-lhes os meios de dar livre expansão às suas diversas aptidões físicas, morais e intelectuais e a todas as suas legítimas aspirações em proveito seu e de suas famílias e do Estado (ZENI, 1997, p.151). Pelo menos no plano regimental, a proposta deixava clara a distinção entre cegos aptos para o trabalho e cegos inaptos por razões de doenças ou idade, que precisavam da proteção do Estado ou de uma instituição especializada no tutelamento. Com esta proposição Benjamin Constant pretendia disseminar nas principais regiões do país, uma estrutura que desse conta de atender os cegos em todas as suas necessidades: educação intelectual, moral e profissional; trabalho como professor ou nas oficinas criadas pela própria instituição; e assistência à saúde e a outras formas de amparo, não só aos inválidos por enfermidades ou velhice, mas também àqueles que não conseguissem encontrar colocação ou formas de sobrevivência na sociedade. Assim, como buscando recuperar a idéia do projeto de Lei do Deputado Cornélio Ferreira Franca, Benjamin Constant pretendia estender o modelo segregativo para as províncias, fazendo do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, o órgão central de coordenação e articulação da educação dos cegos em todo o território brasileiro. Para facilitar a execução deste regulamento, o Governo considerará provisoriamente dividido o Império em relação à instrução e educação dos cegos nos seis distritos abaixo e fundará na capital da província que for cabeça de distrito, um instituto, um asilo e casas de trabalho (...); assim, os distritos seriam: Corte: Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo; Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; Bahia, Sergipe e Alagoas; Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte; Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas; é cabeça do respectivo distrito a cidade ou província que, em cada um, é mencionado em primeiro lugar (ZENI, 1997, p.152). A reforma preconizada por Benjamin Constant, além de aspectos educacionais, estabelecia também uma autonomia financeira para o Instituto, com a criação de uma loteria para arrecadar os recursos necessários à manutenção daquela rede nacional de instituições subordinadas ao Instituto central, localizado na sede da Corte. Reforçando o espírito filantrópico/caritativo do Governo Imperial, na mesma linha do imposto da "vaidade", instituído por D. Pedro II, a proposta de loteria continuava desincumbindo o Estado de assumir a educação e a assistência aos cegos. Esta espécie de "política" institucionalizada de incentivo às obras de assistência por parte da coroa, dava tanto resultado que somente na cidade do Rio de Janeiro, Capital do Império, "em 1883, quando publicou seu livro sobre estas instituições, Joaquim da Silva Melo Guimarães contabilizou 117 dentre as que considerou "confiáveis" (ZENI, 1997, p.171). A reforma que se implantou após a República, em 1890, suprimiu partes importantes da proposta de Benjamin Constant, como a autonomia financeira e a criação de filiais, mantendo a correspondência ao curso literário com duração de 8 anos, criando cadeiras científicas (conteúdos provavelmente nunca ensinados por falta de professores habilitados) e ampliando o número de vagas de 30 para 150 alunos - também encontraram dificuldades para serem preenchidas (LOBO, 1997, p.561). Mesmo sendo um republicano convicto e fiel aos ensinamentos do mestre Augusto Comte, talvez por influência de seu sogro, Benjamin Constant não só chegou à condição de professor de matemática do Instituto, como também assumiu a sua Direção ainda no Governo Imperial. Nesta condição, fez várias investidas e propostas sempre com o intuito de melhorar a qualidade da educação e dos serviços prestados aos cegos, reclamando por parte do Governo mais atenção para com a instituição, apelo na maioria das vezes negado, revelando outras preocupações bem mais urgentes a que o Império precisava responder. Com a Proclamação da República em 1889, Benjamin Constant assumiu a Pasta da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, à qual ficou subordinado o Instituto, podendo enfim aprovar em definitivo o Regulamento provisório que vinha se arrastando desde 1854. Mas, mesmo depois de 36 anos de espera, "o que Benjamin Constant propôs, e o Regulamento Definitivo de 1890 manteve, foi uma instituição tutelar, em nada diferindo do Instituto enquanto considerado provisório pelo Governo do Império" (ZENI, 1997, p.169). Como homem influente que era no Governo Republicano, a ponto de assumir a Pasta da Instrução, Correios e Telégrafos, tendo o Instituto vinculado e diretamente subordinado às suas decisões, fica a dúvida: por que então a autonomia financeira e a proposta de constituírem filiais foram suprimidas do Regulamento definitivo? Teria Benjamin Constant mudado de idéia sobre a validade deste tipo de instituição na educação e assistência aos cegos, ou agora na condição de Governo, responsável direto pela implementação da ampliação e oferta do acesso em outras regiões do País, sentiu que o Estado Republicano não tinha condições (ou interesse) de levar adiante a proposta, por isso recuou e autorizou a supressão desses pontos do Regulamento? Estas são indagações que este trabalho não pretende investigar, embora reconheça a sua importância no desdobramento da educação dos cegos, com a criação de outros Institutos, se não oficialmente como filiais, pelo menos como congêneres. No plano formal, a consolidação do Instituto Nacional dos Cegos ocorreu com a aprovação do Regulamento definitivo, pelo Decreto 408 de 17 de maio de 1890, publicado no Diário Oficial n.º 143 dos Estados Unidos do Brasil, nos atos do Poder Executivo, de 31 de maio do mesmo ano. Depois de ser denominado de Imperial Instituto dos Meninos Cegos e Instituto Nacional de Cegos, pelo decreto 1320 de 24 de janeiro de 1891, editado dois dias após a morte do seu principal Diretor, Benjamin Constant foi homenageado emprestando o seu nome àquela instituição a que tanto havia se dedicado. Independente de quem havia ocupado o cargo de Diretor, de Regulamento provisório ou definitivo, das alterações do nome ou da mudança de Regime de Governo, 50 anos após a data de sua fundação, no início do século XX, a situação do Instituto pouco ou praticamente nada havia se modificado, pelo menos é o que explicitam alguns relatórios oficiais. Segundo um relatório de 1903, O Instituto ainda não possuía um mapa (em relevo) do Brasil, sugerindo seu diretor que o mandasse fazer em Paris. Assim também, a seção pedagógica achava-se "tão mal provida que o meio de supri-la convenientemente seria uma reforma radical", recomenda o diretor, Brasil Silvado. Em 1905, o prelo da oficina tipográfica que se achava imprestável, acabou quebrando de vez. Dezesseis anos depois, parece que o material não se encontrava em melhor estado: além do mobiliário estragado, faltavam livros didáticos, mapas geográficos, pedras para escrever, papel especial para escrita a pontos (LOBO, 1997, p. 562). Reforçando essas denúncias, parece importante a posição de alguém que durante muito tempo enfrentou diretamente esses problemas, primeiro como aluno e depois como professor do Instituto. Falando do trabalho dos professores cegos, afirma Veiga: Ensinam ali de graça, anos e anos, à espera de um lugar que tarda sempre. Transmitem bem o que sabem, porque se valem das próprias experiências, mas o ensino é morto. Falta-lhe a seiva do contato com a realidade da vida, o sopro das idéias que se agitam pelo mundo. Remunerado com o teto e o prato de comida, o professor não pode fazer senão repetir o que aprendeu, e seguir a didática formal há muito embolorada pelo tempo, moendo e remoendo os conceitos arcaicos, abrigados, no casarão vetusto, contra o vento renovador que sopra lá fora (VEIGA, 1946, p. 84). Em troca do teto e de um prato de comida, ali permaneciam por mais de 20 anos, conforme relatou o Diretor Brasil Silvado em 1896, em relatório onde expõe as mazelas da instituição criada para educar e amparar os cegos. Entretanto, este mesmo diretor, Brasil Silvado, em 1902, preocupado com a imagem do Instituto no exterior, pintava um quadro totalmente diferente daquele trazido pelos relatórios oficiais do governo. Num texto preparado para um Congresso Internacional em Bruxelas, o Diretor vangloriava-se da recente aquisição de uma máquina americana (stereotype-maker) para a oficina de tipografia, quando o relatório oficial do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 1903, afirmava: "A oficina tipográfica (sistema de pontos) precisa, urgentemente, reformar o seu material de impressão. Os tipos, muito velhos, estão quase imprestáveis. O prelo que é de boa qualidade, foi construído para ser movido a vapor, e não a braço, como tem acontecido (LOBO, 1997, p. 562). Enquanto isso, nesta mesma época, o Diretor já mencionado acima, na tentativa de conseguir mais alunos, mandou divulgar propagandas em outros Estados, verificando enfim um resultado desanimador, pois apareceram apenas 21 novos interessados. Pelo que se pode constatar, a ampliação do número de vagas de 30 para 150 não refletia bem uma necessidade, situação parecida na data de criação do Instituto, já que as 30 vagas abertas levaram mais de 15 anos para serem preenchidas. Compartilhando da mesma opinião de Silveira Bueno (1993, p. 86), já manifesta anteriormente, Lobo afirma: o certo é que, tido pelos órgãos oficiais apenas como estabelecimento de fachada da modernização do país, o Instituto ficou ausente da produção do saber, nem ao menos conseguiu divulgar as suas práticas. Mesmo a construção (que durou tanto tempo) de seu portentoso prédio, ou as mudanças do regime republicano não alteraram a estagnação desse pequeno asilo (LOBO, 1997, p. 563). Desde que foi criado, em 1854, o Instituto Benjamin Constant, como forma de atender as necessidades impostas pela realidade social, sofreu diversas modificações, algumas de maior, outras de menor vulto. Pelos Decretos nº 14.165 e 14.166, de 3 de dezembro de 1943, o Instituto passou por uma reestruturação, ficando autorizado a ministrar o então chamado ginasial, enquanto a Portaria Ministerial nº 385, de 8 de junho de 1946, do Sr. Ministro da Educação e Saúde, equiparou o ginásio do Instituto Benjamin Constant ao ginásio do Colégio Pedro II, possibilitando pela primeira vez no Brasil, o acesso das pessoas com deficiência visual ao 1º Ciclo do Curso Secundário (BRASIL, 1979, p. 10). A virada do século XIX para o século XX, tanto no Brasil como no mundo, foi marcada por algumas transformações importantes. No cenário internacional, estava em curso a segunda revolução industrial, operada entre outros fatores pela descoberta da energia elétrica, do motor a combustão e da fabricação do automóvel, que se transformou num símbolo maior de consumo. Os avanços no processo de industrialização impulsionaram vertiginosamente a economia mundial, dando origem à formação do capital monopolista, que passou a atuar de modo mais intenso em todas as regiões do planeta (SINGER, 1986, p. 213). No Brasil, a passagem do regime de governo monárquico imperial, assentado na expropriação do trabalho escravo, para um regime republicano baseado na exploração da força de trabalho assalariada, representou apenas mudanças na super-estrutura da sociedade, marcando uma intensificação do surgimento de atividades manufatureiras em alguns centros urbanos do País. As pesquisas econômicas realizadas em 1907, já demonstravam que havia no Brasil, nessa época, uma ampla atividade manufatureira, realizada, em grande parte, numa miríade de pequenos estabelecimentos, organizados sob a forma de Produção Simples de Mercadorias, ou seja, operados por seus donos e familiares, com o eventual auxílio de alguns empregados (SINGER, 1986, p. 213). Em termos de projeto educacional, o que o Governo Republicano através da Reforma Benjamin Constant pretendeu, era uma atualização da erudição das novas elites e um verniz de modernidade, baseado nos princípios da ciência positivista, pois o governo republicano precisava, então, dar imediata satisfação às camadas sociais aliadas do novo regime, que exigiam a ampliação do acesso à instrução que promovia socialmente (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA; 1994, p. 109). Por outro lado, a situação educacional das massas trabalhadoras, absorvidas ou não pelo processo produtivo rural e urbano, continuaria relegada ao plano da retórica, da mera intencionalidade. Neste quadro, seria mesmo uma ingenuidade política ou um idealismo cristão, supor que o novo Governo desse especial atenção à educação dos cegos, pelo simples fato de que estes poderiam constituir-se em sujeitos de aproveitamento laboral e educacional. Pelos dados investigados, parece possível admitir que embora Benjamin Constant tenha suprimido do Regulamento definitivo do Instituto, a proposição de constituir filiais em outras regiões, os próprios cegos educados na cidade da Corte e que não encontravam ocupação profissional dentro da instituição, encarregaram-se de disseminar pelo país o modelo segregativo, contando para tanto, com a ajuda e benemerência de sociedades filantrópicas ou voluntariados. A primeira dessas tentativas fora do Instituto teria ocorrido ainda na cidade do Rio de Janeiro com a fundação, em 1893, de um Grêmio Beneficente formado em sua grande maioria por ex-alunos e alguns filantropos, objetivando ajudar os cegos que desejassem uma "profissão honesta" e a minimização do desamparo dos sócios necessitados (LOBO, 1997, p. 561). A partir daí, quase sempre com a presença de ex-alunos do Instituto e o auxílio de pessoas não cegas influentes da sociedade, outras organizações foram surgindo, tendo sempre como objetivo o trabalho e a educação para os cegos. Por iniciativa do ilustre cego Mauro Montagna, em 1912, fundava-se também no Rio de Janeiro, a Escola e Asilo para Cegos Adultos; a 17 de Outubro de 1920 aparecia, ainda na Capital da República a Liga de Auxílios Mútuos de Cegos no Brasil, mais tarde passando a chamar-se Liga de Proteção aos Cegos no Brasil; outra fundação verificava-se logo mais, a União dos Cegos no Brasil, em 1924 e em 1925 a Sociedade Aliança dos Cegos, todas no Rio de Janeiro (GAVRONSKI, 1954). Em 1926, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, foi criado o segundo Instituto de Cegos no Brasil, conhecido pelo nome de Instituto São Rafael, enquanto em 1933, fundava-se o Instituto de Cegos da Bahia, seguido pelo Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraná, entre outros, marcando uma proliferação deste modelo pelas principais cidades do país. Pelo menos os dois primeiros dos anteriormente citados, de acordo com as informações, tiveram, em seu processo de organização, uma participação direta de cegos ligados ou egressos do Instituto Benjamin Constant, como os professores Mamede Francisco Freire e José E. Veiga, respectivamente. Sobre este assunto, em São Paulo, centro mais industrializado do país, tem-se o conhecimento de que por volta do ano de 1922, um grupo de cegos educados no Instituto Benjamim Constant, residentes na cidade de São Paulo, integrado por Amadeu Moretti, Paulo Salvagnini e João Salvagnini, procurou o apoio de um líder da Loja Maçônica para a criação de um Instituto de amparo e proteção aos cegos. Após cinco anos de muitas conversas, de idas e vindas, com o apoio da sociedade filantrópica e da imprensa paulistana, no dia 30 de maio de 1927, foi fundada a Associação Promotora de Instrução e Trabalho para Cegos, a qual logo em seguida apresentou manifesto subscrito por um grupo de 14 cegos, contendo um programa de constituição de uma rede de atendimento em todo o Estado de São Paulo. O referido manifesto, logo no seu início assim se expressa: O grande número dos que não vêem, em São Paulo, é dos que ainda podem figurar no quadro dos valores econômicos e morais de uma ordem social em que o trabalho é a sua lei suprema, a cuja sombra bem pode o cego gozar, como qualquer outro indivíduo, o direito de viver também pelo coração e pela inteligência. Depois de uma exposição de motivos, conclui: "em cumprimento desse nobilitaste "desideratum" a Associação Promotora de Instrução e Trabalho para Cegos dirige um fervoroso apelo ao povo, na universidade de seus elementos, às classes distribuidoras de São Paulo, no sentido de lhe enviarem qualquer auxílio, quanto pôde permitir a possibilidade de cada concidadão ou corporação civil e militar política e religiosa (GAVRONSKI, 1954). As doações obtidas seriam todas empregadas na constituição ou alimentação de um programa de assistência, educação e trabalho aos cegos, mantido pela entidade ora criada, de cujo alguns pontos da estrutura apresenta-se a seguir: a criação de escolas, oficinas e abrigos que funcionarão em núcleos dispersos pela Capital ou por diversos pontos do Estado; escola de aperfeiçoamento para professores e aspirantes à docência dos núcleos, a qual terá um curso anexo de estudos gerais para todos, sob a forma de conferências; uma casa publicadora de obras úteis - literárias e musicais - na qual haverá uma biblioteca, uma revista em '"Braille" para propaganda e defesa das idéias sociais e informação do que se passa sobre cegos, pelo mundo e especialmente entre nós e a nossa Associação (GAVRONSKI, 1954). E mais: os professores e mestres dos pré-citados núcleos só poderão ser os cegos que além de educados em estabelecimentos públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros, possam oferecer prova publica de sua competência. E sejam antes de tudo membros da associação por cuja conta trabalham e hão de receber uma justa recompensa. Cada membro da associação que exercer uma indústria ou profissão mantida ou angariada por ela concorrerá para a caixa social com o décimo da sua renda líquida, a fim de ampará-lo quando impossibilitado de trabalhar por qualquer motivo (GAVRONSKI, 1954). O documento ainda enfatiza: A Associação Promotora de Instrução e Trabalho para Cegos, recentemente fundada nesta capital, pelos cegos abaixo assinados, tem cerca de setecentos sócios e muito mais do dobro necessita ainda, para estabelecer o primeiro núcleo de cegos que será o protótipo modelar de outros que tanto urge criar para salvação de cinco mil paulistas imersos na cegueira, anulados pela ignorância. Há em São Paulo, espaço para vinte institutos de cegos; mas bastariam dois que fossem calcados no molde europeu ou norte-americano, para reduzirem em dez anos a unidades econômicas 80% dos cegos inativos (GAVRONSKI, 1954). Embora justa e correta a reivindicação alegando a função social útil dos cegos para o trabalho, aqueles cegos proponentes do manifesto, liderados pelo professor Mamede Freire, não levaram em consideração, ou não abstraíram, pelo menos, o dado fundamental da realidade brasileira, em comparação com a realidade de alguns países europeus e Norte Americanos, que consistia precisamente na exata compreensão do grau de desenvolvimento ainda insipiente das forças produtivas, condição que dispensava a utilização da mão-de-obra dos cegos, mesmo confinados nos Institutos. Se na Europa e nos EUA isso era possível, no Brasil essas condições não estavam estruturas, não podendo haver por isso uma transposição de uma realidade para a outra pela simples força das idéias. Ainda de acordo com Gravronski, o professor Mamede Freire era o líder maior daqueles quatorze "apóstolos" e o mentor intelectual do plano. Foi o Prof. Mamede a alma viva de tudo, graças à sua rara inteligência, à sua grande cultura e o seu amor à causa, dela fazendo um verdadeiro apostolado. As associações pró-cegos no Brasil ou a causa dos cegos em sua pátria tornaram-se como que um corolário de sua própria existência - O seu lema "Dos cegos, pelos cegos, para os cegos" tornou-se o slogan dos invisuais que vislumbraram algo através da alfabetização (GAVRONSKI, 1954). "Dos cegos, pelos cegos, para os cegos", caracteriza bem o pensamento da grande maioria dos cegos educados nos Institutos, herdeiros de uma tradição, de uma cultura que procura estabelecer dois mundos, um dos cegos e outro dos não cegos. Assim, como resultado daquele processo de mobilização e solicitude de doações, apareceu terreno, material e dinheiro suficiente para a construção de uma grande obra onde passou a funcionar o Instituto Padre Chico, ganhando a capital economicamente mais importante do País, também a sua instituição segregada para cegos. A criação deste modelo de atendimento para cegos, espelha também o caráter assistencialista que irá perpassar toda a história da educação especial em nosso País. O fato de, através de uma política de "favor", terem sido criadas instituições que, pelo menos, ofereciam abrigo e proteção a essa parcela da população, cumpria a função de auxílio aos desvalidos, isto é, àqueles que não possuíam condições pessoais para exercerem sua cidadania. Além disso, na medida em que se prenderam a iniciativas isoladas, deixaram de fora a maior parte dos surdos e cegos, ao mesmo tempo que, como internato, retiraram do convívio social indivíduos que não necessitavam ser isolados pelo incipiente processo produtivo (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 86). Este modelo continuaria ainda se alastrando pelo território nacional por mais um curto período, mas logo começaria a perder forças e ceder lugar, ou pelo menos a concorrer com os ideais da escola integradora, abrindo uma fecunda polêmica no campo da educação, na perspectiva de uma política pública de abrangência nacional, marcada "pelo surgimento dos primeiros Serviços de Educação Especial nas Secretarias Estaduais de Educação e das campanhas nacionais de educação de deficientes, ligadas ao Ministério da Educação e Cultura" (SILVEIRA BUENO, 1993 p. 94). Em 1929, o mundo capitalista é abalado com a crise provocada pela forte queda na Bolsa de Valores de Nova York, o que traz sérias conseqüências para a economia brasileira, abrindo uma situação político- institucional que possibilitou, por meio de um golpe, a tomada do aparelho do Estado por parte do grupo liderado por Getúlio Vargas, que passou a implementar políticas estatais estratégicas para o desenvolvimento industrial do País. A iniciativa de Vargas em acelerar o processo de transformação da base produtiva agrária para uma base industrial dependia fundamentalmente da educação, pelo menos é o que explicitava logo na sua abertura o "Manifesto dos Pioneiros", ressaltando que nenhum dos problemas nacionais, nem mesmo o econômico, se sobrepõe em importância e gravidade ao da educação. Não faz parte do objetivo deste trabalho, discutir as teses da escola tradicional e nem tão pouco da escola nova. Entretanto, faz-se necessário assinalar que, pelo exposto a seguir, parece ser esta concepção a base teórica sob a qual assenta-se a defesa dos alunos com deficiência visual nas escolas comuns. De acordo com os pressupostos da escola nova, alguém está integrado não quando é ilustrado, mas quando se sente aceito pelo grupo e, através dele, pela sociedade em seu conjunto. É interessante notar que alguns dos principais representantes da pedagogia nova se converteram à pedagogia a partir da preocupação com os "anormais" (ver, por exemplo, Decroly e Montessori) (SAVIANI, 1983, p. 11). Desta maneira, a educação, enquanto fator de equalização social será, pois, um instrumento de correção da marginalidade, na medida em que cumprir a função de ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos demais e pelos demais (SAVIANI, 1983, p. 13). No Brasil, com base nesta nova formulação teórica, a escola deixa de ser apenas o espaço da transmissão e apropriação dos conhecimentos científicos já produzidos e acumulados pela humanidade. Ela transforma-se prioritariamente num meio de convivência, onde as diferenças individuais de qualquer natureza (físicas, sensoriais, cognitivas, econômicas, raciais, de credo, etc.) precisam ser respeitadas e toleradas, pois é na interação afetiva que se "aprende a aprender". A discussão de tais diferenças é complexa e tem que se dar de forma historicamente situada e na perspectiva da luta de classes. De qualquer forma não é objetivo central desse trabalho aprofundar esse debate. Se no campo da educação geral, os debates entre os defensores da educação tradicional e da educação nova, renderam grandes polêmicas, no campo da educação dos cegos também não foi diferente, colocando frente a frente os defensores do modelo segregado e os defensores da integração dos alunos nas escolas regulares. Ainda na mesma linha de exposição, parece importante observar que, se por um lado, tanto a educação tradicional, como a educação dos cegos brasileiros, inspirou-se na filosofia européia, por outro, a educação nova e a tese da integração buscou na filosofia pragmática norte-americana, a sua fonte de inspiração, explicitando a influência que os EUA passam a exercer no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Na tentativa de explicitar os caminhos percorridos para se chegar a uma política pública de governo na área da educação para as pessoas cegas, merece também destaque o enfrentamento que ocorreu entre as concepções segregacionistas e integracionistas. Aqui cabe destacar a criação em 1946, na cidade de São Paulo, da Fundação para o Livro do Cego no Brasil, que exercerá grande influência em todo o país, não só pela produção de livros em braille e pelos processos de reabilitação e formação de pessoal docente e técnico por ela desenvolvidos, como pela sua participação decisiva na política de atendimento do deficiente visual no Brasil (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 90). A polêmica estabelecida entre aqueles que pretendiam manter os cegos estudando nas escolas especializadas segregadas e aqueles que pretendiam matriculá-los nas escolas regulares junto com os demais alunos, pelo que parece, tinha outros elementos e interesses além da simples transferência. Esta polêmica não representava apenas uma ameaça do desmonte de um modelo de educação isolado da sociedade, junto com isso havia outras implicações bem mais complexas, na medida em que antes representava para os professores cegos e demais profissionais que trabalhavam/ou ainda trabalham nas escolas especiais dos Institutos, o risco da perda da possibilidade de continuarem controlando o processo educacional/assistencial dos cegos brasileiros. Quando da fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos em 1854, José Álvares de Azevedo e Francisco Sigaud, chegaram a pedir a contratação de dois professores cegos de Paris, solicitação contestada posteriormente por Cláudio Luís da Costa, alegando que não tinha necessidade de ser professor cego para educar os cegos, já que havia no Brasil profissionais videntes em condições de desempenhar tal função. Mas como já ficou também demonstrado anteriormente, os Institutos acabaram transformando-se no principal meio de trabalho para os professores cegos e demais técnicos da área (pelo menos durante um longo período). Diante desta situação, esses profissionais que dependiam economicamente dos Institutos como meio material de vida, primeiramente, agindo na defesa dos seus próprios interesses, começaram a construir o argumento de que a escola comum não estaria preparada para atender os alunos cegos, na medida em que eles seriam segregados do seu meio "natural". Para Reino, O galopante recurso ao suporte sonoro e às novas tecnologias que, representando um excelente pretexto para justificar a indiscutível falta de preparação de técnicos e professores no domínio da pedagogia do Braille, contribuem, sob o ponto de vista psicológico, para acentuar e reforçar decisivamente a não aceitação da cegueira enquanto característica desviante e potencialmente segregadora, e, em última análise, a recusa mais ou menos assumida do Braille enquanto instrumento estigmatizante, gerador de angústia e ansiedade, causa de frustrações, conflitos e situações traumáticas que se acentuam num regime de ensino integrado (REINO, 2000, p. 03). Se por um lado, com algumas reservas é possível aceitar o argumento de que a cegueira possui característica "desviante" em comparação com o padrão de normalidade, por outro, não dá para concordar de modo algum que a cegueira é "potencialmente segregadora", por isso, os cegos necessitariam de um local próprio para estudar. Nos estabelecimentos educacionais segregados, o Braille, se não era abordado com grande rigor pedagógico, gozava pelo menos da força que lhe advinha de uma intensa tradição tiflológica e do exemplo poderoso constituído por professores e alunos, utentes conscienciosos e por vezes fervorosos do sistema, sendo portanto algumas insuficiências pedagógicas facilmente compensadas pelo contacto com bons leitores"; assim, "cada aluno não era psicologicamente forçado a praticar um código de leitura/escrita diferente do dos seus companheiros, logo o Braille não revestia um carácter propriamente estigmatizante; (...) (REINO, 2000, p. 04). Essas argumentações foram feitas por Vitor Reino, membro da Comissão de Braile Portuguesa, onde num colóquio discute o problema da "desbrailização", fenômeno que segundo ele passou a ocorrer com a integração dos alunos cegos nas escolas comuns, devido à falta de professores preparados para ensinar o braile e do convívio/troca de experiências entre alunos cegos. Segundo este estudioso, embora reconheça os problemas da educação institucionalizada do modelo fechado, a verdadeira segregação acontece quando os alunos cegos são "arrancados" da sua "comunidade" de iguais, para serem colocados no meio de uma "comunidade" de diferentes, ficando isolados do seu próprio "mundo", largados à sua própria sorte e destino, ou na pior das hipóteses, sob os cuidados de professores videntes despreparados, que não conhecem as reais necessidades dos cegos. No Brasil, em um documento elaborado em 1984, pelo Centro Nacional de educação Especial (CENESP), reeditado recentemente pela Secretaria de Educação Especial (SEESP), "recomenda-se que o professor da pré-escola e da alfabetização possua visão normal, considerando a necessidade de corrigir posturas e comportamentos inadequados de seus alunos" (BRASIL, 1995, p. 35). Independente de suas condições sociais ou características físicas, cognitivas ou sensoriais, todas as crianças nascem como pertencentes do gênero humano, mas se fazem humanas a partir do conjunto das relações sociais que estabelecem. É por meio das relações sociais mediatizadas pelos adultos mais experientes, que as crianças se apropriam dos conhecimentos já produzidos pelo trabalho e acumulados material e espiritualmente na cultura humana. Mesmo admitindo certas características desviantes, fora do padrão tido como normal, cada função particular do aparato psíquico do cego tem suas particularidades, freqüentemente muito significativas em comparação com os videntes; este processo biológico de formação e acumulação das particularidades e desvios do tipo normal, abandonado a sua própria sorte, no caso de viver o cego no mundo dos cegos, conduziria inevitavelmente à criação de uma raça peculiar de pessoas (VIGOTSKI, 1997, p. 84). Parece que o posicionamento de Vigotski, não deixa nenhuma dúvida, quanto à necessidade de os cegos estabelecerem intercâmbio/relação com as pessoas não cegas, advertindo inclusive sobre os riscos proporcionados pelo afastamento da vida normal em sociedade. Se o problema das crianças cegas que freqüentam as escolas regulares, consiste na falta de professores preparados e recursos técnicos pedagógicos, pelo já demonstrado, a situação nas escolas segregadas dos Institutos, isto não é em nada diferente, razão pela qual o argumento torna-se inconsistente, servindo apenas para dissimular uma defesa do isolamento das crianças e adultos cegos do restante da sociedade. Parece ser somente através da pressão das exigências sociais dos videntes, dos processos de supercompensação e utilização da linguagem, iguais nos cegos e nos videntes, que todo o desenvolvimento das particularidades se forma, de maneira que a estrutura da personalidade do cego, em geral, tem uma tendência para um determinado tipo social normal (VIGOTSKI, 1997, p. 84). A luta pela manutenção das escolas especiais dos Institutos, diante do exposto acima, na prática, não deixa de ser a luta por uma espécie de reserva de mercado de trabalho que os professores cegos, sob o pretexto da preservação da qualidade do ensino do braile, acabam equivocadamente travando com os professores especialistas videntes. Se há de fato um processo de "desbrailização", tanto no Brasil como em todo o mundo, conforme sustenta Reino, de modo preliminar, parece que a responsabilidade por este fenômeno não deve ser atribuída à integração dos alunos cegos nas escolas regulares. Na verdade, isso deve-se a outras determinações/fatores econômicos, políticos, sociais e culturais, sobre os quais este trabalho não pretende adentrar, reconhecendo contudo, a necessidade de considerações e de estudos com este fim. Neste confronto de idéias, duas instituições de destaque nacional, de natureza jurídica diferente, na prática, encaminharam posicionamento divergente em relação à integração dos alunos cegos nas escolas regulares. Apesar de ser público, o Instituto Benjamin Constant acabou servindo de base de resistência contrária à integração, na medida em que via-se ameaçado de perder os alunos e com isso ficar sem função, o que poderia representar um abalo na sua influência política e na sua referência de destaque a nível nacional. Por outro lado, a Fundação para o Livro do Cego, embora sendo uma instituição privada, cumpriu papel relevante no processo de integração, pois no seu entendimento os alunos cegos desde que recebendo os apoios necessários poderiam, sem nenhuma dificuldade, freqüentarem as escolas comuns. Assim, com o suporte da "Fundação para o Livro do Cego no Brasil”, hoje “Fundação Dorina Nowill”, foram realizados os primeiros atendimentos educacionais a alunos deficientes visuais matriculados no Sistema Estadual de Ensino (BRUNO, 2001, p. 14). Se o Benjamim Constant embora público serviu de referência para o surgimento de outros Institutos particulares, a Fundação para o Livro do Cego mesmo sendo uma organização privada, acabou estimulando a criação em 21 de novembro de 1955, do Departamento da Educação Especial na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Com isso, firmou-se então o convênio entre a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, tendo como meta o atendimento educacional aos alunos deficientes visuais da rede pública estadual e a capacitação de professores para atuar no Sistema de Ensino Público (Bruno, 2001, p.14). Considerando que a Fundação já havia criado um conjunto de programas e serviços, que eram mantidos por meio de ajuda da população, o presente convênio além de ser uma forma de o Estado transferir recursos públicos para o setor privado, buscava suprir as necessidades específicas dos alunos cegos ou com deficiência visual matriculados na rede pública. O atendimento educacional especializado foi instituído na rede pública estadual através da Lei nº 5.991 de 26/12/60, quando o governador do Estado de São Paulo, Sr. Carlos Alberto de Carvalho Pinto, dispôs normas sobre o ensino de cegos e amblíopes, promovido pelo Poder Executivo mediante a "criação de classes braile, de conservação de vistas para amblíopes, classes de ajustamento e criação do Ensino Itinerante (BRUNO, 2001, p. 14). O preenchimento dos cargos de regentes de classes, ou ensino itinerante, dava-se mediante o concurso de títulos e provas, ao qual só poderiam concorrer os professores primários especializados na educação de cegos, com certificados expedidos pelo Instituto Estadual de Educação Caetano de Campos. Para tanto, a Lei nº 5.991 de 26/12/60, criava quarenta cargos de professores especializados para o Ensino Itinerante e regência das classes braile e de amblíopes, às quais poderiam também concorrer os professores cegos e amblíopes com a devida formação (BRUNO, 2001, p. 15). O primeiro curso para professores na educação de cegos foi realizado em 1945, no Instituto Estadual Caetano de Campos na cidade de São Paulo, enquanto que em 1950 ocorreu a primeira experiência bem sucedida de alunos cegos freqüentando as escolas comuns (BRUNO, 2001, p. 15). Pelo menos no plano formal, a primeira preocupação oficial com a educação de excepcionais foi o Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Cornélio Ferreira Franca à Assembléia em 1835, objetivando a criação do lugar de Professor de Primeiras Letras para o Ensino de Cegos e Surdos-Mudos, na Capital do Império e nas capitais das Províncias (BRASIL, 1979, p. 10). Do exposto até aqui em relação às iniciativas do governo do Estado de São Paulo, merece considerações à “classe de conservação”, nome apropriado para a finalidade que se destinava, pois segundo o entendimento médico da época, uma pessoa que ainda possuía um pouco de visão, não deveria forçá-la para não prejudicá-la ainda mais. Essas antigas classes para os parcialmente cegos baseavam-se na teoria de que a criança deve conservar a visão que possui. Por esse motivo, o programa escolar incluía uma quantidade mínima de trabalho visual. Essa filosofia manifesta-se nos nomes dados a tais classes: salas conservadoras da visão e salas economizadoras de visão (CRUICKSHANK e JOHNSON, 1975, p. 27). Outro elemento que as políticas do governo do Estado também contemplavam, que precisa ser trabalhado, é a conceituação de pessoa com deficiência visual, incluindo-se aí os cegos e os amblíopes, ou com baixa visão, com visão reduzida, com visão parcial, entre outras denominações. Se por um lado, esta nova conceituação tem a sua razão em função de que alunos cegos ou com visão parcial, podem necessitar de procedimentos pedagógicos e recursos didáticos e materiais diferenciados no seu processo ensino-aprendizagem, por outro, não deixou de ser uma forma de tentar fugir do estigma que a cegueira carregava perante a sociedade. Em razão disso, por causa do estereótipo negativo, muitas pessoas preferem o uso de termos menos "carregados"; daí veio "deficiente visual", ainda hoje largamente utilizado de modo incorreto pela população, que deveria pelo menos dizer pessoa com deficiência visual, caso não se queira chamar de cego. Foi assim que, Refletindo essa tendência, a Conferência Internacional para a Educação de Jovens Cegos transformou-se, recentemente, no Conselho Internacional para a Educação dos Deficientes Visuais, e a Associação Norte-Americana de Professores de Cegos converteu-se na Associação para a Educação dos Deficientes Visuais (TELFORD e SAWREY, 1983, p. 478). Seguindo as tendências mundiais, tanto no que se refere à adoção da nova terminologia, como com o objetivo de criar organizações nacionais para colaborar com o Estado na política de expansão da educação para este segmento, em 1968, foi fundada a Associação Brasileira dos Educadores de Deficientes Visuais (ABEDEV). De acordo com o Artigo 1º - A Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais - ABEDEV, é uma sociedade civil com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, fundada em 14 de novembro de 1968, na cidade de Brasília - DF, por deliberação do II Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais. No parágrafo 2º do Artigo 1º, diz: A ABEDEV é uma organização técnico-administrativa, constituída por profissionais especializados que atuam nas áreas de educação, de reabilitação e de assistência social de pessoas deficientes visuais, e desenvolve ações em todo o Território Nacional. Em conformidade com o Artigo 2º, A ABEDEV desenvolve diversas atividades nas áreas de Educação, de Reabilitação e de Assistência Social de pessoas deficientes visuais, através de ações próprias, por meio de assessorias técnicas e por intermédio de gestões político-administrativas junto a instituições governamentais e a organizações não governamentais, para atingir as seguintes finalidades: I - Propor diretrizes, fazer gestões de natureza político-administrativa e oferecer assessoria técnica, visando à expansão, à melhoria e à elevação do padrão de qualidade dos serviços e dos programas de atendimento aos deficientes visuais em todo o País; (...). Pelo que parece, porém, a rejeição ao uso da palavra “cego” para se referir a alguém que possui cegueira, reflete mais o pensamento da concepção clínica que passou a ser mais enfatizada na área da educação, na medida em que os professores especializados tornaram-se reféns dos diagnósticos dos médicos oftalmologistas. Além dos médicos, profissionais de outras áreas, como da psicologia, da assistência social, da reabilitação, também são incorporados no processo educacional, reforçando ainda mais a influência da concepção da profilaxia, da prevenção, ou mesmo da busca da cura da cegueira. Denunciando este entendimento, Vigotski afirma, também no nosso tempo surgem com freqüência as idéias relacionadas com a possibilidade do triunfo direto sobre a cegueira. As pessoas de modo algum querem abandonar a promessa antiga de que os cegos recobrarão a visão (VIGOTSKI, 1997, p. 86). A integração das crianças ou adultos cegos no sistema comum de ensino se fez apoiada na chamada concepção de suportes técnico-pedagógicos, isto é, para que esses alunos pudessem ingressar, permanecer e progredir no seu processo ensino-aprendizagem, eles necessitam de um conjunto de recursos que a escola sozinha não dá conta de atender. Parece que a primeira tentativa de buscar, a nível nacional, uma maior articulação com o intuito de definir diretrizes gerais para a elaboração de uma política nesta área, ocorreu com o I Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais, realizado de 09 a 13 de novembro de 1964, promovido pela Campanha Nacional de Educação dos Cegos, do Ministério da Educação, na Associação Paulista de Medicina. As temáticas da programação do Congresso são demonstrativas da preocupação com a constituição de uma rede de suportes, que envolve o médico, o assistente social, o psicólogo, o professor itinerante, de mobilidade, a participação da família, a educação do público em geral, enfim, da comunidade. Os temas tratados foram os seguintes: O Lugar da Pessoa portadora de deficiências físicas e mentais na Sociedade - Dr. Antônio dos Santos Clemente Filho; Progresso e necessidade da educação de cegos – Profª. Luzia Lopes Lima; Programa Educacional para atender às necessidades dos Deficientes Visuais – Profª. Josefa Calazans da Cruz; Sorobã - Aparelho de cálculo para cegos - Sr. Joaquim Lima de Moraes; Formação de Pessoal – Profª. Maria de Lourdes Gomes Guerra; Determinação e Extensão do Problema da Cegueira no Brasil - Dr. Maury Atanes; Treinamento Sensorial, Educação e Reabilitação, em função da experiência sensível – Drª. Mathilde Ncder; Mobilidade e Locomoção - Sylas Fernandes Maciel; A Família como unidade biossocial - Nizia Lopes de Figueiredo; Atividades Sociais para os educandos deficientes visuais – Profª. Flora Barro de Albuquerque; Problemas Técnico-Formais e suas implicações na educação dos Deficientes Visuais - Prof. Luiz Geraldo de Mattos; A Orientação Profissional de Educandos Deficientes Visuais - Sr. Haroldo Pedreira; O Instituto Perkins - Dr. Edward Materhouse; Considerações sobre a educação dos retardados mentais portadores de Deficiência Visual - Profª. Wanda Ciccone Paschoalick; Considerações sobre educação de deficientes audiovisuais – Profª. Nice Tonhosi Saraiva; A Importância da Avaliação dos Casos - Mary Franklin de Andrade; Legislação no Campo da Cegueira – Profª. Dra. Nair Lemos Gonçalves; A Educação do Público - Prof. Silvino Coelho de Souza Netto; Educação do Público em Geral - Dra. Sarah Couto César e A Educação do Público - Dr. Jairo Moraes. De acordo com as temáticas desenvolvidas, constata-se que as principais experiências regionais desenvolvidas na área da educação dos cegos e das pessoas com visão reduzida, foram apresentadas no referido Congresso. Também, na ocasião, o Ministro da Educação anúncio a criação do futuro Centro Nacional de Educação Especial. Eis o pronunciamento do Sr. Flávio Suplici de Lacerda, Ministro da Educação e Cultura: Eu trago a este congresso a notícia de que já está em mãos do Sr. Presidente da República o projeto de reforma administrativa do Ministério da Educação, lá figura a criação do departamento nacional de excepcionais. Nós vamos transformar tudo isto. O Departamento Nacional de Excepcionais vai acabar, de início, com dois horrores que existiam no Brasil, e que já estão se transformando, podemos dizer que já estão transformados, é o Instituto de Surdos e Mudos, e o Instituto Benjamin Constant, que vão passar a ser não depósitos, mas vão ser departamentos de pesquisas e centros de formação de professores, para que se leve a cabo esta obra que estava faltando no Brasil de dar ao excepcional a assistência que lhe estava sendo negada pela nossa ignorância e pela nossa inoperância. O Departamento Nacional de Excepcionais vai constituir no Brasil, o órgão de assistência às comunidades, porque de fato a educação de excepcionais, como a educação em qualquer grau, depende exclusivamente da comunidade, porque é na comunidade que nós temos a aproximação mais íntima com a família e a educação é antes de tudo uma obra de amor (BRASIL, 1966, p. 197). Apesar do reconhecimento de que a Fundação para o Livro do Cego no Brasil e o governo do Estado de São Paulo, exerceram a vanguarda no processo de integração dos alunos cegos ou com visão reduzida no sistema de ensino comum, não foi dali, entretanto, que partiu a idéia da criação da Campanha Nacional de Educação de Cegos, do governo federal, promotora do Congresso acima, em que o próprio ministro da educação, caracteriza o Instituto Benjamim Constant de "horror" e "depósito", confirmando o clima tenso que existia entre os defensores do modelo segregativo e da integração, que naquele momento colocava frente à frente duas instituições: o Benjamim Constant e a Fundação para o Livro do Cego. Por iniciativa do ex-aluno e professor do Instituto Benjamim Constant, José Espínola Veiga, foi instituída pelo Decreto nº 44.236 de V de agosto de 1958, a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão, vinculada à direção do Instituto Benjamin Constant (MAZZOTTA, 2001, p. 51). Sua organização e execução foram regulamentadas pela Portaria nº 477. Naquele mesmo ano, no dia 29 de novembro, pela Portaria n.º 0566, sob a presidência do Ministro da Educação, Clóvis Salgado, foi criada uma Comissão Diretora que contava também com os seguintes nomes: Wilton Ferreira, José Espínola Veiga e Joaquim Bittencourt Fernandes de Só, representantes do Instituto Benjamin Constant, Rogério Vieira, representante do Conselho Regional para o Bem-Estar dos Cegos, e Dorina de Gouvêa Nowill, da Fundação para o Livro do Cego no Brasil (MAZZOTTA, 2001, p. 51). Com menos de dois anos de funcionamento esta Campanha passou por modificações estruturais pelo Decreto n.º 048.252, de 31 de maio de 1960, deixando de ser vinculada ao Instituto Benjamim Constant para figurar diretamente no Ministério da Educação, com o nome de Campanha Nacional de Educação de Cegos (CNEC). Essas alterações além de retirar a Campanha da direção do Instituto Benjamim Constant, o que representou uma falta de prestígio político, ainda foi nomeada para a sua coordenação, a professora de São Paulo e presidente da Fundação para o Livro do Cego no Brasil, Dorina de Gouveia Nowill. Transferir a Campanha da direção de uma instituição identificada com a educação segregada, diretamente para o Ministério e entregá-la para uma professora identificada com a integração, parece ser uma demonstração de que o governo havia tomado um posicionamento favorável à integração dos alunos cegos ou com visão reduzida na rede regular de ensino. A respeito de possíveis divergências na direção da educação dos cegos brasileiros, o pronunciamento do professor Silvino Coelho de Souza Netto, Diretor de Educação do Instituto Benjamim Constant, no Congresso já mencionado, sobre a educação do público, parece ser exemplar: Cabe ao Instituto Benjamin Constant e à Campanha Nacional de Educação dos Cegos a maior incumbência de tais responsabilidades por terem âmbito de ação nacional. Entretanto, os dois órgãos devem se entrosar mais e se entenderem melhor. Não vejo razão por que as duas entidades andam distantes, quando sabemos que aquela é filha deste, quanto às outras Instituições é igualmente necessário o intercâmbio cultural. Vamos pois, eis aqui o meu convite, unirmo-nos indefesamente pelo engrandecimento dos deficientes visuais do Brasil (BRASIL, 1964, p. 191). O próprio Silvino depois de defender modificações no Regulamento do Instituto Benjamim Constant, arremata: a entidade pioneira em educação integrada para deficientes visuais no Brasil é a Fundação para o Livro do Cego no Brasil. O seu raio de ação vai se estendendo pelo Brasil afora, depois de ter comprovado em São Paulo de maneira nobilitante, quão extraordinárias têm sido as vantagens deste método empregado visando a libertação dos deficientes visuais do condenável isolamento (BRASIL, 1964, p. 191). A Campanha Nacional de Educação de Cegos, como política pública institucionalizada no governo federal, foi a primeira tentativa de se pensar e executar no plano nacional, de forma articulada e coordenada, ações envolvendo a União, os Estados, os Municípios e as entidades particulares, com vistas à integração dos alunos cegos ou com visão reduzida nas escolas regulares públicas e privadas em todo o país. Através das atividades desenvolvidas pela Campanha, como: treinamento e especialização de professores e técnicos no campo da educação e reabilitação de deficientes visuais, incentivo, produção e manutenção de facilidades educacionais, incluindo equipamentos, livros, auxílios ópticos e material para leitura e escrita, além da assistência técnica e financeira aos serviços de educação especial e reabilitação, o Ministério da Educação procurou oferecer maior oportunidade ao deficiente visual (MAZZOTTA, 2001, p. 52). A Campanha Nacional de Educação dos Cegos inseria-se num "movimento maior e que se consubstanciou nas chamadas Campanhas Nacionais que pretendiam dar encaminhamento às grandes questões sociais como a alfabetização e as endemias" (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 97). Na área da educação especial, surgiram outras duas Campanhas: da Educação dos Surdos Brasileiros CESB (Decreto n. 42.728, de 03/12/57) e a da Educação e Reabilitação dos Deficientes Mentais-CADEME (Decreto n. 48.961, de 22/09/60) (SILVEIRA BUENO, 1993, p. 97). Estas campanhas expressam junto com as de Alfabetização de Jovens e Adultos, também organizadas na mesma década, tentativas de resolver problemas da educação das massas, de maneira nem sempre condizente com a eficiência, com pouca dotação orçamentária e utilizando-se do emprego de voluntários normalmente despreparados (JANNUZZI, 1997, p. 190). Com relação às Campanhas organizadas neste período, a ditadura militar de 1964, assume posicionamento diferenciado. Enquanto aquelas de caráter conservador, que contavam com o respaldo dos Estados Unidos da América do Norte, como são as das pessoas com deficiência, recebiam todo o apoio necessário, ganhando inclusive estrutura de destaque no Ministério, as de caráter popular foram simplesmente desmontadas. Entre as campanhas ou movimentos populares, destacavam-se: no "Recife (Movimento de Cultura Popular - MCP), em Natal (Campanha De Pé No Chão Também Se Aprende A Ler); no âmbito da Igreja Católica (Movimento de Educação de Base - MEB); na UNE (Centro Popular de Cultura - CPC)" (CUNHA; GOES, 1991, p. 09). Junto com a Campanha de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire, "estes foram os movimentos que emergiram em 1960-1961 e, pelo estudo de suas propostas e práticas, é possível acompanhar um tempo de alvorada - curta alvorada" (CUNHA e GOÉS, 1991, p. 09). O Brasil vivia a época dos acordos MEC/USAID, que além da educação em geral, contemplava também a educação especial, pelo menos é o que se pode depreender da informação apresentada por Jannuzzi: Tanto que o Grupo de Trabalho encarregado de operacionalizar o Projeto Prioritário n.º 35, e que vai propor a criação do CENESP, fixando suas diretrizes, contou com a consultoria de James Gallagher da University of North Caroline, por intermédio do Escritório de Recursos Humanos da USAID/Brasil (PIRES, apud JANNUZZI, 1997, p. 195). Na mesma linha teórica da formação do “capital humano”, Januzzi (1997, p. 195), citando Pires, expõe a seguinte informação trazida por Gallagher, "Há um estudo segundo o qual um adulto retardado e educado poderia ganhar US$40 (quarenta dólares) para cada dólar extra despendido com sua educação". Este é um daqueles pontos polêmicos que mereceria um projeto de pesquisa aprofundado, com o objetivo de averiguar como, no capitalismo, se poderia alcançar tal resultado, principalmente num país subdesenvolvido economicamente e com altas taxas de desemprego, onde as pessoas com deficiência são apenas a reserva da reserva, da mão-de-obra necessária na produção e reprodução do capital. Segundo Mazzotta, como parte dos trabalhos do grupo já mencionado anteriormente por Jannuzzi, figurava também a vinda ao Brasil do especialista em educação especial norte-americano James Gallagher, que em novembro de 1972 apresentou o Relatório de Planejamento para o Grupo-Tarefa de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, contendo propostas para a estruturação da educação especial (MAZZOTTA, 2001, p. 55). Aquela proposta que já estava com o presidente da república, conforme o anúncio do Ministro da Educação, Flávio Suplici de Lacerda, no encerramento do Congresso acima citado, da criação do Departamento dos Excepcionais, após oito anos de estudos e articulações políticas, enfim, concretiza-se como Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), na estrutura organizacional do Ministério da Educação e Cultura. Tal centro "foi criado pelo Decreto nº 72.425, do Presidente Emílio Garrastazu Médici, em 3 de julho de 1973, com a "finalidade de promover, em todo o território nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais" (MAZZOTTA, 2001, p. 55). Com a criação do CENESP, todo o acervo patrimonial e financeiro das Campanhas e dos Institutos Benjamim Constant e Nacional de Educação de Surdos, bem como o quadro de pessoal desses últimos, passaram a fazer parte da estrutura do novo órgão. Estruturado no Ministério da Educação como órgão central de direção superior, com suas atividades sob a supervisão da Secretaria Geral do Ministério e gozando de autonomia administrativo-financeira, o CENESP teve sua organização, competência e atribuições estabelecidas no Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 550, assinada pelo Ministro Ney Braga em 29 de outubro de 1975 (MAZZOTTA, 2001, p. 56). Pelo mencionado Regimento, o CENESP contava com seis setores administrativos: "Conselho Consultivo, Gabinete, Assessoria Técnica, Coordenações (em número de sete, correspondendo cada uma delas a uma determinada área de excepcionalidade), Divisão de Atividades Auxiliares, Divisão de Pessoal e Órgãos Subordinados (Instituto Benjamin Constant e Instituto Nacional de Educação de Surdos)" (MAZZOTTA, 2001, p. 56). Enfim, após 119 anos desde que chegou no Brasil em 1854, tendo como marco inicial justamente a educação de cegos, a educação especial institucionaliza-se como política pública de governo, a partir de então, como um órgão no Ministério da Educação diretamente responsável pela coordenação e expansão da política educacional dos excepcionais em todo o território brasileiro. O Artigo 2º do Regimento estabelece que: O CENESP tem por finalidade planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1º e 2º graus, superior e supletivo, para os deficientes da visão, da audição, mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos com problemas de conduta e os superdotados, visando à sua participação progressiva na comunidade, obedecendo aos princípios doutrinários, políticos e científicos que orientam a Educação Especial (MAZZOTTA, 2001, p. 56). Seguindo o modelo de estrutura norte-americano, o CENESP foi constituído como órgão central de direção, que define normas legais, disponibiliza uma certa quantia de recursos orçamentários para um conjunto de ações a serem desenvolvidas em nível nacional, mas para executá-las depende da articulação com outros órgãos governamentais ou instituições não governamentais situadas nos Estados e Municípios, espaço onde residem as pessoas e os serviços precisam ser efetivados. Nos Estados Unidos da América do Norte, "a educação especial é, invariável e sistematicamente, atribuição das Secretarias de Educação, através dos setores especializados no atendimento a cada grupo de excepcionais, subordinados a um departamento que os coordena e dirige" (BRASIL, 1979, p. 13). Naquele momento, parece que o principal desafio que se colocava para o setor da Educação das pessoas com deficiência visual do CENESP, seria organizar a partir das diversas experiências regionais governamentais e não governamentais isoladas já existentes, documentos balizadores que servissem de diretrizes norteadoras para os Estados e Municípios, na tentativa de implantação de uma política nacional de educação para os alunos cegos ou com visão reduzida. Após se constatar que não havia no país um currículo que pudesse servir de parâmetro na educação dos cegos e das pessoas com visão reduzida, por meio de um convênio firmado entre o CENESP, área da deficiência visual e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em 1979, foram elaborados 4 (quatro) documentos nos quais os técnicos expõem os fundamentos teóricos, históricos, psicológicos, legais, metodológicos e um conjunto de técnicas e recursos que devem ser utilizados na educação desses alunos. A equipe de técnicos que elaborou os documentos tomou o cuidado de esclarecer que as propostas não só se constituem num conjunto de orientações, como elas também podem ser enriquecidas com outras contribuições dos educadores desta área, responsáveis pela sua implementação na prática escolar cotidiana. Assim, na 1ª proposta curricular são apresentados os conteúdos da 1ª série, na 2ª proposta, os conteúdos da 2ª, 3ª e 4ª séries, ao passo que no 3º documento os da 5ª a 8ª séries, enquanto no último apresenta-se um manual para os professores, indicando estratégias de ações visando o desempenho educacional dos alunos nas escolas regulares. Pode-se dizer que para uma proposição curricular no ensino regular que possa atender ao deficiente da visão, respeitando sua organização pessoal, uma conceituação teórica, psicologicamente, deve embasar tal proposição englobando a situação educacional como um todo, no contexto mais amplo de uma instituição escolar. Recursos pedagógicos e sugestão de uma estratégia de ação devem complementar essa fundamentação teórica, impedindo que a mesma se perca em especulações racionais (BRASIL, 1979, p. 27). Confirmando a hegemonia norte americana na América Latina no pós Segunda Guerra Mundial, o Brasil não só enviou pessoal para se formar naquele país, não só nesta área, como também importou e introduziu aqui, modelos vindo de lá, que foram aqui implantados, deixando evidente a sua dependência externa, até mesmo na área da educação especial. As quatro propostas elaboradas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro através do Convênio, são permeadas do início ao fim por um referencial teórico e de experiências práticas da educação de alunos cegos ou com visão reduzida, dos Estados Unidos da América do Norte, que trazem na sua essência elementos típicos de uma sociedade /educação profundamente marcada por características biológicas e econômicas, como fica evidente na transcrição a seguir. Deste modo, as crianças cegas bem dotadas intelectualmente e que possuem condições sócio-econômicas satisfatórias freqüentam a escola pública de suas comunidades, devidamente equipadas para atendê-la. As demais, inclusive aquelas que, além de cegueira, são portadoras de uma segunda deficiência sensorial, mental ou motora, são encaminhadas para escola residencial, mantida pelo governo de cada unidade da Federação (BRASIL, 1979, p. 13). Salvo engano de interpretação, possibilidade admitida, parece não restar dúvidas, as escolas regulares lá são para os alunos bem dotados intelectual e economicamente, isto é, são para os filhos cegos das elites que possuem condições de arcar com as necessidades específicas decorrentes das limitações ocasionadas pela cegueira. Para "as demais", com ou sem uma segunda deficiência, quer dizer, para as pobres restava apenas a segregação, o isolamento social em uma escola de qualidade questionável. Numa análise sobre os aspectos psicológicos das propostas curriculares, é possível identificar uma variedade de concepções presentes que vão desde a teoria comportamentalista, freudiana, gestaltista e até a piagetiana, demonstrando muito bem a base idealista e genética sob a qual assentavam-se os conteúdos propostos. Parece ser desta forma que "uma filosofia libertadora dirige o processo de educação" dos alunos com deficiência visual. Apreciado sob o ponto de vista psicogenético, observa-se que o indivíduo, num processo de adaptação e de equilíbrio através de acomodações e assimilações, ganha estruturas mentais sucessivas que conduzem o seu desenvolvimento de forma progressiva, sustenta a equipe que produziu os documentos, apropriando-se de Piaget e dos princípios da Escola Nova (BRASIL, 1979, p. 27). Em relação aos aspectos legais que embasam as propostas curriculares na área da deficiência visual, elas encontram abrigo na Carta Magna, isto é, na Constituição da República Federativa do Brasil (Emenda Constitucional n° 1, de 17/10/69, art. 177, 2°), que prescreve: "cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional, que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência e até às leis federais que regem os ensinos de 1º e 2° graus" (BRASIL, 1979, p. 13). A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Federal nº 4.024, de 20/12/1961, no Título X - Da Educação de Excepcionais, Artigo 88, estabelece: "A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação a fim de integrá-los na comunidade." Já no seu Artigo 89, assim se expressa: "Toda iniciativa privada, considerada eficiente pelos Conselhos Estaduais de Educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá, dos poderes públicos, tratamento especial, mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções". Por sua vez, as Diretrizes e Bases da Educação de 1° e 2° Graus, Lei Federal n°5.692, de 11/8/1971, no Capítulo 1 Artigo 9º, estipula: os "Alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação" (BRASIL, 1979, p. 13). Foi numa conjuntura de forte repressão aos segmentos populares organizados e de uma alta centralização do Estado no controle dos grandes projetos nacionais, que a educação das pessoas cegas ou com visão reduzida, ganhou um importante impulso rumo à sua expansão territorial e ampliação no acesso ao sistema de ensino público ou privado regular. O modelo de educação segregado baseado na institucionalização, pelo que parece, além de representar um custo maior e não mais corresponder aos interesses ideológicos da "nova" educação burguesa, num país com as dimensões geográficas do Brasil, dificilmente teria possibilidade de assegurar a este alunado, o acesso à educação, tal como preconizavam todos os documentos oficiais nacionais e internacionais. Ao que parece, o discurso apregoando o fim do modelo institucional segregado está fortemente permeado pelo compromisso ético de se construir “uma sociedade e uma educação para todos”, que possibilite “a igualdade de oportunidades”, condição que não seria possível com a continuidade da institucionalização, não apenas por representar uma atitude incorreta, mas porque na prática seria impossível construir um instituto de cegos em cada município, ou pelo menos um em cada cidade micro regional em todo o país. Construir, equipar e manter com os devidos recursos materiais e humanos necessários ao funcionamento de uma instituição desta natureza, em milhares de municípios em todo o Brasil, tudo indica que ficaria bem mais oneroso para o Estado e para a sociedade, do que inserir os alunos cegos ou com visão reduzida nas escolas comuns, até porque neste caso, exceto as despesas com os recursos específicos, a edificação, as demais estruturas e os recursos humanos, precisariam ser também assegurados para os alunos sem deficiência. Além disso, a parte das despesas com alimentação, água, luz e outros encargos que no modelo institucional, eram assumidos pelo Estado através do repasse de verbas públicas, agora acabaram ficando sob a responsabilidade das famílias. De qualquer forma, é bom esclarecer que tal hipótese carece de maior investigação para o levantamento de dados, por isso assume aqui um caráter meramente especulativo. Com relação ao Estado do Paraná, dentro de uma política nacional de expansão do acesso a este alunado, mesmo antes da elaboração das propostas curriculares acima citadas, a professora Venturini, em 1975, havia produzido o documento prévio para elaboração de um plano de atuação visando a implantação de serviços de atendimento a cegos e deficientes da visão na região oeste. Segundo ela, "este documento foi elaborado como base para discussão e elaboração final, que dependerá de discussão com a equipe de especialistas, quando serão acrescentadas modificações, detalhamentos e inclusões necessárias" (VENTURINI, 1975, p. 02). Tal projeto especial de caráter multinacional, além do Brasil contava também com a participação do Paraguai, Uruguai e a Organização dos Estados Americanos, configurando mais um acordo internacional com vistas a garantir a educação para este segmento social. Fazendo um levantamento preliminar baseado em informações provavelmente colhidas à distância, a técnica do CENESP afirma: o diagnóstico da situação torna-se limitado pela carência de dados sobre a Região Oeste do Paraná. O que se pode destacar das informações existentes é que a utilização do sistema educacional, das unidades de ensino, dos recursos médicos e sociais existentes nos diferentes municípios principalmente Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu, permitirá a organização e funcionamento de programas educacionais para cegos e deficientes da visão (VENTURINI, 1975, p. 16). Como aspecto positivo, na implantação desses serviços, destacava-se a existência do Departamento da Educação Especial da Secretaria do Estado, com o qual o CENESP, área da deficiência visual, poderá contar para assegurar a educação aos alunos cegos ou com visão reduzida desta região. Tomando por base essas informações preliminares, a primeira parte do próximo capítulo deste trabalho, em linhas gerais, buscará compreender como ocorreu a implantação dos serviços especializados de atendimentos às pessoas cegas ou com visão reduzida, no Estado do Paraná e no município de Cascavel. CAPÍTULO III ALGUNS ASPECTOS DA EDUCAÇÃO DA PESSOA CEGA OU COM VISÃO REDUZIDA NO PARANÁ. A educação dos cegos no Estado do Paraná seguiu o mesmo caminho da educação nacional. O contexto sócio, econômico, político e cultural do aparecimento desta educação inseria-se no mesmo quadro da conjuntura brasileira. O marco inicial deste acontecimento ocorreu no final da década de trinta, com a fundação do Instituto Paranaense de Instrução e Trabalho para Cegos, em fevereiro de 1939, na cidade de Curitiba, capital do Estado. Antes deste acontecimento, provavelmente como um fato isolado, existe o registro de 1932, onde um cego curitibano recorreu ao Conselho Nacional da Educação, pleiteando o direito de freqüentar uma escola regular. Em nível nacional, o final da década de vinte e início da década de trinta, foi marcado por importantes mudanças no plano político institucional, caracterizadas principalmente pelo surgimento do Estado desenvolvimentista, posto em marcha pelo bloco no poder, liderado por Getúlio Vargas, que passou a controlar o aparelho estatal. Como parte dos debates, a educação, naquele momento, ocupou posição de destaque dentro do "novo" projeto para o país. A Reforma Francisco Campos, operada ainda no período (1931-1932) do governo provisório, atendendo às reivindicações dos "profissionais da educação" e ao projeto centralizador do novo governo, criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e o Conselho Nacional de Educação, ambos destinados a garantir diretrizes gerais para a educação nacional, porém deixando aos Estados, meios próprios de controle do ensino, o que favorecia a relativa descentralização pretendida pelos renovadores (XAVIER, 1990, p. 83). A criação do Conselho Nacional da Educação, como órgão normatizador do ensino, acabou beneficiando, em 1932, um estudante cego da capital do Estado, que pretendia ingressar numa escola comum e teve sua matrícula recusada. O sucedido parece ser apenas uma confirmação, explicitando que o ingresso desses alunos nas escolas comuns regulares não se fez sem lutas e sem um toque de compaixão. Uma pessoa cega pretendeu ingressar num Ginásio de Curitiba, suscitando o Parecer nº 291, de 4 de novembro de 1932, no qual a Comissão de Ensino Secundário do Conselho Nacional de Educação escreveu: O professor Cesário de Andrade mostra que não é possível ministrar em conjunto o ensino de classes de alunos cegos, que se valem de sistemas especiais e ainda deficientes e de alunos videntes que seguem métodos pedagógicos comuns (SOMBRA, 1983, p. 25). Assumindo, entretanto, um posicionamento contraditório, o relator da matéria apesar de entender que não seria possível para um professor ministrar aulas para alunos que se valem de métodos de ensino tão diferentes, provavelmente, tomado por um sentimento próprio de comiseração, o parecer acabou concluindo pela concessão da matrícula pleiteada, porque “seria realmente profundamente doloroso que, além do cárcere das trevas, privássemos o requerente desse bálsamo espiritual, que tanto o ajudará a quebrar o cepticismo tão próprio dessa grande desgraça que é a cegueira” (SOMBRA, 1983, p. 25). Para poder cursar o ensino superior, em 1943, o mesmo aluno teve que novamente recorrer ao Conselho Nacional da Educação por causa do cerceamento do acesso a uma universidade, o que lhe foi concedido com base no direito à eqüidade (Parecer n.º 144/16/04/1943). Outro aluno cego, desta vez em 1952, também precisou utilizar-se do mesmo instrumento para ter assegurado pelo menos o direito de inscrever-se no curso de Geografia, obtendo do Conselho um parecer favorável em consideração à "desgraça" da cegueira. No Parecer nº 50, de 1953, emitido no Processo nº 11.580, de 1952, a Comissão de Legislação do Conselho Nacional de Educação autorizou um aluno cego a inscrever- se no exame de habilitação para Geografia, assinalando: Deixá-los mergulhados sem sombra de esperança, no ceticismo próprio dessa grande desgraça que é a cegueira, não seria humano (SOMBRA, 1983, p. 26). Mesmo o autor não informando de que região ou município era o aluno cego interessado em cursar Geografia, parece ser possível admitir que o recurso do cego de Curitiba em recorrer ao Conselho Nacional da Educação, foi também utilizado por outros alunos cegos que buscavam ingressar nas escolas comuns regulares e nas universidades, fazendo aquele colegiado se posicionar por diversas vezes sobre o acesso à educação, por parte dos cegos brasileiros. Entretanto, a educação dos cegos paranaenses no período compreendido entre o início da década de quarenta e o começo da década de sessenta, objetivamente restringiu-se à capital do Estado e foi ofertada na Escola Especial do Instituto Paranaense de Instrução e Trabalho para Cegos. Mazzotta (2001, p. 33) e Silveira Bueno (1993, p. 91) indicam 1944, como sendo o ano de criação do Instituto, mas o documento "Fundamentos Teórico-Metodológicos para a Educação Especial", produzido pelo Departamento da Educação Especial da Secretaria da Educação do Estado do Paraná, em 1994, afirma: "no Estado do Paraná, em 1939, foi fundada a primeira entidade de assistência aos portadores de deficiência visual, o Instituto Paranaense de Cegos" (PARANÁ, 1994, p. 10). Confirmando a data de 1939, menos de um ano após a data da sua criação, em janeiro de 1940, já entrava em funcionamento a Escola Especializada do Instituto, autorizada a ofertar o ensino de 1ª a 4ª séries (TURECK, 2003, p. 52). Até 1953, apenas sete "Escolas Especiais" haviam sido registradas na Secretaria da Educação do Estado, sendo cinco em Curitiba e duas em Londrina (PARANÁ, 1994, p.10). No âmbito da escola pública, a primeira experiência com a educação especial, teria acontecido em 1958, na cidade de Curitiba, no Centro Educacional Guaíra (hoje escola estadual Guaíra), onde a Diretora Pórcia dos Guimarães Alves, criou uma Clinica Psicológica para avaliar a repetência e a dificuldade de aprendizagem escolar, culminando com o surgimento da primeira Classe Especial no Estado (FURQUIM, apud PARANÁ, 1994, p.10). Com a aprovação da Lei federal 4.024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que reservou dois Artigos (88 e 89) para a Educação Especial, o Estado sentiu-se na obrigação de intensificar as iniciativas nesta área, criando, então, em 1963 na Secretaria da Educação e Cultura, o "Serviço de Educação de Excepcionais". Atendendo uma exigência da Lei 5.692/71, em 1971, a Secretaria da Educação do Estado passou por uma reestruturação e o "Serviço de Educação de Excepcionais" foi transformado no atual "Departamento de Educação Especial". Esse Departamento se estruturou de forma setorizada, compreendendo a direção, setor administrativo e os setores específicos, que atualmente constituem os Serviços de Educação de Deficiência Auditiva, de Deficiência Física, de Deficiência Mental, de Deficiência Visual, Altas Habilidades e, mais recentemente, de Condutas Típicas e o Grupo de Apoio à Profissionalização (PARANÁ, 1994, p. 10). Este Departamento assumiu no Estado a função de coordenar, normatizar, promover e difundir as ações específicas voltadas para esta área, priorizando as questões administrativas e pedagógicas necessárias ao processo ensino aprendizagem deste alunado. O documento do DEE/SEED, afirma: esses trinta anos de construção histórica caracterizaram-se, sobretudo, pela caminhada conjunta desse Departamento com os portadores de necessidades especiais e seus familiares na busca da garantia dos direitos educacionais, sociais e da integração nos contextos sócio-econômico, político e cultural (PARANÁ, 1994, p. 11). No Paraná, inclusive, como não poderia deixar de ser, em razão da histórica simbiose existente entre o público e o privado, a Educação Especial expandiu-se com as seguintes características: por um lado, a criação de serviço de apoio (concepção de suporte) para os alunos matriculados nas escolas comuns e por outro, uma forte presença das escolas especiais mantidas por entidades particulares de cunho filantrópico assistencial. Foi a partir deste pressuposto que a educação escolar desses educandos desenvolveu-se em duas vertentes distintas: instituições privadas e programas especializados na rede pública de ensino. As escolas especiais, que constituem um marco histórico do atendimento educacional, são numerosas e constituídas, predominantemente, por Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), cujo movimento foi iniciado no Paraná, a partir da década de 60, com a criação da primeira entidade em Curitiba e a subseqüente expansão rumo ao interior do Estado (PARANÁ, 1994, p. 11). Como já havia ocorrido em nível nacional, aqui também é o grupo ligado ao Movimento Apaeano (além de outros com os mesmos propósitos) que passa a hegemonizar e direcionar a Educação Especial no Estado, fazendo do Departamento de Educação Especial o meio de difusão das suas idéias e de alocação e destinação de recursos do orçamento público, para a criação e propagação das escolas especiais, principalmente na área da deficiência mental. No início da década de setenta, na área da deficiência visual, a situação mantinha-se praticamente inalterada, isto é, o acesso à educação para as pessoas cegas ou com visão reduzida, continuava restrito na capital, ou no máximo na região metropolitana de Curitiba, porém já com a presença desses alunos nas escolas comuns regulares, públicas ou privadas. Num primeiro momento, o apoio para esses alunos era feito apenas pela equipe da área da deficiência visual do Departamento de Educação Especial, vindo posteriormente, também, a iniciativa particular de cunho filantrópico assistencial a prestar esses serviços. Ao que parece, tomando por base o "sucesso" das APAES, um grupo de pais, profissionais da área e voluntários da comunidade, reuniram-se e em 1972 fundaram a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (APADEVI), com o propósito de oferecer um conjunto de serviços denominados especializados para apoiar as pessoas cegas ou com visão reduzida, matriculadas ou não na rede escolar de ensino. Para Tureck, os estatutos e a organização da APADEVI, na esteira do modelo apaeano, mantinham a continuidade da instituição filantrópica, ainda que os destinatários de seus serviços fosse um segmento com características absolutamente diversas daquele, próximos apenas na concepção histórica de dependência e incapacidade (TUREK, 2003, p. 53). Esta instituição ainda presa à velha concepção, não deixou de fazer "uma tentativa de manter residência para crianças cegas, cujas famílias eram do interior do estado onde não havia recursos especializados disponíveis" (TURECK, 2003, p. 53). Mas a tentativa do internato não logrou êxito e logo a idéia foi abandonada, limitando-se então, a entidade a atuar na prestação de serviços para o Estado, mediante a elaboração de convênios através dos quais recebia professores e recursos públicos para a sua manutenção. Mesmo sem a caracterização de um movimento articulado e coordenado, houve uma proliferação deste modelo para algumas cidades do interior do Estado, avanço provavelmente contido com a decisão do Departamento de Educação Especial em implementar uma política pública de atendimento, com a criação dos Centros de Atendimento Especializados pelo interior do Estado. No final da década de sessenta e início da década de setenta, foram criadas outras duas instituições particulares que tinham como objetivo prestar assistência a este segmento: a Fundação de Assistência à Criança Cega (FACE), fundada em 11 de julho de 1972 e a Associação Feminina de Amparo ao Recém-Nascido com Deficiência Visual, criada em 19 de abril de 1969, ambas na cidade de Curitiba, continuando o atendimento concentrado basicamente na capital. A expansão da educação para outras regiões do Estado de modo a permitir às pessoas cegas ou com visão reduzida, o acesso à escola comum regular, dificilmente teria ocorrido sem uma intervenção estatal, por meio de ações implementadas em conjunto, entre o Estado e a União. Em 1975, na avaliação do CENESP/MEC, área da deficiência visual, responsável pela implementação desta política a nível nacional, o Estado do Paraná contava com uma situação privilegiada, pois a equipe da área da deficiência visual do Departamento da Educação Especial, já desenvolvia um importante trabalho, precisando somente ser ampliada para melhor responder aos novos desafios. O Setor de Educação de Deficientes da Visão do Departamento de Educação especial desenvolve um excelente programa educacional de atendimento a educandos cegos e deficientes da visão. Conta com uma equipe de professores especializados e professor de mobilidade, recorrendo aos recursos gerais do Departamento no que se refere à triagem, avaliação e diagnósticos. Os tipos de atendimento enquadram-se na moderna tendência da integração, realizando-se através de salas de recursos e ensino itinerante (VENTURINI, 1975, p. 17). Diante desta constatação, a execução de um projeto de expansão da educação para o interior do Estado, deveria estar acompanhada da reestruturação ou ampliação da equipe da área da deficiência visual, precisando também passar por um processo de capacitação para a assimilação de novos conceitos. Um dos aspectos do projeto do CENESP já mencionado no final do capítulo anterior, elaborado em 1975, levantando as características da região Oeste para a implantação de serviços de apoio, dizia respeito à formação de professores especialistas como uma das necessidades a ser solucionada nesta área, podendo ocorrer a curto e médio prazo. De imediato, a Equipe da área da Deficiência Visual, precisaria de um especialista em educação de pessoas cegas ou com visão reduzida, formação que poderia acontecer numa universidade norte-americana, em tempo intensivo ou em período mais espaçado; assim, uma organização internacional com probabilidade de oferecer apoio financeiro em qualquer das atividades propostas, seria a American Foundation For Over Seas Blind, de New York (VENTURINI, 1975, pp. 21 e 22). Calculava-se em 1975, a existência de 28.000 pessoas cegas ou com visão reduzida no Estado e 3.200 na região oeste. Para a implantação do serviço de apoio no interior, havia a necessidade da caracterização, identificação e localização da "clientela", estimada em 400 alunos na região oeste, 51 no município de Cascavel e 21 em Foz do Iguaçu (VENTURINI, 1975, p. 17). Desde o final da década de cinqüenta, a partir da criação da Campanha Nacional de Educação dos Cegos, que culminou com a estruturação da Equipe da Área da Deficiência Visual no CENESP, o governo federal já vinha definindo diretrizes e apoiando com recursos técnicos financeiros, os Estados da federação, na implantação dos serviços especializados no interior do país. O quadro dos recursos humanos dos serviços, elaborado pelo CENESP, compunha-se de médico oftalmologista, psicólogo, assistente social, professores especialistas em habilitação e reabilitação, orientação e mobilidade, atividades da vida diária, estimulação precoce, entre outros. No Estado do Paraná, a implantação desses serviços estava condicionada, ou articulada com a formação de professores especializados para atuar nesta área, preocupação que ganhou corpo somente em 1984, com a regulamentação dos "Estudos Adicionais". Isso ocorreu com a Deliberação 025/84, que dispõe sobre atualização e consolidação das normas relativas à implantação, estruturação e funcionamento dos estudos adicionais, a que se refere o parágrafo 1° do artigo 30 da Lei 5.692/71, alterado pelo artigo 1° da Lei 7.044/82, na qual se fundamentam os cursos de formação de professores para a Educação Especial, na forma de Estudos Adicionais (PARANÁ, 1994, p. 12). Tendo em vista essa necessidade e objetivando formar um maior número de professores possíveis, num menor espaço de tempo, o Departamento de Educação Especial da Secretaria de Educação do Paraná, conforme mencionado, estruturou diversos cursos "Adicionais" em diferentes regiões do Estado, executados através de Convênios com instituições de ensino superior, como ocorreu, por exemplo, na UNIOESTE – Campus de Cascavel, em 1986, marcando o início da habilitação de professores para atuar nas diferentes áreas de pessoas com deficiência; processo que se estenderia durante os anos subseqüentes. Foram alguns desses professores formados neste curso para atuar na área da deficiência visual, os primeiros especialistas do município de Cascavel, que tiveram a incumbência de implantar e consolidar o primeiro Centro de Atendimento Especializado para Deficientes Visuais (CAEDV) da região Oeste do Estado, em 1987, no Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira. A criação do primeiro serviço de atendimento especializado da região Oeste, no município de Cascavel, fazia parte da estratégia do CENESP/MEC, área da deficiência visual, em 1975, onde já se assinalava: "este trabalho deverá iniciar-se no município de Cascavel que oferece melhores condições de recursos comunitários" (VENTURINI, 1975, p. 22). A estruturação da educação especial, prevendo inclusive os critérios de funcionamento dos CAEDV´s, das escolas especiais e demais serviços de atendimentos, ocorreu com a "Deliberação 020/86, do Conselho Estadual de Educação, estabelecendo normas da Educação Especial no sistema de ensino" (PARANÁ, 1994, p. 12). Como a concepção que fundamenta a educação especial, inclusive na área da deficiência visual, enfatiza os aspectos clínicos, a necessidade ou não dos serviços oferecidos pelos CAEDEV´s para a "clientela", são definidos tomando-se prioritariamente as informações do laudo médico oftalmológico. Desse modo, a partir de um conjunto de elementos chega-se à definição do alunado passível de atendimento educacional especializado, na área visual, que será constituído pelos "portadores" de: 1.Cegueira bilateral...; 2. Visão reduzida (subnormal)...; 3. Patologias progressivas...; 4. Ambliopia funcional...; 5. Distúrbios de alta refração... (PARANÁ, 1994, p. 69). "Os Centros de Atendimento Especializado (CAEDV) constituir-se-ão unicamente em suporte pedagógico ao aluno portador de deficiência visual e ao professor do ensino regular" (PARANÁ, 1994, p. 69). Os Centros Especializados tanto podem atender os alunos matriculados na rede regular de ensino no sistema de contra-turno, como também aquelas pessoas cegas ou com visão reduzida que estão fora da escola, mas precisam de algum tipo de atendimento de habilitação ou reabilitação. Na definição da equipe da área da deficiência visual, que atuaria no Departamento da Educação Especial, nos Núcleos Regionais de Educação e nos CAEDEV´s, o Estado do Paraná excluiu a possibilidade da utilização dos serviços dos profissionais da psicologia, da assistência social e do orientador vocacional. Embora tenha continuado dando ênfase aos aspectos clínicos e à opinião do profissional médico na definição do quadro do aluno, o médico além de não fazer parte da equipe, tem seu local de atendimento mantido desvinculado da rede educacional, isto é, nos consultórios particulares ou nos postos de atendimento da saúde pública. Deixar fora das equipes o profissional médico, psicólogo ou assistente social, pelo que parece, não é o mesmo que desconsiderar a importância da contribuição dessas áreas da ciência, trata-se apenas de valorizar a função do professor especializado e enfatizar os aspectos pedagógicos educacionais. Em face deste entendimento, os CAEDEV´s foram concebidos para prestar/desempenhar, por um lado, os serviços de Habilitação ou Reabilitação para a escrita e leitura no sistema braile, Orientação e Mobilidade, Atividades da Vida Diária, Reeducação Visual, Estimulação Precoce, Apoio Escolar, Preparação do Material Adaptado e o Apoio Itinerante; por outro, prestar às escolas que contam com alunos cegos ou com visão reduzida matriculados, todos os tipos de assessoria e orientação necessárias de modo a lhes permitir a apropriação dos conhecimentos. É importante frisar que todos os educandos portadores de deficiência visual, em idade escolar, deverão estar regularmente matriculados em escolas comuns e subordinados à estrutura e funcionamento do ensino fundamental (PARANÁ, 1994, p. 69). De acordo com a exposição, desenvolvida até o momento, no Estado do Paraná, parece não existir nenhuma dúvida de que o encaminhamento dado pelo Departamento de Educação Especial, em conformidade com as diretrizes do CENESP/SEESP/MEC, área da deficiência visual, confirma a escola comum regular como sendo o único e verdadeiro local educacional formal para os alunos cegos ou com visão reduzida, descartando-se qualquer tipo de especulação sobre a possibilidade de escola especial para este alunado. Antes de avançar nas breves considerações sobre a organização das pessoas cegas ou com visão reduzida no município de Cascavel, parece importante mencionar que entre o período de 1977/78 e 1985, o Brasil viveu uma fase de grandes mobilizações envolvendo praticamente todos os setores da sociedade, os quais independente de suas matizes político- ideológicas, estiveram unidos em torno de uma bandeira: a redemocratização do País. Uma análise resumida do que representou o resultado final de toda aquela mobilização, pode ser encontrada nas palavras de um dos maiores sociólogos brasileiro, Florestan Fernandes. A cúpula política do principal partido da oposição em aliança democrática com os liberais do regime, que finalmente, descobriam que o seu ardor revolucionário renderia maiores dividendos se eles continuassem à testa do governo. Por fim, o braço civil, que se desengajara antes dos militares, deixando o regime sem uma base social de sustentação política, abraçou a composição política que garantia ao grande capital nacional e estrangeiro uma transição sem ousadias e sem turbulências. Isso queria dizer simplesmente, que a ditadura não seria desmantelada e que ela serviria de guia a uma democratização "sui generis", que sairia das entranhas do regime, como sangue do seu sangue (FERNANDES, 1984, p. 19). Naquele contexto, além dos movimentos operários clássicos da região do ABC, surgiram "os movimentos dos desempregados e das Diretas Já, que se definiam no campo da ausência do trabalho e na luta pela mudança do regime político brasileiro" (GOHN, 1997, p. 286). Na esteira das mobilizações e lutas nacionais dos diversos setores organizados da sociedade, articulava-se também o segmento das pessoas com deficiência, buscando a sua afirmação e consolidação de suas reivindicações, na Constituição Federal de 1988. A mobilização das pessoas deficientes no sentido de uma luta reivindicatória é fato bastante recente na história do nosso país. Os grupos com esta característica começaram a surgir em fins de 1979 e início de 1980, período que coincidiu com o início da "abertura" política que permitia o debate de vários temas e a organização de diversos setores da comunidade. Antes deste período, a questão das pessoas deficientes era ligada à religião ou à medicina e seus porta-vozes eram os religiosos e os profissionais de reabilitação (SASSAKI, 2003, p. 04). No início deste processo, houve uma tentativa de formação de uma "coalizão" nacional dos movimentos, reunindo as organizações das diversas áreas das pessoas com deficiência, porém, esta idéia não foi adiante por causa de divergências e desentendimento entre os envolvidos, fato que teria levado, em 1984, à fundação da Federação Brasileira de Entidades de Cegos (FEBEC). A influência do movimento internacional de cegos, defendendo uma espécie de homogeneização, faria surgir pouco depois, a União Brasileira de Cegos (UBC), congregando também as instituições (de ou para) prestadoras de serviços, processo marcado por muitas disputas e polêmicas nos círculos de debates da organização dos cegos brasileiros (BELARMINO, 2001). A luta das pessoas cegas ou com visão reduzida para criarem e dirigirem as suas próprias organizações é legítima e necessária, mas isso, por si só, não oferece nenhuma garantia de que estas entidades serão mais combativas e menos conservadoras sob os aspectos políticos. Mesmo sendo entidades de pessoas com deficiência visual, a grande maioria das existentes no Brasil e no exterior, limitam-se a desempenhar a função de prestadoras de serviços, competindo, concorrendo ou colaborando com o Estado, exercendo pouco ou nenhum poder de pressão sobre o mesmo, tornando-se praticamente nulas como forças políticas organizadas, uma vez que acabam sendo absorvidas pela dinâmica da burocracia. Nesta questão internacional, Matos analisando o perfil das Associações Tiflológicas Portuguesas, faz a seguinte consideração: Em Portugal, as organizações tiflológicas têm sido essencialmente organizações prestadoras de serviços"; por isso, "as organizações reivindicativas, em conseqüência da insuficiência de respostas para as carências das pessoas cegas, evoluíram de tal maneira que acabaram por converter-se em elementos integrantes da comunidade de prestação de serviços (MATOS, 2001). A realidade das organizações de cegos portuguesas, talvez com pequenas variações na forma, mas mantendo-se na essência, é praticamente a mesma em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde as entidades que procuram atuar a nível nacional encontram-se extremamente fragilizadas e subordinadas à lógica estatal. A União Brasileira de Cegos (UBC), que deveria encaminhar lutas políticas nacionais, como a falta dos livros didáticos, situação que atinge alunos de todos os níveis no Brasil inteiro, preferiu emprestar a sua razão jurídica para a Secretaria da Educação Especial (SEESP), por meio de um convênio em que recebe os recursos para a aquisição dos equipamentos do Centro de Apoio Pedagógico (CAP), projeto implementado pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com organizações governamentais e não governamentais. O Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual - CAP, institucionalizado pelo Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Especial é resultado de um trabalho conjunto entre a SEESP e as entidades filiadas à União Brasileira de Cegos - UBC (Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais, Instituto Benjamin Constant e Fundação Dorina Nowill para Cegos) (ABEDEV, 2000). No Estado do Paraná, entre o final da década de setenta e o início da década de oitenta, duas entidades de caráter "reivindicatório" foram criadas; em 1979, a Associação de Deficientes Visuais do Paraná (ADEVIPAR), na cidade de Curitiba, e a Associação de Deficientes Visuais de Maringá (ADEVIMAR), em 1984, no município de Maringá, região norte do Estado. Embora sendo entidades de pessoas cegas ou com visão reduzida, surgidas no campo do movimento reivindicatório, ambas não conseguem, na prática, ultrapassar os limites da prestação de serviços, principalmente considerando a natureza de suas ações, mais voltadas para o desporto, o lazer e a recreação. Como este estudo tem demonstrado até o momento, a educação formal para o segmento em tela, não se fez sem a participação/colaboração das entidades de, ou para pessoas com deficiência visual de natureza jurídico-particular, seja mantendo escola especial ou serviços, como ocorre por exemplo, com a ADEVIPAR, que possui uma gráfica para imprimir livros em braile. Cascavel não fugiu a esta tendência, pelo menos no plano da intencionalidade, já que a tentativa de uma organização desta natureza não logrou êxito, deixando, entretanto, o registro histórico num tempo onde nada existia para as pessoas cegas ou com visão reduzida, nem na educação e nem em outra área. Antes mesmo da chegada do Estado, em Cascavel, com a fundação do CAEDV, em 1987, a primeira preocupação, tanto com a organização, como com a educação formal para essas pessoas, ocorreu em 1984, através da criação da União Cascavelense de Cegos (UCC). Embora tivesse um curto período de existência e não tendo deixado nenhum resultado prático de suas ações, uma breve verificação nos únicos documentos encontrados, a Ata de fundação da entidade e o seu Estatuto, parecem demonstrativos do conteúdo intencional de manter escola especial e internato, revelando ser esta iniciativa de caráter conservador e deslocado no espaço e no tempo. Duas informações contraditórias, posto em tela por Tureck, pelo que parece, irão marcar o surgimento da segunda entidade para pessoas com deficiência visual em Cascavel. Para Tureck, na medida em que se criaram Centros Especializados pelo interior do Estado, além de acabar com a hegemonia da capital, avançou-se "também em relação à superação do modelo assistencialista-filantrópico, pois ao oferecer-se tais serviços na rede pública, diminuiu a criação de entidades privadas" (TURECK, 2003, p. 54). Como parte do processo de articulação e mobilização dos CAEDV’s, "um grupo de professoras tomou a iniciativa de convidar a comunidade a participar da educação dos cegos e fundaram a APADEVI de Cascavel, não com o objetivo de implantar programas educacionais, mas de aproximar os pais" (TURECK, 2003, p. 55). Diante das informações trazidas pelo estudo de Tureck, acima citado, parecem necessárias algumas considerações. Embora isso requeira uma maior e mais criteriosa investigação, ainda assim, de forma não conclusiva, é possível admitir que a criação dos Centros Especializados pelo interior serviu para conter a proliferação do modelo de instituição filantrópico-assistencial, na área da deficiência visual. Além da capital, as APADEVIS conseguiram chegar em alguns municípios do interior, talvez em torno de 3 ou 4, em certos lugares concorrendo com os mesmos serviços oferecidos pelo CAEDV, isto é, o público e o privado "disputando" a mesma "clientela". Elemento também importante que parece caracterizar bem o modelo da integração, é a idéia de trazer os familiares e a comunidade para contribuir com a educação dos alunos cegos ou com visão reduzida, conteúdo próprio deste modelo disseminado pelo país, presente já no discurso do Ministro da Educação, Flávio Suplici de Lacerda no encerramento do 1º Congresso de Educação para Deficientes Visuais, realizado em 1964, assim como estava também no Projeto do CENESP/MEC, elaborado pela professora Venturini, em 1975, característica que distingue o modelo "aberto" do modelo "fechado". Se a intenção não era manter programas e sim apenas trazer os pais para participarem da educação dos filhos com deficiência visual, conforme afirma Tureck, a dúvida que fica é se não haveria uma forma de fazer isso como uma atividade do próprio CAEDV, e não criando uma entidade somente para este fim? Mas, independente desta indagação, o certo é que por uma iniciativa do grupo de profissionais especializados do CAEDV, apoiados por alguns familiares e voluntários da comunidade, tomou-se a decisão de criar a Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (APADEVI), fundada no dia 23 de novembro de 1989. Embora Tureck tenha afirmado não ser objetivo da APADEVI a manutenção de serviços, figurava no Estatuto desta entidade, na consecução dos seus fins, no Artigo 5º, inciso 7, o seguinte: "Criar o Centro de Reabilitação da APADEVI de Cascavel". Sem pretender traçar um paralelo direto com a tentativa anterior, da União Cascavelense de Cegos, em 1984, a APADEVI também não logrou êxito, talvez justamente porque o seu principal objetivo seria a prestação de serviços, não conseguindo se firmar por duas razões básicas: 1 - já existia um serviço público que atendia as necessidades mínimas dos educandos, o que provavelmente inibiu uma ação mais incisiva dos mentores da idéia; e 2 - a existência de alguns cegos já engajados em outros movimentos sociais, que passaram a pressionar internamente, com o objetivo de dar outro rumo para o movimento. Esta concepção de entidade, de caráter filantrópico-assistencial, criada e dirigida por profissionais da área e demais membros da comunidade sem deficiência, situa-se no campo das organizações para pessoas com deficiência visual, atua na prestação de serviços e vê nos seus "clientes", apenas os objetos passivos da sua ação. Embora tenha conseguido mobilizar um grupo de filantropos e benfeitores qualitativamente diferente daquele envolvido com a criação da UCC, em 1984, a APADEVI praticamente não saiu do papel entre o período de sua fundação e 1994, fator que também contribuiu na decisão de mudar o seu caráter na primeira reforma estatutária encaminhada naquele ano. Nesta reforma estatutária, a alteração mais substancial foi a mudança do caráter da entidade, deixando de ser “para” pessoas com deficiência visual e transformando-se numa associação “de” pessoas com deficiência visual. Esta alteração não deve ser encarada apenas como uma mudança terminológica, ela traz um conteúdo qualitativamente superior na medida em que as pessoas com deficiência visual saem da condição de meros objetos, espectadores passivos da ação feita por quem não possui deficiência, para se transformarem em agentes sociais ativos. O valor desta tomada de posição, por parte de alguns cegos, pode ser explicada a partir da compreensão de que "as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as suas circunstâncias" (MARX e ENGELS, 1984, p. 57). Também merece destaque, na reforma operada em 1994, o fato de que pelo menos 50% dos cargos no Conselho Diretor, deveriam ser ocupados por pessoas cegas ou com visão reduzida, embora tenha sido mantida a possibilidade de criar centro de habilitação ou reabilitação. De qualquer maneira, isso já era um indicativo da mudança de rumo, que viria a consolidar-se em definitivo com a reforma estatutária de 1999, onde a entidade adquiriu em definitivo o caráter reivindicatório que possui até hoje. Naquele contexto histórico, esta tomada de decisão representou uma espécie de ruptura, porque as políticas do Estado nos anos 90 buscam reformar o sentido de suas ações - - transferindo grande parte de suas responsabilidades para a iniciativa privada - e reformar também seus quadros, estrutura de funcionamento etc. Assim, ele cumpre dois objetivos: o de se reorganizar para se tornar um centro mais dinâmico para o novo cenário produtivo mundial - o que é uma necessidade imperiosa - e o de diminuir seus quadros por meio de enxugamento da máquina estatal, demissões voluntárias, privatizações, revisão das leis previdenciárias e trabalhistas etc. (GOHN, 1997, p. 301). Nesta conjuntura, a grande maioria das entidades do "velho" movimento sindical e popular construídas e marcadas pelo caráter reivindicatório, vão aos pouco assumindo o papel de "Organizações Não Governamentais", nova denominação, ou conceitualização dada àquelas entidades que passam a ser parceiras/colaboradoras do Estado e das empresas privadas. Estas também transformando-se em organizações de “responsabilidade social”, na medida em que passam a engajar-se em campanhas de solidariedade, inclusive assumindo creches, etc. e financiando projetos de alta sustentação/prestação de serviços daquelas entidades que, muitas vezes por necessidade orçamentária, acabam aderindo à lógica excludente do capital, atualmente apresentado sem o seu conteúdo de classe, sem explorados e exploradores, sem dominantes e dominados. Com esta reforma excluiu-se em definitivo do Estatuto da ACADEVI, qualquer possibilidade de a entidade criar e manter centro de reabilitação ou reabilitação, bem como implantar/executar serviços que são da responsabilidade do Estado, compreendido no nível municipal, estadual e federal, negando, portanto, a lógica do Estado neoliberal. Reiterando um caráter de oposição a uma tendência seguida inclusive pela grande maioria das entidades de cegos, tanto de dentro como de fora do Brasil, o Estatuto da ACADEVI aprovado na Assembléia do final do ano de 1999, nos seus objetivos, confirma a sua disposição de lutar pela inserção social das pessoas cegas ou com visão reduzida, como sujeitos ativos, que se posicionam criticamente político e socialmente, diante da realidade vigente. Esta reforma acabou com a estrutura verticalizada e hierarquizada, baseada no presidencialismo, figura do líder maior, sob o qual recai o poder da decisão, concepção substituída por uma baseada na horizontalidade, onde todos os membros do Conselho Deliberativo encontram-se em "pé" de igualdade, sem o poder da investidura do cargo. Diferentemente da situação anterior, agora somente poderão fazer parte do Conselho Deliberativo, com direito a votar e ser votado, os associados efetivos, isto é, as pessoas cegas ou com visão reduzida. Para encaminhar as decisões do Conselho Deliberativo, como instância executiva, foi criada uma Coordenação composta de 04 coordenadores: 1. Coordenador de organização; 2. Coordenador de finanças; 3. Coordenador de eventos; 4. Coordenador de imprensa e divulgação. Os coordenadores são eleitos entre os conselheiros e o tempo de ocupação do cargo é por prazo indeterminado, podendo ser substituídos pelo próprio Conselho, independente da realização de uma Assembléia, não havendo também entre os coordenadores nenhuma hierarquia em função do cargo. Merece consideração ainda, a adoção do critério da proporcionalidade, no caso de haver duas ou mais chapas concorrendo à eleição, permitindo com isso no Conselho Deliberativo, a participação das minorias, de acordo com a sua representatividade junto à base dos associados. Nesta fase da exposição, resta mencionar por fim, outro fator não menos importante contemplado no Estatuto, como forma de evitar o uso político da entidade. Não podem fazer parte do Conselho Deliberativo os associados ocupantes de cargos em comissão, funcionários ou prestadores de serviços diretos ou indiretos para a entidade, isto para não se beneficiarem ou beneficiarem alguém pelo uso do cargo. Uma análise nos demais documentos desta entidade, demonstra que as reformas estatutárias são acompanhadas ou estão em conexão com uma prática social de seus militantes envolvidos também, em outras organizações/movimentos sociais, ou espaços institucionais representativos. Ao que parece, a entidade não vê nem na organização e nem na luta isolada das pessoas com deficiência visual, a alternativa mais adequada para a solução dos problemas que afetam direto ou indiretamente os cegos ou a classe trabalhadora em geral; por isso, não só faz questão como incentiva a participação crítica de seus associados em outros movimentos, justamente para evitar a constituição de "guetos" onde os cegos vejam-se e sejam vistos pela sociedade como pertencentes a um "mundo" próprio, fora da totalidade social. Com este objetivo, no campo das pessoas com deficiência, e atualmente como uma das integrantes da coordenação do Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, desde 1994 a entidade está comprometida com sua organização e fortalecimento enquanto um espaço de articulação, mobilização, reivindicação e encaminhamento das lutas e propostas do movimento em nível local. Sem interferir nas questões internas das entidades ou programas integrantes, o Fórum transformou-se num espaço de debates onde são definidas as lutas em conjunto, bem como as estratégias de ocupação coletiva dos espaços institucionais, como as Conferências e os Conselhos Municipais da Saúde, Assistência Social, da Criança etc. Como não é objetivo aqui fazer uma exposição seguida de análise das atividades do Fórum, mas apenas registrar a importante contribuição da ACADEVI na sua constituição, destaca-se como um resultado ou uma conquista deste coletivo, a criação da Assessoria de Políticas Públicas e da Inclusão Social da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 3.268/2001), órgão da administração da Prefeitura Municipal de Cascavel, pensada pelo movimento para oferecer assessoria técnica, política e jurídica sobre a inclusão das pessoas com deficiência. "A assessoria, uma antiga reivindicação das entidades representativas e do Fórum em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, composta pelas entidades organizadas que agora está sendo concretizada pela Prefeitura". O prefeito de Cascavel, na ocasião, Edgar Bueno "justifica ainda a criação da assessoria, pela responsabilidade de toda sociedade, especialmente o Poder Público, em garantir a quebra de barreiras e preconceitos em relação às pessoas com deficiências" (J. HOJE, 15/08/2001). Ainda em relação às atividades do Fórum, merece registro: Mesa redonda organizada pelo Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência debateu ontem, no auditório da prefeitura, os rumos que a educação especial vai ganhar a partir de 2003, já que a Secretaria de Estado da Educação (SEED) decidiu, de forma unilateral, cancelar o atendimento (...) "Estamos questionando a forma como o estado tomou esta decisão, já que o município não tem a estrutura para assumir os centros, de imediato, e sequer professores capacitados", disse o coordenador do Fórum, Flavio Hoffmann, também portador de deficiência visual (J. O PARANÁ, 19/09/2002). Na verdade, o que a SEED/DEE pretendiam era transferir para o município os três CAEDEVs, como já havia imposto na maioria dos municípios que contam com os centros. Isso só não se concretizou porque houve a resistência, obrigando o Estado a recuar da decisão unilateral já tomada. Nesta mesma linha, merece também ser registrado agora o engajamento da entidade nas discussões, articulações, mobilizações e definições no processo de fundação da União Paranaense de Cegos (UPC), ocorrido em setembro de 1999, na cidade de Curitiba, depois da realização de diversos Encontros Regionais feitos pelo interior do Estado, trabalho iniciado no final de 1996, por um grupo de cegos da ACADEVI e de outras entidades da capital e do interior. A criação da União Paranaense de Entidades de Cegos foi tema do seminário estadual "Da Tutela à Cidadania", realizado no final de semana em Cascavel. O assunto será debatido também no Sudoeste e no Norte do Estado, antes de ser levado a um congresso, em Curitiba. A informação é da Associação Cascavelense de Deficientes Visuais (Acadevi), que realizou o seminário em parceria com a Secretaria de Estado da Criança e Assuntos da Família (J. F. LONDRINA, 03/06/1997). Em face de concepções divergentes entre o grupo envolvido no processo, a criação desta instituição foi marcada por muitas polêmicas, algumas de conteúdo político, outras por disputas de espaços ou de cunho mais pessoal, mesmo assim ela nasce como uma entidade de caráter reivindicatório com o propósito de encaminhar as lutas dos cegos paranaenses. Tanto no Fórum em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, como na União Paranaense de Cegos, ou na participação em outros eventos não promovidos pela ACADEVI, duas preocupações centrais parecem nortear as intervenções de seus militantes, o trabalho e a educação como elementos essenciais na vida de qualquer pessoa. Nesse sentido, para que seus militantes tenham uma intervenção qualificada, ao que tudo indica, um dos aspectos bastante trabalhado pela ACADEVI é a formação política de seus associados, principalmente daqueles que estão no Conselho Deliberativo e nas Coordenações, procurando fazer desses militantes os "intelectuais orgânicos" do movimento. Para esta entidade, a participação crítica de seus associados, em seminários, Encontros, reuniões e outras lutas políticas, também se constituem num espaço privilegiado de formação. Mas além dessas formas de formação que ocorrem através da participação nos eventos e nas intervenções cotidianas, seja nas atividades da entidade ou em outras tarefas sociais em que seus militantes estão engajados, uma leitura nos documentos da ACADEVI demonstra o tamanho da sua preocupação com a formação política, a ponto de cursos específicos serem organizados e promovidos para cumprir este objetivo. Para tanto, A ACADEVI constituiu no ano de 1998, na sua assembléia geral ordinária, realizada no mês de dezembro, a sua Comissão de Formação, sendo que um ano mais tarde, dezembro de 2000, a mesma passou a ser denominada de Comissão de Educação e Formação. São atribuições desta Comissão: 1 - participar da organização e acompanhar as reuniões do Conselho Deliberativo da ACADEVI, objetivando contribuir para que as mesmas possam melhor cumprir suas finalidades, dentre estas, auxiliar no processo de formação de quadros dirigentes para a luta dos cegos; 2 - organizar os encontros mensais da ACADEVI, que vêm sendo realizados todo o último sábado de cada mês, desde 1994, os quais são amplamente divulgados e abertos à participação de todas as pessoas que se interessarem pela temática em discussão; 3 - apoiar a entidade na organização e realização de seminários e encontros, objetivando contribuir para que os mesmos estejam articulados aos princípios fundamentais da ACADEVI; e 4 - Promover cursos específicos para formação de quadros dirigentes para o movimento de cegos, pretendendo, com esta atividade, oportunizar mais um espaço de estudo e reflexão para que este segmento social possa melhor ir desvelando o mundo em que vivem e, com isto, podendo se posicionar de forma coletiva frente ao mesmo e em conformidade com seus verdadeiros interesses (ACADEVI, 2003). Com relação à formação política dos associados, para que se tenha idéia do conteúdo desenvolvido, apresenta-se em ordem cronológica uma relação dos cursos /encontros realizados, que tinham como objetivo específico, trabalhar a formação política. - No dia 19, 20 e 21 de outubro de 1999, a ACADEVI promoveu o Primeiro curso de formação de dirigentes cegos, com o tema: "A Participação Política das Pessoas Cegas", procurando demonstrar que todos na sociedade participam, com a diferença de que a participação pode ser passiva ou ativa. - A necessidade da formação política continuou sendo reiterada no "Primeiro Encontro Regional Oeste de Cegos", realizado nos dias 25 e 26 de março de 2000, com as seguintes proposições como conclusão: "investir em cursos de formação de dirigentes e fortalecer os encontros mensais, potencializando os mesmos enquanto espaços de reflexão política dos cegos" (ACADEVI, 2003). - O II curso foi realizado nos dias 13, 14 e 15 de outubro de 2000, desta vez com o seguinte conteúdo: "A Função da Direção e a Ética do Dirigente no Movimento". - Aprofundando ainda mais a análise, o III curso realizou-se nos dias 15, 16 e 17 de novembro de 2001, abordando: "A Posse Privada dos Meios de Produção Enquanto Base da Exclusão Social das Pessoas Cegas". Neste curso foram discutidos os seguintes sub-temas: "como funciona a sociedade capitalista' (A base material ou infra-estrutura e o papel do Estado); A oposição entre reforma e revolução e os principais embates que já foram travados pelos trabalhadores; As condições de existência dos cegos na sociedade capitalista e Os cegos nos movimentos sociais" (ACADEVI, 2003). - O IV curso foi realizado nos dias 14, 15 e 16 de dezembro de 2001, com a proposta de promover a compreensão de como ocorrem "As Crises do Capital", temática sintetizada no seguinte conteúdo: "o capitalismo é uma sociedade que se assenta na propriedade privada, na relação assalariada de trabalho, na divisão da sociedade em classes (burguês e proletário) na produção e troca de mercadorias e na extração da mais-valia" (ACADEVI, 2003). Esses dois últimos cursos contaram com o apoio dos monitores da equipe da "Fundação 13 de Maio", de São Paulo, a qual tem procurado formar trabalhadores de base e dirigentes de organizações de trabalhadores comprometidos com um projeto de transformação social. No tocante, ainda, aos encaminhamentos políticos, a ACADEVI realiza regularmente em todo segundo e último sábados de cada mês, respectivamente, a reunião do Conselho Deliberativo e a reunião com os seus associados e demais interessados, nas quais são discutidos e deliberados os encaminhamentos políticos da entidade, inclusive a intervenção dos seus militantes em outros movimentos sociais, conselhos representativos ou nos meios de comunicações. Considera-se que, esta regularidade só é possível porque a entidade valoriza as instâncias coletivas de decisões, como uma das formas de fortalecimento e unidade de ação do movimento, fazendo e respeitando esses espaços como sendo vitais para a continuidade do rumo trilhado até o momento. Outras duas estratégias, usadas como poder de pressão e divulgação de suas idéias políticas e reivindicações, têm sido a justiça e os meios de comunicações. Embora reconheça e não descarte a possibilidade do uso do aparelho judicial como forma de fazer valer os direitos das pessoas cegas ou com visão reduzida, a ACADEVI tem se utilizado pouco deste recurso burguês, talvez pelas dificuldades de acesso, pela morosidade e pela pouca eficácia do aparato judicial em dar respostas concretas quando é provocado. Em razão disso, durante os dez anos de sua história, encontrou-se apenas dois registros dando conta da entrada da entidade na justiça; em ambos os casos eram representações coletivas contra o governo estadual e federal, entre outras coisas, exigindo a confecção e distribuição dos livros didáticos adaptados (em braile e com caracteres ampliados); porém, nenhum dos processos cumpriu o objetivo esperado e acabaram sendo arquivados. Com o título: "Procuram-se livros em braile nas escolas", o Jornal Gazeta do Paraná, de 25 de maio de 2000, expõe: O MEC e a Secretaria de Estado da Educação estão sendo processados por abandono pela Acadevi (Associação Cascavelense de Deficientes Visuais), que decidiu entrar na Justiça contra o MEC - Ministério da Educação - e contra a Secretaria de Estado da Educação do Paraná. O motivo é o total abandono em que estão submetidos os cegos ou as pessoas com visão reduzida na rede de ensino do Estado. O problema mais grave de acordo com Valdomiro Martins, presidente da associação, está na falta dos livros em braile e dos livros com caracteres ampliados, sem os quais torna- se impossível esses educandos estudarem. Na mesma linha, Ênio Rodrigues, presidente da UPC (União Paranaense de Cegos), afirma que a entidade pretende analisar na próxima reunião a possibilidade de entrar na Justiça pelos mesmos motivos da Acadevi. Ênio explica que a UPC já tem definida para o mês de setembro uma manifestação, marcada para a cidade de Curitiba. Será um ato de rua com dois objetivos: reivindicar melhores condições de inserção dos cegos no mercado de trabalho e exigir melhorias nas condições de escolarização (J. G. PARANÁ, 25/05/2000). A defesa do ensino público gratuito e de qualidade, em todos os níveis do processo de escolarização, pelo que parece, faz parte das bandeiras de lutas da ACADEVI e de seus militantes, posicionamento explicitado pelo primeiro cego a ingressar numa universidade em Cascavel, em 1997, depois de prestar vestibular na UNIOESTE. Para Alfredo Carvalho, Se não fosse a escola pública onde estudei estaria analfabeto até hoje, pois fui servido de ensino de qualidade que dificilmente encontraria numa escola particular, pois um aluno que exige maiores atenções numa instituição que visa lucro financeiro é cobrado nas mesmas proporções, o que anularia completamente minha carreira estudantil, já que não disporia de recursos para tal. O mesmo raciocínio vale para a universidade, pois com o que recebo da aposentadoria por invalidez jamais teria condições para pagar mensalidades e outras taxas (J. A CIDADE, 09/02/1997). Quanto à Acadevi, Alfredo ressalta a importância da entidade na sua própria relação com a sociedade, servindo de base para muitas experiências. Fazer parte de um grupo de pessoas que compartilha das mesmas necessidades que você é muito importante, principalmente numa estrutura social que não está preparada para acolher os chamados ‘portadores de deficiência', que têm suas ações bastante limitadas quando agem de forma isolada e individual enfatiza ele. Se consegui alguma coisa foi graças à escola pública (J. A CIDADE, 09/02/1997). Antes do início do ano letivo, representantes da ACADEVI, o estudante cego Alfredo Carvalho, a coordenação do Programa de Educação Especial da UNIOESTE e a reitoria discutiram as condições de permanência do aluno na universidade. Num certo momento, diante do descaso o estudante teve que ameaçar a Universidade com uma greve de fome para ter assegurado os recursos mínimos necessários à continuidade dos estudos. Também merece destaque outra questão polêmica, desta vez envolvendo a ACADEVI e a Prefeitura de Cascavel, registrada pelo Jornal Gazeta do Paraná de 06 de dezembro de 2002. Uma comissão de representantes da Associação Cascavelense de Deficientes Visuais (Acadevi) esteve reunida, ontem pela manhã, com os secretários de comunicação, Paulo Pegoraro, Ação Social, Vânia de Souza e administração Carmem Schmidit para tentar acordo sobre a recontratação da estagiária Vandiana Borba. De acordo com o coordenador da Acadevi, Flavio Hoffmann, o pedido foi aceito. O que queremos é só o cumprimento de promessas feitas pelo próprio prefeito, esclarece o coordenador. A estudante da Unioeste, Vandiana Borba, junto com outro estudante também cego desenvolviam estágio na ACADEVI, contratados pela prefeitura, através de um projeto elaborado pela entidade objetivando a realização de um trabalho de base, visitando as pessoas cegas nas suas próprias residências e procurando inseri-las socialmente. A decisão de cortar os estagiários sem nenhuma comunicação, unilateralmente, desrespeitando um compromisso assumido durante o período eleitoral, só foi concluído favoravelmente aos cegos após a ameaça de um acampamento e greve de fome em frente à Prefeitura do município, conforme noticiou um jornal local. Na assembléia realizada ontem à tarde, na sede do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação, onde participaram mais de 70 pessoas, entre portadores de deficiência visual e seus familiares, ficou resolvido que, caso as propostas feitas pela prefeitura não venham a suprir as reais necessidades da entidade permanece a decisão do ato público em frente à prefeitura e a greve de fome, que já conta com o comprometimento de duas pessoas cegas (J. GAZETA do PARANÁ, 06 de dezembro de 2002, p. 03). Outra luta da ACADEVI tem sido a dos materiais adaptados, livros em braile e com caracteres ampliados. Já em 1995, durante a realização do Seminário "A Pessoa Portadora de Deficiência e a Conquista da Cidadania", promovido pela Comissão Representativa das Entidades - que antecedeu o Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência - a ACADEVI, como uma das participantes, defendeu a proposição de "criação da Central de Confecção de Material: gravações, Braille, ampliação, jogos, etc.. Esta Central só foi constituída no final de 1997, através de um Convênio firmado entre o Departamento da Educação Especial da SEED e a Prefeitura de Cascavel, que recebeu alguns equipamentos (computador, impressora em braile, etc.) para viabilizar os materiais adaptados conforme a proposição acima; porém, o trabalho limitou-se à confecção dos livros /textos em braile, por falta de condição oferecida pelo governo do Estado. Não sendo suficiente o total desmonte da Central de Confecção de material adaptado, em 2002, por meio da Resolução 1.190/02, os três Centros de Educação Especial, que funcionam em escolas estaduais, foram fechados. Tantos as escolas, como alunos e pais foram pegos de surpresa e temem pelo futuro do atendimento, já que o Estado transmitiu a responsabilidade da educação especial ao município. Diante disso, "no encerramento do encontro os participantes aprovaram ato de repúdio a Seed; decidiram lutar pela criação do centro de apoio pedagógico (Cap) a deficientes visuais" (J. O PARANÁ, 19/09/2002). Inspirado na dinâmica sócio-interacionista, piagetiana, o CAP - Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual, surgiu, no Estado de São Paulo, por uma iniciativa da Secretaria de Educação e do órgão responsável pela Educação Especial daquela unidade da federação, após a constatação da realidade de abandono em que viviam os alunos cegos ou com visão reduzida matriculados nas escolas estaduais. Concebido numa perspectiva de assegurar os meios e recursos necessários ao processo ensino-aprendizado dos alunos matriculados nas escolas regulares, possibilitando o acesso à cultura, à pesquisa e à arte, o CAP é composto de quatro núcleos: Núcleo de Produção de Material Adaptado, em Braile e com Caracteres Ampliados, Núcleo de Convivência, Espaço de Interação Social, Núcleo de Tecnologias de última geração na área e Núcleo Didático-Pedagógico. A partir do momento em que incorporaram o projeto enquanto política pública de governo, o MEC e a SEESP estabeleceram como meta para o período entre 1998 e 2001, a instalação de pelo menos um CAP em cada unidade da federação, com o objetivo de funcionar como centro de referência. Pelo que se pode constatar até o momento, dentro do entendimento do governo federal, o projeto do CAP constitui-se numa ação indutora, articulada com a idéia da transferência/descentralização dessas atividades/atribuições/responsabilidades para os Estados, Municípios e a comunidade. Para induzir/estimular os governos locais e a comunidade a exercerem a sua responsabilidade social, adotando o sistema de parceria (ou privatização), o MEC/SEESP, firmaram convênio com a União Brasileira de Cegos (UBC) e a Associação Brasileira dos Educadores de Deficientes Visuais (ABEDEV), às quais transferiram os recursos do orçamento público, necessários à aquisição dos equipamentos que compõem o projeto. Assim, quem se habilitar ou for escolhido para receber o CAP, será agraciado com a doação dos equipamentos, mas além de assumir as despesas com a manutenção e reposição dos equipamentos, precisa também comprometer-se com o espaço físico, funcionários e a reposição dos materiais de consumo e de expediente. Como um dos objetivos do CAP, figura a produção do livro didático em braile ou com caracteres ampliados para atender os alunos matriculados na rede regular comum de ensino, mas uma avaliação preliminar já feita pelo próprio MEC, indica não ser esta a melhor alternativa para confeccionar e assegurar os livros, dada a fragilidade dos equipamentos, a quantidade necessária e a complexidade na operacionalização desta "linha de montagem". Por outro lado, as entidades representativas dos cegos e dos professores de pessoas com deficiência visual, de abrangência nacional (acima citadas), ao invés de fazerem a luta política reivindicatória, não passam de meros instrumentos burocráticos cartoriais a serviço do governo, estimulando e colaborando na implementação de projetos articulados com as orientações dos organismos internacionais, assentados em quatro pilares: "aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes" (DELORS, 1999, p. 57). A partir de uma interpretação do exposto até aqui, parece possível concluir, que no entendimento da ACADEVI, lutar pela implantação do CAP enquanto política pública de governo, implementada pelo governo e com recurso do orçamento público, não implica assumir/defender a concepção filosófica do projeto. Desse modo, realizar seminários, encontros e outras formas de mobilizações, discutir, aprovar e encaminhar moções de repúdio ou desagravo às autoridades pelo descaso com a educação dos cegos, tornou-se uma constante nas atividades da ACADEVI, prática adotada como uma estratégia política de denúncia. A par das ações até aqui relatadas, uma outra estratégia utilizada pela ACADEVI como forma de discutir e divulgar o seu posicionamento sobre os problemas envolvendo as pessoas cegas ou com visão reduzida tem sido a realização de seminários e encontros. Desde 1998, esses eventos são promovidos em conjunto com o "Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais" (Programa de Educação Especial) da UNIOESTE, criado pela Resolução n.º 323/97 - CEPE (Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão), que "visa sistematizar um espaço de reflexão e de tomada de decisões a respeito das pessoas com necessidades especiais, sempre com a participação direta das próprias pessoas, particularmente os acadêmicos". Pela Resolução nº 127/2002, do CEPE, a UNIOESTE aprovou "o regulamento dos procedimentos para ingresso e permanência de pessoas com necessidades especiais", estabelecendo os tipos de recursos/apoios a serem oferecidos na realização dos exames vestibulares, bem como no decorrer da própria graduação. A ACADEVI acabou tendo uma participação ativa na criação, estruturação e consolidação deste Programa, pelo fato de um número considerável de pessoas cegas ou com visão reduzida, após 1997, terem ingressado na universidade, passando a necessitar dos serviços e fazendo parte do Programa. A decisão de realizar os seminários ou encontros em conjunto com a UNIOESTE, parece demonstrar uma preocupação da entidade com a educação formal das pessoas cegas ou com visão reduzida, em todos os níveis do processo de escolarização, tema amplamente discutido nos cinco seminários e dois encontros já promovidos. Entre o período de 1997 e 2003, foram realizados cinco seminários e dois encontros: em 1997, "Da Tutela à Cidadania"; em 1998, "O Cego na Sociedade"; em 1999 "O Trabalho na Formação do Sujeito Histórico"; em 2001, "Educação Inclusiva: o Processo Ensino Aprendizagem do Aluno Cego na Escola Comum"; em 2003, "A Inserção dos Cegos na Sociedade"; em 1999, "Encontro de Cegos Usuários de Informática da Região Sul" e em 2000 o "I Encontro Estadual de Cegos do Ensino Superior". Numa análise dos relatórios desses eventos, é possível constatar um número considerável de participantes de outros municípios de diversos Estados, parecendo bem demonstrar, que a preocupação da ACADEVI com os problemas que atingem este segmento, não restringe-se à sua base de atuação. Nesses Seminários e Encontros foram debatidos e aprovados mais de uma centena de propostas e moções, com diversos teores, as quais foram encaminhadas às autoridades municipais, estaduais e da união, denunciando e cobrando providências para os problemas listados pelos presentes. Embora os Seminários tenham cumprido um papel importante, inclusive como fator de integração e socialização, a entidade utiliza-se também da realização dos mesmos como mais uma oportunidade para conscientizar e despertar nas pessoas cegas ou com visão reduzida, a necessidade de lutar por seus direitos. Após esta sucinta exposição sobre a ACADEVI, procurando demonstrar não só a sua prática diferencial em comparação com outras entidades de pessoas cegas ou com visão reduzida, mas também a sua preocupação com a formação política - ato por si só também educativo - dos seus militantes, é preciso considerar no campo específico da educação, quais foram os resultados alcançados nesses dez anos de trabalho. Talvez o principal mérito da entidade em relação aos resultados a seguir apresentados, esteja precisamente no fato de compreender a educação como uma atividade social e histórica, desenvolvida tanto na escola regular comum, como nos cursos de formação ou outras lutas sociais, pertencentes ou não ao campo específico das pessoas cegas ou com visão reduzida. A educação formal é o espaço próprio onde ocorre a transmissão/disseminação/apropriação/assimilação dos conhecimentos científicos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade, processo que relaciona o ensino e a aprendizagem, mediado pelo trabalho do professor, responsável pela socialização dos conhecimentos sistematizados, síntese formulada a partir da análise interpretativa dos documentos consultados. A partir deste entendimento, todo o trabalho da entidade voltado para a educação, consiste prioritariamente, em discutir e demonstrar aos seus associados a importância da educação, não apenas como fator profissional, mas principalmente como processo mediador entre o estado "natural", biológico e a condição de ser humano, histórico e social. Tal entendimento encontra respaldo teórico nas palavras de Leontiev: podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana. O indivíduo é colocado diante de uma imensidade de riquezas acumuladas ao longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens, os únicos seres, no nosso planeta, que são criadores (LEONTIEV, 1978, p. 268). A sociedade moderna do pós Revolução Industrial e, sobretudo a sociedade contemporânea, por uma exigência do capital - tanto profissional como ideológico - transformou a escola/universidade no principal meio de difusão dos conhecimentos sistematizados, ainda que na atualidade eles estejam sendo empobrecidos e esvaziados do seu real conteúdo, como uma estratégia de acumulação e dominação capitalista. Mesmo diante deste cenário educacional, a outra contribuição da ACADEVI não menos importante, está na sua defesa intransigente - não desta concepção de educação burguesa - do direito subjetivo das pessoas cegas ou com visão reduzida, de estudarem na escola regular comum. Em Cascavel, antes de 1987, ano da criação do 1º CAEDV, não existia nenhum tipo de apoio especializado, nem do município e nem do Estado. Mesmo assim, é bem provável que alunos com perdas visuais tenham sido matriculados nas escolas municipais ou estaduais, tendo alguns apesar das dificuldades, conseguido prosseguir e concluir os estudos; por sua vez, outros por falta de recursos especializados e até por não aceitação da escola, foram simplesmente impedidos ou excluídos de qualquer possibilidade de educação escolar. Quanto às crianças com cegueira de nascimento ou adquirida muito cedo, uma investigação mais cuidadosa, talvez acabe por concluir que elas foram indevidamente enviadas para a APAE local, já que a outra alternativa seria o Instituto de Cegos em Curitiba, possibilidade bem mais remota. Qualquer uma dessas opções, ainda que tenha acontecido, certamente atingiu um número pequeno de crianças, restando então a terceira opção: essas pessoas - crianças ou adultos - eram simplesmente mantidas confinadas em suas residências em estado vegetativo. Portanto, é a partir deste dado concreto, presente em Cascavel e no Estado ainda "ontem", que o quadro a seguir deve ser compreendido. A Lei Municipal nº. 3.007/99, no seu Artigo 1º dispõe: O Poder Público dará preferência das vagas existentes nas creches municipais para as crianças portadoras de deficiência. Depois que a Secretaria Municipal da Educação assumiu as creches, elas passaram a chamar-se Centros de Educação Infantil (CEIS), nos quais encontram-se matriculadas crianças cegas ou com visão reduzida. Também na rede municipal de 1ª a 4ª série, em 2004, são 45 alunos com tais características, enquanto na rede estadual, da 5ª série ao terceiro ano do ensino médio, são mais 78. No Ensino Superior, entre pessoas cegas ou com visão reduzida, que já concluíram a graduação e a pós-graduação e aquelas que ainda estão cursando, o número chega a 21, com uma predominância na preferência pelos cursos de Pedagogia e Direito. Por outro lado, a ACADEVI possui no seu quadro de associados, em todas as faixas etárias, aproximadamente 589 pessoas cegas ou com visão reduzida, número que vem aumentando com o trabalho de base realizado. Por sua vez, no Estado, de acordo com os dados do DEE/SEED, de 2003, são 674 escolas do ensino comum que possuem alunos incluídos (1ª a 8ª séries), 622 alunos necessitam de material ampliado (livros e apostilas), totalizando 3489 alunos cegos e de baixa visão. Como esses e os outros dados a seguir, foram solicitados e recebidos via correio eletrônico (Internet), fica difícil fazer uma análise mais precisa, principalmente por causa da falta de algumas informações. Por isso, não parece plausível que dos 3489 alunos, somente 622 necessitem de material ampliado, já que a informação não faz menção ao material em braile, embora inclua os cegos como alunos. Na verdade, isto só pode ser explicado considerando a dupla matricula, ou seja, na escola regular comum e no CAEDV. Neste caso, a conclusão mais aceitável seria a de que todos os 3489 alunos estão matriculados nos CAEDV’s, mas nem todos estão matriculados nas escolas regulares, cursando qualquer série do Ensino Fundamental, já que a informação também não menciona o Ensino Médio e nem o Ensino Superior, mesmo sabendo existir alunos cegos ou com visão reduzida, cursando esses níveis de Ensino. Não se dispõe do número de escolas estaduais e municipais existentes nos 399 municípios do Estado, mas 674 escolas com alunos incluídos, em todo o Estado, parece ser uma quantia pouco expressiva, uma vez que, somente em Cascavel, somando-se as duas redes públicas, são 102 escolas. O número de alunos e de escolas talvez reflita, de certo modo, os municípios que são cobertos com serviços de atendimentos especializados. Só para se ter uma idéia, dos 399, apenas 153 deles contam com pelo menos um CAEDV; isso representa menos de 50%. Outro dado importante, dos 171 CAEDV´s, 146 funcionam em Escolas Municipais, 20 em Escolas Estaduais e 5 nos Centros Estaduais de Educação Básica para Jovens e Adultos - CEEBJA. Isto apenas parece confirmar a tese da municipalização, ou melhor, seria, quem sabe, da desresponsabilização do Estado com este tipo de atendimento. A transferência dos CAEDVs para os municípios, além de ter piorado ainda mais a qualidade do atendimento, trouxe também outro agravante, pois a responsabilidade das prefeituras com a educação em geral, chega somente até a 4ª série do Ensino Fundamental. No entanto, os alunos necessitam dos serviços de apoio especializados em todas as fases do processo de escolarização. Se junto com a municipalização, não for discutido (esta tem sido uma decisão unilateral do DEE, revelando o seu caráter antidemocrático) com as prefeituras e o segmento organizado das pessoas cegas ou com visão reduzida, um novo modelo de atendimento que leve em conta a escolarização, desde a Educação Infantil até a conclusão do Ensino superior, os alunos continuarão sendo penalizados pelos conflitos da legislação e pela falta de vontade política dos governantes. Diante desta forte tendência de retirada do Estado, por meio de seu órgão central, o DEE/SEED, considerando essas informações, seria de se perguntar: como ficam os 246 municípios que ainda não contam com nenhum tipo de atendimento nesta área? Deixar esta tarefa a cargo dos municípios, principalmente daqueles menores onde nada existe, nem vontade ou conhecimento da parte das secretarias municipais da educação, nem tampouco cegos ou pais organizados para exigirem o atendimento, parece uma estratégia pouco aconselhável, se o objetivo for de fato solucionar o problema. Registra-se também que de acordo com as informações obtidas junto à SEED/DEE, existem 8 instituições particulares credenciadas que prestam serviço nesta área, entre as quais encontram-se as APADEVIs já mencionadas. Reforçando, a mesma fonte confirma que só existe no Estado uma Escola Especial para cegos, a Osni Saldanha de Macedo, do Instituto Paranaense de Cegos, de 1ª a 4ª séries. Por outro lado, uma comparação entre esses dados de 2003, sobre a quantidade de CAEDEVs e de instituições particulares em funcionamento no Estado, com aqueles divulgados pela própria SEED/DEE em 1994, demonstra um decréscimo na rede de atendimento especializado, conforme o quadro evolutivo apresentado a seguir, de 1971 a 1994, incluindo o setor público e privado. - Setor privado: 1975 – 01; 1981 – 01; 1983 – 01; 1986 – 01; 1987 – 04; 1989 – 02; 1990 – 03; 1991 – 01; 1992 – 04. Total 18 instituições criadas (PARANÁ, 1994, p. 13). - Setor público: 1987 – 66; 1988 – 24; 1989 – 27; 1990 – 31; 1991 – 14; 1992 – 09; 1993 – 10; e 1994 – 04. Total 185 CAEDEVs colocados em funcionamento (PARANÁ, 1994, p. 14). Na rede particular houve uma redução de 18 para 08 entidades, enquanto na rede pública o número de CAEDEVs caiu de 185 para 171, revelando um encolhimento justamente no período cuja educação em nível nacional, mais teria se expandido segundo o MEC, principalmente no Ensino Fundamental. Então, pode-se verificar que praticamente toda a rede de atendimento especializado, nesta área, foi constituída no período compreendido entre 1987 e 1994, sofrendo uma estagnação total nos últimos 10 anos, fase em que ganharam força as políticas neoliberais, tanto no Estado como em nível nacional. Considerando a necessidade de avançar nesta investigação, de modo preliminar, este pequeno quadro demonstrativo oferece uma idéia da dimensão da problemática. Vale a pena relembrar que a identificação dos "clientes", para que se pudesse planejar e implementar os tipos de atendimentos, já era em 1975, uma das primeiras preocupações da técnica do CENESP, a professora Venturini. Além da ausência do atendimento em mais da metade dos municípios do Estado, da falta de informações corretas sobre as condições dos alunos, onde estão matriculados e quais são as suas necessidades especiais, (...) são inúmeras as outras dificuldades que as pessoas com deficiência visual do Estado do Paraná vêm enfrentando no processo educacional: Centros de Atendimentos funcionando em lugares totalmente inadequados, falta de material em Braille, falta de material ampliado para pessoas com a visão reduzida, falta de investimento na qualificação de professores especializados, sem contar a ausência de programas de Orientação e Mobilidade, programas de Atividades da Vida Diária e o programa de Atendimento Itinerante, que são garantidos pela Deliberação 020/86 e que não estão sendo executados pelos CAEDVs (ACADEVI, 2003) O documento traz ainda: "os exemplos acima são apenas alguns dados que comprovam a falta de preocupação do Departamento de Educação Especial, principalmente no que se refere à educação de cegos e de pessoas com visão reduzida". Esta denúncia consta de um documento aprovado na plenária final do Segundo Seminário: "O Cego na Sociedade", promovido pela ACADEVI de 11 a 13 de junho de 1988, em Cascavel, Paraná. Entretanto, a ACADEVI não se preocupa apenas com a educação das pessoas cegas ou com visão reduzida no município de Cascavel e no Estado do Paraná. Durante a realização do seu V Seminário: A Inserção do Cego na Sociedade", de 08 a 11 de setembro de 2003, em Cascavel Paraná, no relatório final consta: Os governos federal, estaduais e municipais, devem desenvolver ações no sentido de agilizar a confecção e entrega dos livros didáticos em braile e com caracteres ampliados para os alunos de todo o país, bem como assegurar os recursos didáticos pedagógicos e equipamentos e materiais adequados para uso em sala e para execução das tarefas de casa (ACADEVI, 2003). Uma política educacional de governo constitui-se numa estratégia que normalmente se compõe de planos, de projetos, de programas e de documentos variados, onde neles se acham as diretrizes relativas a cada área (VIEIRA, 1992, p. 20). Embora a política do governo federal articulada com os governos estaduais, nesta área, principalmente depois da constituição do CENESP, em 1973, tenha definido claramente que as pessoas cegas ou com visão reduzida deveriam estudar nas escolas regulares do ensino comum, com os devidos recursos e apoios necessários, na prática os alunos que conseguiram avançar na escolarização fizeram mais por esforço pessoal ou familiar, do que por uma atenção dos governos no sentido de assegurar os recursos específicos. A falta dos atendimentos especializados, incluindo todas as formas de recursos didáticos e pedagógicos, além dos livros em braile e com caracteres ampliados, em 1997, se fazia sentir até mesmo no Estado mais industrializado do país. Depois de sustentar que dos 625 municípios do Estado de São Paulo, apenas 38 contam com serviço de atendimento especializado, Bruno acrescenta: O Brasil tem sido o precursor no atendimento educacional integrado e na criação da Imprensa Braile na América Latina, entretanto, os serviços educacionais existentes ainda estão longe de promover a real integração e a inclusão com qualidade do portador de deficiência visual no sistema geral de ensino (BRUNO, 1997, p. 23). Esta realidade presente, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, em especial nas regiões Norte e Nordeste, tem sido utilizada como justificativa por parte de alguns professores /profissionais, tanto das escolas regulares como das escolas especiais, na defesa de escolas segregadas para os alunos cegos ou com visão reduzida, supondo ser a escola especial de melhor qualidade, revelando uma ingenuidade ou falta de conhecimento da área, pelos dados já apresentados. Embora reconheça a necessidade, não faz parte do objeto deste trabalho, proceder ou interpretar a fonte e o conteúdo do discurso que se opõe à presença dos cegos ou das pessoas com visão reduzida nas escolas comuns, mas certamente uma investigação, mesmo no interior da Educação Especial, já poderia levar à conclusão de que existem muitos professores, inclusive do Ensino Superior, sem o devido conhecimento ou visão crítica, reproduzindo não apenas o discurso carregado de interesses que não se explicitam nas simples aparências, mas o que é mais intrigante, na opinião deste autor, tomando como verdade absoluta, como dogma, pseudo-verdades "científicas" sobre as pessoas com deficiência, fundamentadas em valores e teorias a serviço do capitalismo, que justificam a segregação dos "perturbadores" da ordem. Para muitos daqueles que defendem a segregação inclusive dos cegos, as razões fundamentam-se na falta de condições das escolas, no despreparo dos professores, nos preconceitos, etc.; poucos são, contudo, os que conseguem ultrapassar as aparências e atingir a essência desta exclusão, característica própria do capitalismo, que tem na exploração do trabalho a sua força motriz vital. A educação escolar para os filhos cegos dos trabalhadores explorados, surge ao mesmo tempo em que surge a educação escolar para os filhos não cegos dos trabalhadores também explorados, com a diferença de que a primeira se estruturou em locais segregados, enquanto a segunda teve o seu início dentro das próprias fábricas em salas imundas destinadas pelos patrões, onde crianças não cegas a partir de idades de 10 ou 12 anos em diante, já eram esgarçadas até a última fibra de nervos, a última gota de sangue e suor, pela exploração capitalista da força de trabalho infantil. Façamos trabalhar mulheres e crianças. Eis a solução que pregava o capital quando começou a utilizar-se das máquinas. Essa potência que substituía o trabalho e os operários se tornou assim um meio de aumentar o número dos assalariados, englobando todos os membros da família e submetendo-os ao capital. O trabalho forçado em proveito do capital substituiu os brinquedos da infância (...) (MARX, 1982, p. 91). Na sua origem, o capital apoderou-se não apenas da força de trabalho do pai de família, mas dela toda, inclusive das suas crianças, úteis para o trabalho fabril. As inúteis - cegas e outras - o capitalista quando pôde e quis não desprezou, porém preferiu explorar fora da fábrica onde conseguia burlar a lei e baratear o custo do trabalho, ou seja, dentro de instituições segregadas apropriadas, as quais o próprio capitalista ajudava a manter por meio da filantropia. Respeitando-se as devidas variações decorrentes de pouco mais de dois séculos, desde a Revolução Francesa, esta situação de exploração continua praticamente inalterada, mantendo-se inclusive a aliança capital-filantropia em proveito da acumulação do capital. O "Estado Democrático de Direito", preconizado pelo Artigo 1º da Constituição brasileira de 1988, mesmo considerando as reconfigurações que sofreu desde a sua origem, continua sendo o "Estado Democrático de Direito" capitalista, controlado por frações da burguesia - mas a serviço de toda a burguesia - que se revezam no poder, mantendo-se inalterados o seu conteúdo e essência. Para Evaldo Vieira, Propalada desde a época da Primeira Guerra Mundial, a democracia liberal organiza- se com base na igualdade de oportunidades conforme a capacidade de cada indivíduo, não tencionando a igualdade real na sociedade. Esta democracia se assenta no equilíbrio de forças entre governantes e governados no plano político e não no plano econômico (VIERIA, 1992, p. 96). De acordo com este fundamento liberal, cabe ao Estado assegurar a todos os cidadãos a igualdade de oportunidades, ato manifesto no plano dos direitos civis e políticos consignados na liberdade de organização e participação, expresso na legítima investidura de votar e ser votado, conforme estabelece a lógica política da democracia representativa burguesa. A igualdade aqui não diz respeito ao direito de propriedade privada, a não ser aquela apregoada por Locke, isto é, cada indivíduo já é um proprietário por natureza, pois além da sua força de trabalho, é livre e dono da sua vontade. Para os liberais burgueses proprietários, não há nada que impeça um proprietário apenas da sua força de trabalho, de transformar-se num proprietário de fábrica, banco, etc., desde que ele seja esforçado e tenha capacidade, competência individual, aptidão e habilidade para os negócios. Afinal, numa sociedade democrática, as oportunidades estão aí, à espera da livre iniciativa de todos aqueles que estão dispostos a enfrentar a concorrência de mercado; basta ser um "empreendedor". Portanto, "reconhecer a igualdade de oportunidades significa admitir como certo o direito de toda as pessoas participarem da competição, visando a retirar dela o maior benefício possível" (VIEIRA, 1992, p. 70). O princípio da igualdade de oportunidades é a base que fundamenta todos os documentos internacionais e nacionais, sejam eles normas legais, orientações ou diretrizes. A LDB, Lei n.º 9.394/96, em particular o capítulo V, a Resolução n.º 02/2001, do Conselho Nacional de Educação e a Deliberação 02/2003, do Conselho Estadual de Educação do Paraná, por exemplo - estas duas últimas regulamentando o capítulo V da LDB, que trata da Educação Especial - adotam a concepção teórico-filosófica de dois documentos internacionais no campo da educação, produzidos e publicados com o apoio de organismos como o Banco Mundial, UNICEF, UNESCO e ONU: a "Declaração Mundial Sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem”, aprovada na Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990, e a "Declaração de Salamanca - Sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial”, aprovada na Conferência de Salamanca, de 07 a 10 de junho de 1994, na Espanha. Neste sentido, colocada acima até mesmo dos problemas econômicos, conforme afirma o "Manifesto dos Pioneiros" (1932), a educação tem sido utilizada pelo liberalismo contemporâneo, como elemento fundamental de igualização social, na medida em que se tornou a "chave" para a ascensão social e superação das desigualdades: transformou-se na redenção. Apresentada como o elemento que suprime as diferenças de classe, entre explorados e exploradores, pobres e ricos, na medida em que "equipara as oportunidades", nivelando e estabelecendo que "todos são iguais perante a Lei", conforme preconiza o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a educação da atualidade, além de seu conteúdo ideológico de dominação num sentido de classe, tem sido muito utilizada como critério de exclusão, ao impedir trabalhadores com baixos níveis de escolarização (e mesmo com altos), sequer de inscreverem-se num concurso público, ou de pleitearem uma vaga no setor privado, situação agravada ainda mais ao se tratar de trabalho para as pessoas com deficiência. Em relação a isto, Pastore (2000, p. 07), demonstra que das nove milhões de pessoas com deficiência em idade de trabalhar no Brasil, 98% delas encontram-se desempregadas ou ainda não conseguiram acesso ao mercado de trabalho formal. Ou seja, enquanto o índice de desemprego para as pessoas sem deficiência gira em torno dos 14 ou 16%, podendo variar de região para região, o das pessoas com deficiência beira os 100%, sem que haja por parte da sociedade nenhuma indignação com isso. Muito mais do que apenas dignificar e enobrecer o homem, conforme sustenta a ideologia burguesa, o trabalho além de ter criado o próprio homem, é a atividade pela qual ele transforma a natureza em bens sociais necessários à sua própria subsistência, e ao fazê-lo transforma-se a si mesmo. É, pois, através do trabalho que o homem contribui com a produção da riqueza social que, na sociedade de classes, foi apropriada privadamente pelos proprietários dos meios de produção. Sobre o papel do trabalho na formação do homem, diz Leontiev apropriando-se de Engels: Sabe-se que a hominização dos antepassados animais do homem se deve ao aparecimento do trabalho e, sobre esta base, da sociedade. O trabalho, escreve Engels, criou o próprio homem. Ele criou também a consciência do homem. O aparecimento e o desenvolvimento do trabalho, condição primeira e fundamental da existência do homem, acarretaram a transformação e a hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos. Primeiro o trabalho, escreve Engels, depois dele, e ao mesmo tempo que ele, a linguagem: tais são os dois estímulos essenciais sob a influência dos quais o cérebro de um macaco se transformou pouco a pouco num cérebro humano, que mau grado toda a semelhança o supera de longe em tamanho e em perfeição. O órgão principal da atividade do trabalho do homem, a sua mão, só pode atingir a sua perfeição graças ao próprio trabalho (LEONTIEV, 1978, p. 69 e 70). Como a discussão sobre o trabalho para as pessoas com deficiência, em particular as cegas, não faz parte do objeto deste estudo, parece importante deixar registrado que a mercadoria “força de trabalho” deste segmento, principalmente daquelas pessoas com deficiência mais acentuada, não interessa ao capital, exceto em situações conjunturais muito específicas. Diante de uma vasta quantidade de mãos, braços, pernas, ouvidos, olhos e cérebros "perfeitos" à disposição, por que razão humanitária deveria então o capitalista contratar mãos, braços, pernas, ouvidos, olhos e cérebros "imperfeitos", "estragados", "defeituosos" (isto é, menos "Mais Valia"), tanto pela perda de produtividade como pelo gasto adicional com as adaptações dos entornos laborais ou aquisições de meios auxiliares específicos para os trabalhadores com deficiência acentuada? Ao contrário do modo de organização social anterior, no capitalismo o corpo passou a ser definido e visto como uma máquina. Se o corpo é máquina, a excepcionalidade ou qualquer deficiência nada mais é do que a distinção de uma peça. Se na Idade Média a deficiência está associada a pecado, agora está relacionada à disfuncionalidade (BIANCHETTI, 1996, P. 08). Com base neste entendimento e longe das explicações metafísicas ou a históricas sobre a exclusão/segregação/isolamento das pessoas com deficiência, ao longo dos tempos, na essência encontra-se a idéia de inutilidade (parte estragada e prejudicial ao organismo social) dessas pessoas para o trabalho produtivo tomado como forma de extração de "Mais Valia" pelo capitalista, condição para a qual não se enquadra alguém não ajustado e ajustável à organização da produção tal como se acha no modo de produção capitalista. Esta histórica exclusão do mercado de trabalho, vista como "natural" a ponto de não gerar nenhuma indignação nem mesmo nos setores da sociedade comprometidos com um projeto de transformação social, acabou também como conseqüência "naturalizando" as demais formas de exclusão, de bens materiais e espirituais, como a própria educação para as pessoas cegas, em certos casos ainda vista como simples terapia ocupacional. Neste sentido, é preciso reconhecer que na atualidade a qualidade da educação em geral não é boa para ninguém, no entanto, para os alunos cegos ou com visão reduzida, esta situação se agrava ainda mais, principalmente em razão da falta dos recursos específicos. Isso ocorre fundamentalmente porque o capitalismo não necessita dessas pessoas como mão-de- obra; por isso não investe na formação deste "capital humano". Todavia, numa perspectiva para além dos interesses do capital, independente das condições objetivas em que se encontram, decorrentes da própria lógica do capitalismo, o mais importante é a presença desses alunos nas escolas regulares do ensino comum, junto com os demais, vivendo e sofrendo as mesmas conseqüências a que estão submetidos todos os alunos pertencentes às classes exploradas. É também ali com os seus iguais - por condição de classe - que eles poderão, desde criança, se reconhecerem como sujeitos de direitos e deveres, que se fazem e serão o resultado do conjunto das suas relações sociais, pois o desenvolvimento dos órgãos dos sentidos estão imediatamente relacionados e condicionados aos órgãos da realidade social objetiva. Foi Karl Marx, o fundador do socialismo científico, o primeiro que forneceu uma análise teórica da natureza social do homem e do seu desenvolvimento sócio- histórico: Todas as suas (trata-se do homem - A. L.) relações humanas com o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tacto, o pensamento, a contemplação, o sentimento, a vontade, a atividade, o amor, em resumo, todos os órgãos da sua individualidade que, na sua forma, são imediatamente órgãos sociais, são no seu comportamento objetivo ou na sua relação com o objeto a apropriação deste, a apropriação da realidade humana (LEONTIEV, 1978, pp. 268 e 269). Nesta perspectiva, a inclusão das pessoas cegas ou com visão reduzida na rede regular de ensino, só pode ser entendida/apreendida e o seu resultado comprovado, dentro do movimento dialético da relação, da troca de potências, de equivalentes, ou se preferirem, na linguagem atual, na troca de experiências, enfim, no intercâmbio de humanidade. Afirmar que a escola e os professores não estão preparados para trabalhar com este alunado, apenas confirma que, apesar de fazerem parte da totalidade social, historicamente a escola comum, os professores e as pessoas cegas ou com visão reduzida, ainda não estabeleceram, ou estabeleceram pouca relação; daí resulta a estranheza, o desconhecimento e porque não dizer, também o medo do enfrentamento, do desvelamento/apreensão da realidade social. Mesmo que se garanta aos professores uma formação teórica, acadêmica, de acordo com a reivindicação, aliás, justa e necessária na busca da qualificação da educação, isto ainda não seria o suficiente para a resolução definitiva do problema, pois "é na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensamento" (MARX e ENGELS, 1984, p. 12). Em outras palavras, quer isto dizer que, na prática eles precisariam confirmar a sua teoria, isto é, na relação direta com as próprias pessoas cegas ou com visão reduzida, num "enfrentamento" direto, lá no próprio "chão da escola", dentro de uma sala de aula, na relação ensino-aprendizado, confrontando e comprovando a sua teoria na prática social. Se inquirirmos a estes professores com a questão: o mais importante na sala de aula é a teoria ou a prática? Em resposta, provavelmente, a grande maioria dirá que é a prática. No entanto, contraditoriamente, reclamam uma teoria sem prática, não assimilando a teoria e a prática como relação, como práxis social, mantendo a dicotomia, a separação entre teoria e prática. Sustentar que primeiro é preciso preparar a escola e os professores, para somente depois incluir os alunos, é no mínimo não compreender a inclusão como um movimento dialético, como relação, como processo, que traz como decorrência do próprio movimento, todas as suas contradições, ou seja, não se faz inclusão sem a presença dos excluídos, não se educa cegos sem a presença dos cegos. Este tipo de posicionamento, ainda aceito por muitos, esconde/dissimula o seu conteúdo mais perverso, próprio da educação escolar burguesa, que continua vendo neste alunado, pessoas frágeis, incapazes de aprender e se desenvolver como sujeitos críticos, em condições intelectuais normais e de também lutarem pela transformação da escola, não sozinhos, é claro, isolados, mas em conjunto com os próprios professores e a sociedade em geral. Nesse sentido, de qualquer maneira, independente das condições objetivas existentes, da preparação da escola e dos professores ou não, a presença dos alunos cegos ou com visão reduzida, da Educação Infantil até o Ensino Superior, hoje, além de ser uma realidade, parece também ser um fato irreversível, sem retorno ao velho modelo institucional, baseado no internamento e na segregação. É bem verdade, ainda existem pelo Brasil alguns “entulhos” desta velha e ultrapassada estrutura, mas os dados concretos indicam de forma inequívoca a crise deste paradigma, não apenas na área da deficiência visual, que precisa continuar avançando na busca da inclusão, de fato, e não apenas de direito formal. As condições dos Institutos ainda remanescentes no país, a julgar pelo resultado do relatório de inspeção feito no Instituto Paranaense de Cegos - IPC, em 1997, são deprimentes. Pelo menos é isso que se pode depreender do Relatório de Inspeção, anexado ao ofício n.º 194/97/LO, datado de 12 de novembro de 1997, dos Centros de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência e de Defesa dos Direitos do Idoso, assinado pela Promotora de Justiça, Dra. Rosana Beraldi Bevervanço, encaminhado ao Presidente do IPC, solicitando providências para sanar as irregularidades verificadas pela Equipe Técnica de Inspeção, composta pela própria Promotora e demais técnicos de outros órgãos estaduais e municipais. Durante a visita realizada constatou-se inúmeras irregularidades, tanto de ordem sanitária quanto em relação à existência de barreiras arquitetônicas, dentre as quais destacamos: - Inobservância das regras sanitárias elementares, tais como: armazenamento inapropriado de alimentos, utilização de alimentos vencidos, presença de insetos (baratas, moscas e aranhas) e sinais da presença de roedores (fezes de ratos) entre os alimentos, lixo estocado em local inapropriado além de estar acondicionado em latões sem tampa e junto à lavanderia e enfermaria, esgoto aberto com pouca proteção de grades (ralo) dentro da lavanderia, presença de fiação elétrica exposta e circundando a central de gás liquefeito; inexistência de piso anti- derrapante, barra de proteção e corrimão; presença de escadas com degraus avariados; mofo e bolor pelos tetos, forro avariado, inexistência de tampa nos alçapões; inexistência de campainha nos quartos; inexistência de tela de proteção na cozinha; muitos vidros quebrados; barreiras arquitetônicas por todo o prédio, inexistência de porta entre o banheiro e quartos; existência de dormitórios mistos com clientela portadora de múltiplas deficiências; existência de fezes nos caixilhos nos corredores; quarto com pouca iluminação e arejamento e exalando odor de urina, bolor e mofo; banheiros em péssimas condições de higiene, ausência de toalha, sabonete, papel higiênico, barra de apoio, piso anti-derrapante, portas, e vão de portas com largura inferior ao recomendado para a clientela, entre outras; (...). (PARANÁ, Relatório de Inspeção, 1997) Além disso, o mesmo Relatório enumera outros problemas típicos de uma estrutura viciada e arcaica, incapaz de formar pessoas livres de cacoetes e estereótipos próprios desta educação, com uma estrutura psíquica de pleno valor para o convívio em sociedade, como sujeitos do seu próprio destino, sem a dependência tutelar de um modelo já corroído pelo tempo. Já nas primeiras décadas do século XX, discutindo a problemática da cegueira, Vigotski, sustentava: é necessário acabar com a educação segregada, inválida para os cegos (...) a educação da criança cega deve ser organizada como a educação da criança apta para o desenvolvimento normal; a educação deve formar realmente do cego uma pessoa normal, de pleno valor no aspecto social e eliminar a palavra e o conceito de "deficiente" em sua aplicação ao cego (VIGOTSKI, 1997, p. 87). De acordo com o mesmo autor, além da educação a ciência moderna deve dar ao cego o direito ao trabalho social não em suas formas humilhantes, filantrópicas, de inválidos (como se tem cultivado até o momento), senão as formas que respondem à verdadeira essência do trabalho, unicamente capaz de criar para a personalidade a posição social necessária (VIGOTSKI, 1997, p. 87). Diante desta constatação, a questão fundamental aqui, não é se esses alunos devem ou não estudar nas escolas comuns, como se diz nas assembléias e reuniões, esta é uma questão vencida, já superada. Então, restaria a falta de preparo das escolas, dos professores e das condições materiais adequadas, mas aí já é outro problema social e não atinge somente os alunos cegos ou com visão reduzida: "por acaso, a enorme massa de crianças sadias da humanidade alcança tudo o que eles poderiam e deveriam obter na sua estrutura psico- fisiológica?” (VIGOTSKI, 1997, p. 87). Ao concluir o seu estudo, Vigotski reconhece que, uma nova forma de trabalho e educação para os cegos, por sua natureza, são tarefas sociais que somente uma nova sociedade pode resolvê-las definitivamente (VIGOTSKI, 1997, p. 87). Diante do exposto, não entender, desconsiderar ou ignorar os limites teóricos e práticos da inclusão social e educacional das pessoas cegas ou com visão reduzida, nesta sociedade capitalista - assentada na exploração do trabalho e na competição - seria continuar acreditando e apostando na forma idealista de superação das contradições sociais, próprias de uma sociedade dividida em classes, com alta concentração de renda, poder e conhecimento social. Por fim, como já demonstrou-se no final do primeiro capítulo deste estudo, continuar insistindo na idéia equivocada de que os cegos necessitam de escola especial, objetivamente, significa continuar acreditando e alimentando o projeto retrógrado e reacionário defendido tanto por alguns setores do próprio movimento de cegos e da área da Educação Especial, como também por certas frações da classe dominante e da educação em geral, da Educação Infantil ao Ensino Superior. Esta falsa polêmica só continua prejudicando os cegos ou as pessoas com visão reduzida pertencentes às classes subalternas, porque as oriundas das classes abastadas não enfrentam este problema e nem estão preocupadas com este debate, já que a educação/escola que as elites destinam aos seus filhos, cegos ou não, certamente não é a mesma oferecida aos filhos dos pobres, com ou sem qualquer tipo de deficiência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciar as considerações finais deste estudo, a realidade objetiva da educação brasileira atual para as pessoas cegas ou com visão reduzida, com exceção da escola especial segregada, confirma e mantém as outras três principais características presentes que marcaram este processo na sua origem, isto é, na França do final do século XVII, berço da educação escolar moderna, inclusive para este segmento social das camadas populares inferiores. Em relação à divisão social de classes, entre proprietários e não proprietários, explorados e exploradores, dominantes e dominados, ressalta-se que isto já era uma característica advinda desde o início da propriedade privada, condição inalterada com o surgimento da sociedade capitalista. Embora este processo não tenha surgido propriamente com o capitalismo, ele ganhou novas formas a partir das relações de assalariamento, mantendo-se e em certos aspectos aprofundando o processo de exclusão, não apenas das pessoas cegas ou com visão reduzida, mas também de enormes massas populacionais eliminadas de qualquer possibilidade de ascensão social, mesmo tendo acesso à educação. Por isso, longe do que preconizam algumas recentes teorias, nem a luta de classes e nem a história chegaram ao seu fim, pois do contrário, não seria necessário ressaltar que o aspecto principal de segregação ou exclusão social de uma pessoa, não ocorre pela cegueira que ela possui - embora seja preciso considerá-la - pois certamente um cego de família abastada não enfrenta e não sofre as mesmas cargas de preconceitos ou de dificuldades, nos estudos, por exemplo, que um cego de família pobre. Além disso, é preciso também reconhecer que a incidência da cegueira é bem maior nos grupos de baixa renda econômica, que habitam as regiões periféricas dos centros urbanos, ou vivem em precárias condições de vida em áreas rurais deste país, ainda marcada por profundas desigualdades sociais e altas concentrações de renda. A outra característica, aí sim marca própria e distintiva entre o mundo feudal e o mundo capitalista, a ciência biológica positiva voltada para a exploração dos aspectos naturais, procurando explicações para fatos e fenômenos humanos nas coisas da natureza, também passou a se fazer presente e exercer predominância na educação em geral, e conseqüentemente na educação das pessoas cegas ou com visão reduzida. Se antes o cego era o "timoneiro na escuridão" e a cegueira era mistificada e atribuída a intervenções sobrenaturais, onde apesar do defeito físico do corpo, existia uma alma boa para Deus, com a ciência positivista ela passou a ser naturalizada, entendida como defeito orgânico, submetida a intervenção médica para a correção (cura), ou então, sujeita à ação da educação, responsável pela estimulação dos órgãos remanescentes como forma de compensar o órgão perdido. Na educação das pessoas cegas ou com visão reduzida, tanto no modelo segregado como no modelo inclusivo, esta concepção científica continua enfatizando os aspectos biológicos naturais, base sob a qual assenta-se a intervenção do trabalho especializado e não especializado, na busca de um maior aguçamento/aproveitamento da audição, do olfato, da memória, do tato e do paladar, ignorando ou relegando ao segundo plano, a linguagem como fator fundamental de relação, de intercâmbio comum e igual entre cegos e não cegos. A terceira característica, por sua vez, presente no Brasil desde o descobrimento e principalmente depois do Império, a filantropia/caridade permeia e atinge praticamente todas as ações e programas, públicos ou privados, voltados para suprir carências econômicas e sociais dos setores excluídos/marginalizados da sociedade. No caso das pessoas com deficiência, entre as quais as cegas, por razões históricas, isto é ainda mais forte e presente, como se pôde verificar no decorrer do estudo. Nesta área, desde o início do liberalismo, a simbiose entre público e privado, sempre foi uma constante. Aqui no Brasil, seguindo uma tendência internacional, esta política se aprofundou ainda mais a partir de 1995, com a "Reforma do Aparelho do Estado", implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, na qual uma das principais estratégias era transferir para a sociedade civil organizada, responsabilidades sociais do Estado. Como parte desta estratégia, "velhos" conceitos são re-significados e apresentados para a sociedade com uma "nova" roupagem, mudando apenas a forma, mas mantendo-se a essência, isto é, o seu conteúdo filantrópico. Neste "novo" entendimento, sai do centro a luta de classes e entra a colaboração de classes, setor público, privado e as "Organizações Não Governamentais" (ONGS), todos empenhados numa única causa: agora como "parceiros" na busca conjunta de resolver as mazelas econômicas e sociais, sem questionamento das razões de sua existência, agindo apenas nas conseqüências. Até mesmo entidades sindicais e populares do campo clássico de lutas, em sua grande maioria, na atual conjuntura, passam a aderir e adotar a política de resultados, abandonando a prioridade de organização e mobilização das massas, como estratégia de lutas contra o capitalismo. Com as "parcerias" o "público não estatal", também caracterizado de "terceiro setor", ou "organizações não governamentais", assume uma postura de "responsabilidade social", de solidariedade com o governo no combate à "fome" e outras mazelas, recebendo por isso recursos do orçamento público, ou deixando de recolher impostos, no caso das empresas que transferem para fundações privadas parte dos valores que deveriam ser destinados para o Estado, para depois retornarem como serviços públicos de responsabilidade do Estado. Neste contexto, parece que a diferença mais palpável entre a filantropia e a responsabilidade social, são meramente discursivas; na prática, tanto uma quanto a outra, cumprem o mesmo objetivo: por meio do favor, da supressão dos direitos conquistados, procurar suprir a ausência intencional do Estado, que se retira para deixar o campo livre à exploração privada com fins econômicos ou "humanitários", políticos ou religiosos. Mesmo não tendo sido objeto de uma dedicação especifica deste estudo, foi possível constatar que a educação das pessoas cegas ou com visão reduzida, durante o período e o percurso analisado, não se fez e continua a não se fazer, sem a presença/participação da filantropia, pública ou privada, praticada até mesmo pela grande maioria daquelas entidades criadas e dirigidas pelos próprios cegos. Embora não se possa negar um certo esforço dessas entidades, mesmo dentro dos seus limites de ação e apreensão do real, objetivamente elas acabam legitimando as práticas excludentes levadas a cabo pelo Estado burguês e pela sociedade capitalista. Por outro lado, sem a pretensão de colocá-la como uma exceção, o modelo de organização da Associação Cascavelense de Deficientes Visuais (ACADEVI), pelo conteúdo de suas manifestações, no nível interno e externo, pelo esforço e convicção dos seus membros, parece refletir uma forma de resistência à lógica neoliberal, pautada na desresponsabilização do atual modelo de Estado mínimo. Assumindo o posicionamento de não aderir ao encaminhamento proposto pelo Estado, mesmo mantendo e recebendo dele recursos financeiros, coloca-se em oposição, não somente em relação ao Estado como também ao modelo de organização dos próprios cegos, conforme assinalado de passagem, em alguns momentos durante este trabalho. Pelo fato de não se alinhar com algumas das entidades criadas e dirigidas pelos próprios cegos, rejeita a idéia de "dos cegos, pelos cegos, para os cegos", entendimento que afastaria, isolaria os cegos da "sociedade" dos videntes, estabelecendo duas categorias de pessoas marcadas por diferenças tão profundas a ponto de não poderem viver /se relacionar numa mesma sociedade, comum a todos. Por esta razão, e entendendo o movimento contraditório, é possível admitir que a ACADEVI, pela sua práxis, tem procurado assumir e manter um posicionamento de classe, recusando a idéia da cegueira como elemento constituinte de uma "identidade", de uma "comunidade" própria, na qual, ali, todos juntos e iguais, sem preconceito e discriminação, seriam felizes para sempre. Por outro lado, cumpre ressaltar que, como este estudo não teve um alcance nacional, a não ser na análise de alguns documentos da área da Educação Especial - principalmente da deficiência visual, uma consideração final sobre as condições objetivas deste alunado nas escolas comuns, se restringirá ao Estado do Paraná. A pesquisa demonstrou que, além de mais de 50% dos 399 municípios não contarem com serviços de atendimento especializados, naqueles onde existem, deixa muito a desejar, trazendo com isso pelo menos duas conseqüências básicas: em primeiro lugar, mesmo nesses municípios que contam com os serviços, se acaba oferecendo aos alunos cegos uma educação de qualidade ainda mais inferior do que aquela destinada aos alunos sem deficiência, pelas razões já expostas de falta de condições; em segundo, onde não existem os suportes, provavelmente as crianças, os jovens e adultos cegos ou com visão reduzida, estão fora das escolas, privados do acesso à educação, excluídos até mesmo da igualdade de oportunidades, tão propalada e exaltada nos últimos anos. Além disso, a falta de precisão nas informações no tocante à caracterização deste alunado, particularmente no que diz respeito à sua matricula - se nas escolas regulares, somente nos CAEDEVs ou em ambos - dificulta saber quantos alunos estão de fato matriculados nas instituições educacionais, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Em sendo os órgãos de governo responsáveis pelo planejamento, coordenação e execução das ações educacionais nesta área, e não conseguindo organizar a coleta, a sistematização, o arquivamento e o uso político-administrativo desses dados - tanto em nível municipal, estadual e nacional - dificilmente encontrarão, de forma eficaz e minimamente satisfatória, alternativas para avançar além do atual quadro. Isto confirma também outro elemento: a prioridade da educação, especialmente para este alunado (incluindo aqueles com outras deficiências), tem sido lembrada apenas no plano da formalidade e da retórica, pois na realidade concreta, objetiva, os dados demonstraram uma grande distância entre o discurso e a prática dos governantes. Apesar disso, para os objetivos deste estudo, também pode-se considerar dois elementos positivos no tocante à educação deste alunado: a intervenção do governo, mesmo tímida, particularmente na década de oitenta, impediu, ou pelo menos inibiu, a proliferação das entidades filantrópico-assistenciais de natureza privada, fazendo com que esses alunos viessem a freqüentar as escolas comuns da rede regular de ensino, públicas ou privadas, razão pela qual hoje existe apenas uma escola especial para cegos no Estado e oito entidades prestadoras de serviços. Enquanto em outras áreas, particularmente na deficiência mental, existe um domínio absoluto do setor privado filantrópico, na área da deficiência visual, além de estar na rede regular de ensino, aspecto muito positivo, a grande maioria dos alunos cegos ou com visão reduzida, freqüenta as escolas públicas, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, única alternativa possível para os alunos pertencentes à classe trabalhadora. Por outro lado, também ficou claro que a falta de recursos materiais, ou de recursos humanos preparados nas escolas, não acontece por preconceito, por falta de recursos financeiros ou recursos técnicos eletrônicos, mas sim pelo fato de o capital não necessitar da força de trabalho dessas pessoas, por isso, não fazem parte do "capital humano" passível de "investimento", com retorno assegurado pela lei da livre concorrência do mercado. Em regra geral, consideradas inúteis para o trabalho produtivo, essas pessoas fazem parte daquele contingente que Marx denominou de exército de reserva da reserva da mão-de- obra de que o capital necessita, recorrendo somente em ocasiões excepcionais, o que traz como conseqüência outros desdobramentos: a exclusão dos serviços básicos de que necessitam, específicos ou não, tais como educação, saúde e outros. Diante disso, pelo seu incipiente nível de organização e poder de pressão política, este quadro tende a se perpetuar, a não ser que os cegos, como sujeitos sociais ativos e críticos, encontrem formas de mobilização e articulação com outros setores também excluídos da sociedade, para travarem uma luta conjunta, onde bandeiras específicas de cada segmento estejam articuladas com bandeiras estratégicas de combate ao capitalismo e a todas as suas formas de preconceitos, exclusões e marginalizações. Ainda como parte dessas considerações finais, merece destaque a necessidade de um estudo de alcance e abrangência nacional, procurando constatar a real situação deste alunado, bem como se as medidas do governo federal e dos governos estaduais, estão produzindo efeitos práticos, no sentido de atender de fato as necessidades materiais dos alunos, ou se elas pecam por reproduzirem velhas concepções e atitudes contra as pessoas cegas, nutridas pela idéia de uma educação como simples terapia ocupacional, como um passatempo. Em torno desta pesquisa, caberia uma atenção procurando averiguar, em termos numéricos, qual é o peso da educação segregada, ou seja, dos alunos que estudam nas escolas especiais somente para cegos, pertencentes aos Institutos ainda remanescentes, ou mantidas pelos governos estaduais ou instituições particulares, condição sem a qual fica praticamente impossível fazer uma afirmação mais próxima da realidade, a não ser de caráter provisório e por aproximação. Não menos importante e de relevo, seria também um estudo mais cuidadoso e aprofundado sobre a influência do modelo norte americano nesta área, inclusive procurando identificar e reconstituir os nexos dos acordos MEC/USAID, no tocante aos apoios técnico- financeiros também na institucionalização de um modelo de Educação Especial, implementado e difundido com a criação do CENESP junto ao Ministério da Educação e Cultura, em 1973. Na perspectiva da análise da formação dos professores, outro estudo importante a ser realizado, consiste na análise dos conteúdos dos documentos (Currículo) do curso de "Estudos Adicionais", com o intuito de averiguar a concepção ali subjacente, elemento que se reflete num entendimento de professor especializado, de sociedade e de aluno cego ou com visão reduzida, além da organização e do encaminhamento das atividades didático-pedagógicas. Como último ponto deste estudo e destas considerações finais, merece uma atenção o entendimento de Educação Especial, quando aplicado à área da deficiência visual, numa perspectiva inclusiva, isto é, da presença dos alunos cegos ou com visão reduzida nas escolas regulares de ensino. Estando esses alunos matriculados e freqüentando as escolas comuns, como é o caso do Estado do Paraná, eles não poderiam ser considerados alunos da Educação Especial, pois no máximo necessitam de serviços e apoios especializados que, mesmo ainda estando no rol das atividades da Educação Especial, não podem ser confundidos com as escolas especiais ou as classes especiais segregadas, ainda que essas últimas estejam no interior das escolas regulares comuns. Tomando-se como parâmetro a realidade do Paraná, excluindo-se os alunos ainda matriculados na escola do Instituto Paranaense de Cegos, é possível admitir que não existem alunos cegos ou com visão reduzida segregados, mas sim excluídos do processo educacional oficial, na medida em que se encontram fora das salas de aula do ensino comum. Nesses termos, esses alunos, assim como aqueles sem deficiência, também fora das escolas, estão privados da educação oficial comum a toda e qualquer pessoa, já que antes de precisarem dos serviços e apoios especializados, eles necessitam estar matriculados e freqüentando a escola. O que a Educação Especial moderna encarnou ao longo da sua história, desde sua origem com a educação de surdos e cegos na França, como um sistema paralelo ao da educação geral, foi a idéia e a prática da segregação, de recolher das ruas ou das famílias, receber das escolas regulares e manter sob a sua "tutela" os alunos que não seriam da educação comum, de acordo com algumas avaliações, ou seja, que os alunos cegos ou com visão reduzida, matriculados nas escolas comuns, necessitam de serviços e apoios especializados, este estudo não deixa dúvidas. Porém, é necessário aprofundar a reflexão sobre um possível distanciamento da área da deficiência visual do conjunto da Educação Especial, como forma de preservar a sua especificidade enquanto objeto de análise. Embora tenha nascido para educar também cegos, a Educação Especial brasileira, desde que foi constituído o CENESP, em 1973, é mais identificada e controlada pela área da deficiência mental, que procura impor a sua concepção de pessoa com deficiência, modelo muito distante do entendimento e das necessidades das pessoas cegas ou com visão reduzida. Longe de negar a cegueira ou a deficiência visual, como uma marca constituinte de um desvio do padrão considerado normal, ou de buscar uma tentativa de igualização com aqueles tidos como "normais", esta estratégia procura afastar os cegos e as pessoas com visão reduzida do rol daquela massa cada vez mais ampliada e denominada pela terminologia "Portadores de Necessidades Especiais", na medida em que busca a sua inserção no conjunto da sociedade, como grupo igual e diferente ao mesmo tempo, assim como aqueles que também possuem necessidades específicas em razão de uma determinada situação, mas que não precisam ser isolados do convívio social. Neste movimento contraditório que, ao mesmo tempo, em que sinaliza com a inclusão das diferenças nas escolas comuns, aprofunda essas mesmas diferenças para excluir delas aqueles alunos com pequenas dificuldades, transformando-os em alunos "especiais" objetos da Educação Especial, os cegos precisam lutar por outro modelo de educação e sociedade. REFERÊNCIAS ACADEVI. Associação Cascavelense de Deficientes Visuais. Estatuto. Cascavel: Marchesini Costa, 1994. ________________. Estatuto. Cascavel: Marchesini Costa, 1999. ________________. Nove anos de história: relatórios de atividades, cursos, encontros e seminários. Cascavel, 2003. (mimeo. e arquivo digitalizado). APADEVI. Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais. Estatuto. Cascavel: Marchesini Costa, 1989. ABEDEV. Associação Brasileira de Educadores de Deficientes Visuais. Estatuto. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2004. ________________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual. Campo Grande: ABEDEV, 2000. BERLAMINO, J. O associativismo dos cegos brasileiro. Cadernos Gesta. Ano I Nº 1 Julho 2001. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2004. BIANCHETTI, L. Aspectos Históricos da Educação Especial. São Paulo: ABPEE/UNIMEP, 1996. BÍBLIA SAGRADA. 100ª edição. São Paulo: Ave Maria. Edição Claretiana, 1995. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Campanha Nacional de Educação dos Cegos. Anais do 1º Congresso Brasileiro de Educação de Deficientes Visuais. São Paulo, 1966. _______________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. _______________. Decreto Federal nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. Brasília: Diário Oficial da União, 03 de dezembro de 2004. _______________. Ministério da Educação e Cultura. Centro Nacional de Educação Especial. Proposta Curricular para Deficientes Visuais. v. 1, 2, 3 e 4. Brasília: Departamento Documentação e Divulgação Brasília, 1979. _______________. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Projeto Nordeste. Brasília: MEC/SEESP, 1995. _______________. Ministério da Justiça. Secretaria de Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Declaração de Salamanca (UNESCO) de princípios, política e prática para as necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1997. ________________. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial. Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: deficiência visual, vol. 2, Fascículo IV. Brasília: MEC/SEESP, 2001. BRUNO, Marilda M. G.. Deficiência Visual - reflexão sobre a prática pedagógica. São Paulo, Ed.: Laramara, 1997. CONCEIÇÃO, Gilmar Henrique. Partidos Políticos e Educação. Cascavel, Ed.: Edunioeste, 2000. CRUICKSHANK, William M. e JOHNSON, G. Orville. A educação da criança e do jovem excepcional. Porto Alegre, Ed.: Globo, 1975. CUNHA, Luiz Antonio, GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro, Ed.: Zahar, 1985. DIDEROT . Carta sobre os Cegos para uso dos que vêem. Coleção os Pensadores. Textos Escolhidos. Tradução: Marilena de Souza Chauí, J. Guinsburg. São Paulo: Abril Cultural, 1979. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 3ª ed., São Paulo: Cortez; Brasília, D.F.: MEC: UNESCO, 1999. FERNANDES, Florestan. Nova República. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. GAVRONSKI, J. Homenagem ao I Centenário do Movimento em Favor do Cego no Brasil. Associação Promotora de Instrução e Trabalho para Cegos. São Paulo: Gráfica Editora Prelúdio, 1954. Não paginado. GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais. Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 1997 HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da Educação Brasileira. São Paulo: Ed. Thomson, 2003. HOBSBOWN, Eric J.. A era do capital. São Paulo: Paz e Terra, 2000. JANNUZZI, Gilberta. As políticas e os espaços para a criança excepcional. In. História Social da Infância no Brasil. Organizador: Marcos Cezar de Freitas. São Paulo: Ed. Cortez, 1997. LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Ed. Horizonte, 1978. LOBO, Lilia Ferreira. Os Infames da História: A Instituição das Deficiências no Brasil. Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Psicologia Clínica. Departamento de Psicologia Pontifícia Universidade Católica. Rio de Janeiro, 1997. MANACORDA, M. A. História da educação: da Antigüidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1997. MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil. São Paulo: Ed. Cortês, 1997. MARX, K. ENGELS, F.. A Ideologia Alemã (Feuerbach). Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 4ª edição. São Paulo: Ed. Hucitec, 1984. MARX, K. A Questão Judaica. São Paulo: Ed. Centauro, 2002. MARX, K. Crítica da Economia Política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Ed. Nova Cultural Ltda, 1996. MARX, K. O Capital. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982. MATOS, F. A. As Organizações Tiflológicas Portuguesas: Entre o Presente e Futuro. Cadernos Gesta. Ano I Nº 1 Julho 2001. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2004. MAZZOTTA, Marcos J.S. Educação Especial no Brasil-História e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2001. PARANÁ. Jornal Folha de Londrina. Cascavel, 03 de junho de 1997. ________________. Jornal A Cidade. Cascavel, 09 de fevereiro de 1997. ________________. Jornal Gazeta do Paraná. Cascavel, 25 de maio de 2000. ________________. Jornal Gazeta do Paraná. Cascavel, 06 de dezembro de 2002, p. 03. ________________. Jornal Hoje. Cascavel, de 15 de agosto de 2001. ________________. Jornal O Paraná. Cascavel, 19 de setembro de 2002. ________________. Fundamentos Teóricos – Metodológicos Para a Educação Especial. Secretaria do Estado da Educação. Departamento de Educação Especial. Curitiba: SEED/DEE, 1994. _______________. Ofício n.º 194/97/LO – Relatório de Inspeção. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa dos Direitos do Idoso. Curitiba, 12 de novembro de 1997. PASTORE, José. Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. São Paulo: LTR, 2000. PONCE, A. Educação e Luta de Classes. Tradução de José Severo de Camargo Pereira. 12ª. ed. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1992. REINO, V. 175 anos de Utilização do Braille o Braille que temos, o Braille que queremos (colóquio). Comissão de Braille Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência. Lisboa, 2000. ROCHA, L. C. Há algo de degenerado no reino da sociedade industrial moderna. In: MERISSE, A. Lugares da infância: reflexões sobre a história da criança na fábrica, creche e orfanato. São Paulo: Arte & Ciência, 1997. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Ed. Cortez, 1944. SACKS, Oliver. Um Antropólogo em Marte. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SASSAKI, Romeu Kazumi. Vida Independente. São Paulo: CVI-Araci Nallin, 2003. SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada. São Paulo: Ed. CEDAS, 1986. SILVEIRA BUENO, J. G. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. SINGER, Paul. Interpretação do Brasil, uma experiência histórica do desenvolvimento. In BORIS, Fausto. O Brasil Republicano. São Paulo: Ed. Difel, 1986. SOMBRA, L. A. Educação e Integração Profissional de Pessoas Excepcionais: Análise da Legislação. Dissertação (Mestrado em Educação). Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1983. TELFORD e SAWREY. O indivíduo Excepcional. Rio De Janeiro: Ed. Zahar, 1984. TURECK, Lucia Terezinha Zanato. Deficiência, Educação e Possibilidades de Sucesso Escolar: Um Estudo de Alunos com Deficiência Visual. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2003.. UCC. União Cascavelense de Cegos. Estatuto e Ata de Fundação. Cascavel: Marquezine Costa: 1984. UNIOESTE. Regulamento dos Procedimentos para Ingresso e Permanência de Pessoas com Necessidades Especiais na UNIOESTE. Resolução nº 127/2002 – CEPE. Cascavel, 2002. VEIGA, J. E. A Vida de Quem Não. Vê Memórias de um cego. Psicologia e Educação. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1946. VENTURINI, Jurema. Projeto Especial, Área de Educação Especial - Deficientes da Visão. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, 1975. VIEIRA, Evaldo. Democracia e Política Social. Coleção polêmicas do nosso tempo; v. 49 São Paulo: Cortez, 1992. VIGOTSKI, L. S. Fundamentos de Defectologia. In: Obras completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. XAVIER, Maria Elizabeth. RIBEIRO, Maria Luisa. NORONHA, Olinda Maria. História da Educação “A escola no Brasil”. São Paulo: Ed. FTD, 1994. XAVIER, M. E. S. P. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas: Ed. Papirus, 1990. ZENI, Maurício. O Imperial Instituto dos Meninos Cegos: Benjamin Constant e o Assistencialismo (Segunda Metade Do Século XIX). Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997. “O sistema braile, por sua eficiência e vasta aplicabilidade, se impôs definitivamente como o melhor meio de leitura e de escrita para as pessoas cegas. Consta do arranjo de seis pontos, configurando um retângulo de seis milímetros de altura por dois milímetros de largura. Os seis pontos formam o que se convencionou chamar “cela braile”. (...) As diferentes disposições desses seis pontos permite a formação de 63 combinações ou símbolo braile” (BRASIL, 2001, p. 34). 3 7